- Matheus Magenta
- Da BBC News Brasil em Londres
A eleição presidencial de 2022 será decidida em segundo turno, disputado entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) — após um primeiro turno com uma diferança mais apertada do que previam as principais pesquisas de intenção de voto.
No primeiro turno, com 96,93% das urnas apuradas, Lula (PT) estava em primeiro com 54.887.668 votos (47,85% do total dos votos válidos) e Bolsonaro, em segundo, tinha 50.117.086 votos (43,70% dos válidos) — o tribunal já considerava, então, a eleição matematicamente encaminhada para um segundo turno.
Bolsonaro chega ao segundo turno com uma tarefa inédita na história eleitoral brasileira: ultrapassar o primeiro colocado e vencer a disputa.
Serão quase quatro semanas até a próxima votação, em 30/10.
Há desafios para Bolsonaro, como a vantagem numérica de Lula no primeiro turno, alta rejeição do eleitorado, baixo potencial de atrair eleitores de outros candidatos, verba restrita para campanha e lenta recuperação da economia.
Por outro lado, especialistas afirmam que Bolsonaro deve conseguir atrair o apoio de diversos setores da direita que estavam pulverizados nos Estados e na disputa presidencial. E também ampliar a campanha negativa contra Lula e o PT baseada acusações de corrupção e na pauta de costumes (incluindo o chamado “pânico moral”).
Entenda abaixo cinco dos principais desafios para Bolsonaro na disputa contra Lula.
1. Vantagem de Lula
“Lula, ao contrário de Bolsonaro, tem entre os eleitores uma memória de um legado muito positivo, embora manchada pela corrupção. E a personalidade de Lula é oposta à de Bolsonaro em relação à moderação, à negociação e ao trânsito político. Lula tem talvez a maior capacidade política do país de tecer um arco de alianças é realmente muito plural, diverso”, afirmou a socióloga e professora Esther Solano Gallego (Unifesp).
Como dito acima, todos os candidatos que chegaram na liderança ao segundo turno acabaram vitoriosos nas eleições.
Bolsonaro tem, portanto, duas saídas: 1. atrair a ampla maioria dos votos dos candidatos que ficaram para trás no primeiro turno, como Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB), e 2. tirar votos de Lula.
Mas quantos votos ainda estão “em disputa” entre Lula e Bolsonaro?
Como não é possível prever o comparecimento dos eleitores nem quantos votarão em brancos e nulos, o “saldo” de votos a ser disputado no segundo turno seria a soma de todos os outros candidatos.
Mas pesquisas realizadas no primeiro turno apontavam que Lula liderava como segunda opção nas urnas entre eleitores de Ciro Gomes e Simone Tebet.
Segundo pesquisa Datafolha realizada no fim de setembro, por exemplo, 38% dos eleitores de Ciro tinham Lula como segunda opção e 18% tinham Bolsonaro como segunda opção.
No caso dos eleitores de Tebet, 34% tinham Lula como segunda opção e 18% tinham Bolsonaro como segunda opção.
Isso não significa, obviamente, que todas essas pessoas votarão em Lula ou em Bolsonaro no segundo turno.
A segunda saída, tirar votos de Lula, parece ainda mais difícil para Bolsonaro. O único candidato que teve menos votos no segundo turno do que no primeiro foi Geraldo Alckmin em 2006.
O então presidenciável do PSDB teve quase 2,5 milhões de votos a menos na segunda votação. Seu adversário naquela eleição, Lula, teve quase 12 milhões de votos a mais no segundo turno. Curiosamente, Alckmin (agora no PSB) se tornou o vice de Lula na chapa presidencial deste ano.
2. Alta rejeição do eleitorado contra Bolsonaro
Um dos principais obstáculos de Bolsonaro durante toda a campanha eleitoral era a alta taxa de rejeição dos eleitores.
Pesquisa realizada pelo Ipec no fim de setembro apontava que 51% dos eleitores não votariam de jeito nenhum em Bolsonaro. Em comparação, 35% afirmavam que não votariam de jeito nenhum em Lula.
Segundo o Datafolha, em pesquisa no fim de setembro, as taxas mais altas de rejeição a Bolsonaro estavam entre mulheres, jovens, classes mais pobres, desempregados, estudantes, funcionários públicos e moradores das regiões Sudeste, Norte e Nordeste.
Especialistas apontam que esses números não são absolutos nem consolidados. Mas eles ficaram bastante estáveis ao longo do primeiro turno, o que aponta dificuldades para revertê-los.
Para alguns analistas, Bolsonaro ainda pode se beneficiar de elementos que o ajudaram a se eleger em 2018, como o antipetismo. Neste ano, esse sentimento estava diluído entre diversos candidatos no primeiro turno, e uma disputa agora concentrada em Lula e Bolsonaro pode reunir novamente esses eleitores antipetistas em torno de Bolsonaro, como ocorreu há quatro anos.
Outros especialistas afirmam que a rejeição de Bolsonaro tem um outro lado importante para ele: a mobilização constante de seus eleitores. Ou seja, estima-se que a taxa de comparecimento às urnas dos apoiadores de Bolsonaro deve ser maior do que a de outros candidatos.
Por outro lado, Solano Gallego avalia que Bolsonaro deve ter dificuldade para ampliar sua base de apoio porque o eleitorado não tem respondido à agenda da mesma forma positiva que fez em 2018.
