- Matheus Magenta*
- Da BBC News Brasil em Londres
Definir o termo lavajatismo parece ser tarefa fácil, já que ele obviamente está ligado à Lava Jato, operação que a partir de 2014 causou um terremoto na política brasileira ao prender políticos e empresários acusados de corrupção.
Mas, como na política nada é tão simples, o termo acabou adquirindo significados diversos, a depender do posicionamento da pessoa com quem você conversa.
Parte das pessoas usa esse termo para identificar ou classificar quem apoia ou integra a Operação Lava Jato. Mas outra parte usa o termo de forma negativa como crítica a policiais, promotores, juízes, jornalistas e apoiadores ligados a um conjunto de métodos e ideais batizado de “lavajatismo”.
No debate político brasileiro, esses significados vão bem além da investigação em si, envolvendo questões como interpretações da lei brasileira, divergências partidárias e dilemas morais (por exemplo: os fins justificam os meios?).
Tudo começou em 2014, ano em que a Operação Lava Jato teve início após suspeitas de lavagem de dinheiro em uma casa de câmbio localizada em um posto de gasolina em Brasília.
A partir dali, a investigação cresceu e conseguiu desvendar um gigantesco esquema de corrupção em torno da Petrobras e de grandes empreiteiras privadas contratadas por governos. Centenas de pessoas foram presas, bilhões de reais foram devolvidos aos cofres públicos e a ampla maioria da população continua apoiando a investigação.
Mas ao longo dos anos, o apoio popular à Lava Jato e o poder dos investigadores começou a perder força, tendo como auge o vazamento de conversas privadas entre procuradores responsáveis por investigar e o então juiz federal Sergio Moro (responsável por julgar os casos investigados).
As mensagens revelavam condutas irregulares de ambas as partes, e, ao fim, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que Moro havia sido parcial e anulou condenações do principal alvo lavajatista, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“De um lado, (há) o lavajatismo que só vê na Lava Jato virtudes e não faz autocrítica e, do outro lado, o lavajatismo que só vê na Lava Jato defeitos e não reconhece, nada obstante alguns defeitos, a relevância dos trabalhos que foram levados a efeito”, resumiu o ministro Edson Fachin, relator de processos da Lava Jato no STF, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo.
Para entender todo o imbróglio em torno dos lavajatistas e do lavajatismo, a BBC News Brasil explica abaixo como a operação revelou enormes esquemas de corrupção e levou a um racha em diversas áreas, como a política, o Judiciário e a mídia.
Em seguida, mostra a influência da Lava Jato na derrocada do PT e na ascensão de Jair Bolsonaro (PL) ao colocar o tema da corrupção no centro do debate nacional. Por fim, aponta o que especialistas veem como raízes do lavajatismo na história brasileira, como populismo, judiciarismo, neoliberalismo, punitivismo, messianismo e tenentismo.
A investigação começou em março de 2014, a partir de uma apuração sobre lavagem de dinheiro num posto de gasolina de Brasília, o Posto da Torre.
“Ninguém imaginava que a Lava Jato ia se tornar o que é hoje”, disse à BBC um policial federal que, desde o início, está próximo das investigações feitas a partir de Curitiba, no Paraná. “Era algo pequeno que só fez crescer desde então.”
Naquela época, havia suspeitas de que o posto era sede da atuação de doleiros, nome dado no mundo do crime a operadores ilegais do mercado de câmbio que criam uma espécie de sistema bancário oculto usado por indivíduos e organizações para esconder e lavar dinheiro sujo.
Depois de alguns meses, os investigadores concluíram que estavam diante de quatro organizações criminosas que interagiam entre si, tendo doleiros no seu comando. Uma delas era liderada por Alberto Youssef, que já havia sido preso em 2003 por lavagem de dinheiro e outros crimes contra o sistema financeiro em um caso anterior de evasão de fundos do banco Banestado.
Naquela ocasião, Youssef conseguiu escapar de uma pena maior firmando um acordo de colaboração inédito no Brasil, para reduzir sua condenação em troca de fornecer informações, homologado pelo próprio juiz Sergio Moro.
Durante a investigação, os agentes encontraram um email que aludia a um presente luxuoso: um veículo Range Rover Evoque. Eles se assombraram ao descobrir que o destinatário do presente de Youssef era Paulo Roberto Costa, que, entre 2004 e 2012, havia sido diretor de abastecimento da Petrobras, um cargo crucial no gerenciamento de contratos.
Esse seria o primeiro vínculo encontrado pelos investigadores entre a rede ilegal de lavagem de dinheiro no posto de gasolina de Brasília e a petroleira estatal.
Costa, então ex-diretor da Petrobras, foi preso em março de 2014, depois que seus familiares foram registrados por câmeras de segurança entrando e saindo em um edifício onde funcionava a empresa de Costa com bolsas e mochilas. Segundo os policiais, eles estavam destruindo provas.
Em agosto de 2014, Costa fechou um acordo de delação premiada para reduzir sua pena. Em troca, deveria devolver dinheiro, relatar os crimes e indicar os outros implicados. Youssef chegou a um acordo parecido.
Com esses novos testemunhos, os promotores denunciaram que as principais construtoras do país, entre elas gigantes como Odebrecht e Camargo Corrêa, haviam formado um cartel para repartir entre si contratos multimilionários com a Petrobras.