“Nesta eleição, há um cansaço e uma saturação entre os eleitores evangélicos com a excessiva politização dos âmbitos religiosos, dos púlpitos. Mesmo com sua ofensiva de pânico moral, Bolsonaro já parou de crescer entre os evangélicos. É claro que ele continuará apostando nisso, colocando o PT como se fosse o destruidor da família, dos costumes, da fé e da moral.”
3. Lenta recuperação da economia
Uma das principais apostas de Bolsonaro durante o primeiro turno era que a melhora da economia brasileira impulsionaria sua campanha pela reeleição. Isso porque a economia era considerada o principal problema do país por grande parte dos eleitores.
Especialistas apontam que o cenário econômico menos pior tem beneficiado os números de Bolsonaro, tanto daqueles que declaram voto nele quanto daqueles que aprovam seu governo.
Mas a velocidade da recuperação tem sido bem mais lenta do que esperava o presidente.
A inflação, por exemplo, está em queda após seguidos aumentos. No acumulado dos últimos 12 meses, a inflação no país é de 10,07%, mesmo com a queda registrada em julho de 0,68% no IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), segundo o IBGE.
Economistas do mercado financeiro consultados pelo Banco Central têm reduzido semana a semana as projeções da inflação para 2022. Atualmente, a previsão média de mais de cem instituições financeiras é de que a inflação feche o ano de 2022 abaixo de 6%.
Mas apesar de todas essas quedas, o Brasil ainda tem a 4ª maior taxa de inflação entre os países do G20, grupo que reúne as maiores economias do mundo, segundo dados do início de agosto da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Ao longo da campanha, muitos analistas repetiram a expressão “jogar dinheiro do helicóptero”, cunhada pelo economista americano Milton Friedman, para falar das medidas bilionárias adotadas por Bolsonaro antes e durante a campanha eleitoral.
As duas principais foram o aumento do Auxílio Brasil (de R$ 400 para R$ 600) e a redução de impostos para abaixar os preços dos combustíveis.
Segundo especialistas, no segundo turno Bolsonaro não tem praticamente mais margem de manobra no orçamento federal para criar ou turbinar medidas com potencial eleitoral.
5. Falta de dinheiro (e de aliados) para a campanha
Os dados do fim de setembro apontavam que a campanha presidencial de Lula havia reunido R$ 89 milhões, quase tudo repassado pelo PT a partir do fundo eleitoral.
Àquela altura, a campanha de Bolsonaro havia recebido quase R$ 17 milhões do PL e arrecadado outros R$ 12 milhões em doações privadas (principalmente de empresários).
Para o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), coordenador da campanha de seu pai à reeleição, a falta de dinheiro era um “ponto crítico” e já afetava a quantidade de viagens que Bolsonaro faria pelo país, por exemplo.
A enorme diferença entre os repasses do PT e do PL para as campanhas presidenciais reflete as estratégias de cada partido. Enquanto o PT priorizou a eleição de Lula, o PL se concentrou nas campanhas de candidatos ao Senado e à Câmara dos Deputados.
Entre outros motivos porque o tamanho da bancada de deputados federais é uma das referências usadas para definir quanto cada partido receberá dos cofres públicos.
Além disso, a transferência de Bolsonaro para o PL foi acompanhada por diversos parlamentares, o que acirrou ainda mais a disputa interna pelas verbas do partido para a campanha eleitoral de 2022.
Mas Bolsonaro não enfrenta apenas falta de verbas dentro de sua base partidária. Há relatos de falta de apoio também.
A popularidade elevada de Lula na região Nordeste, por exemplo, fez com que muitos aliados de Bolsonaro não fizessem campanha para ele com medo de afastar eleitores.
Um levantamento do jornal Folha de S.Paulo em agosto apontou que um terço dos candidatos a governador que estavam formalmente aliados com o PL nas eleições não publicavam imagens ou faziam referências a Bolsonaro nas redes sociais.
Para a socióloga e professora Esther Solano Gallego (Unifesp), a própria personalidade de Bolsonaro, “considerada por muitos brasileiros como instável, agressiva e intolerante”, atrapalha o acerto de alianças políticas para garantir sua governabilidade e ampliar seus palanques ao redor do país.
“(Bolsonaro) não conseguiu sequer ter um partido potente por trás, o que dizer de alianças eleitorais ou institucionais. Essa personalidade antidemocrática está fazendo com que o mundo institucional democrático brasileiro esteja dando as costas para ele.”
A cientista política e professora Maria do Socorro Braga (Unicamp), por outro lado, afirma que Bolsonaro deve conseguir turno atrair no segundo o apoio de diversos setores da direita brasileira.
Ela cita os exemplos da direita neoliberal, do partido União Brasil (fusão do DEM com o PSL), que no primeiro turno estava formalmente ligado à candidatura presidencial de Soraya Thronicke (União Brasil-MS), e de setores do PSDB, formalmente ligados à candidatura presidencial de Simone Tebet (MDB-MS).
“No segundo turno, o ex-presidente Lula terá muito maior dificuldade de arregimentar esses setores mais à direita. Os Estados serão fundamentais para fortalecer o Bolsonaro, especialmente no Sudeste e no Sul”, diz Braga.
Para a pesquisadora, haverá também aproximação de aliados de Bolsonaro no Congresso que não fizeram campanha para o presidente no primeiro turno, sob o temor de perderem votos em regiões onde Lula lidera com folga, mas que estarão de certa forma mais desimpedidos para apoiá-lo no segundo turno presidencial.
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