Para obtê-los, pagavam subornos a diretores da empresa e a dezenas de políticos de diferentes partidos. Investigadores apontam que o dinheiro desviado variava entre 1% e 3% do valor dos contratos e ia para empresas que camuflavam os repasses como pagamentos por consultorias, e em seguida Youssef e outros doleiros fariam o dinheiro chegar aos seus destinatários finais.
Nos anos seguintes, os investigadores provaram nos tribunais a existência de um cartel de empreiteiras montado para fraudar concorrências públicas.
Em cinco anos, mais de 500 pessoas foram denunciadas à Justiça no âmbito da Operação Lava Jato, incluindo servidores públicos, empresários, executivos e políticos de 33 partidos, com condenações de membros de MDB, PP, PSDB, PT, PTB e Solidariedade. Dez governadores e dois ex-presidentes foram presos durante a investigação.
Entre os condenados estão antigos diretores da Petrobras, o ex-tesoureiro do PT, João Vaccari, os ex-governadores do RJ Sergio Cabral e Luiz Fernando Pezão e o ex-presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht.
Investigadores da Lava Jato conseguiram firmar acordos no Brasil para garantir a devolução de quase R$ 13 bilhões aos cofres públicos. Outros R$ 4,3 bilhões já foram devolvidos à Petrobras e ao Estado brasileiro. As descobertas levaram também a investigações em países da América Latina, da África e da Europa.
Um dos episódios mais marcantes dos tentáculos da Lava Jato no exterior ocorreu em 2019, quando o ex-presidente do Peru Alan García cometeu suicídio durante uma tentativa da polícia de prendê-lo sob acusação de ter recebido propina da Odebrecht.
No dia anterior a sua morte, García escreveu no Twitter: “Como em nenhum documento sou mencionado e nenhum indício ou evidência me envolvem, só resta a ESPECULAÇÃO ou inventar intermediários. Jamais me vendi e está provado”.
A Odebrecht admitiu ter pago US$ 29 milhões de propina no Peru, entre 2005 e 2014, em troca da obtenção de contratos. As suspeitas de corrupção recaíam sobre quatro ex-presidentes do país, incluindo García.
Condenações anuladas contra o principal alvo da Lava Jato
O principal alvo político da operação sempre foi o ex-presidente Lula, considerado pelos investigadores o “comandante máximo” e o “maestro de uma grande orquestra concatenada para saquear os cofres públicos”. Lula foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro em dois casos: o do tríplex do Guarujá e o do sítio em Atibaia.
No primeiro, o ex-presidente era acusado de receber propina da empreiteira OAS na forma da reserva e reforma de um apartamento no balneário paulista em troca de benefícios indevidos à empresa em contratos públicos.
No segundo, Lula foi acusado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal de receber propinas das construtoras OAS e Odebrecht por meio de reformas, em 2010, num sítio no município do interior paulista. O objetivo, segundo os investigadores, também era obter vantagens indevidas em contratos para as duas empresas com estatais como a Petrobras.
Lula passaria 580 dias preso, até ser solto após decisões do Supremo Tribunal Federal que anularam essas e outras condenações. A maioria dos ministros considerou que o então juiz federal Sergio Moro não tinha competência para julgar o ex-presidente (que deveria ser julgado em São Paulo ou no Distrito Federal) e que o magistrado agiu de forma parcial (portanto, ilegal).
Na questão ligada à competência de Moro para julgar Lula em Curitiba, o ministro do STF Edson Fachin decidiu em março de 2021 que o Ministério Público não demonstrou que havia envolvimento da Petrobras nos supostos crimes de Lula, requisito necessário para o caso ser julgado na vara de Moro.
Existe uma regra no direito penal brasileiro que determina que um processo criminal deve ocorrer na vara do local onde o suposto crime ocorreu, e por isso, segundo Fachin, o caso deveria ter sido julgado no Distrito Federal, e não em Curitiba.
A decisão de Fachin foi confirmada pela Segunda Turma do STF, que depois também julgou Moro como tendo sido um juiz parcial nos processos contra o petista, o que reforçou a anulação das condenações.
As acusações de parcialidade contra o ex-magistrado ganharam peso após o portal de notícias The Intercept Brasil revelar, em julho de 2019, diálogos privados entre Moro e o procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato, em que o juiz adotava condutas ilegais em parceria com o Ministério Público Federal, como sugerir testemunhas e delatores, dar pistas sobre futuras decisões e aconselhar procuradores.
Além disso, a ministra Cármen Lúcia afirmou que o então juiz federal Sergio Moro atuou ilegalmente ao autorizar a interceptação de telefones de advogados do ex-presidente e ao determinar a condução coercitiva do petista em 2016, sem primeiro intimá-lo a depor.
Essas decisões permitiram que o petista retomasse seus direitos políticos e disputasse a eleição presidencial de outubro de 2022.
Com essas duas decisões sobre competência e parcialidade, as condenações foram consideradas nulas, mas Lula ainda poderia responder às acusações em novos processos, a serem realizados na Justiça de Brasília. No entanto, esse retorno à estaca zero acabou provocando a prescrição da pretensão punitiva. Ou seja, terminou o prazo estabelecido na legislação penal para possível punição dos crimes, caso Lula fosse considerado culpado.
E quando não há mais possibilidade de punição, as acusações são arquivadas definitivamente. Ou seja, Lula não pode mais ser julgado nos casos do triplex e do sítio de Atibaia.
Racha da Lava Jato no Judiciário
A Lava Jato teve tanto impacto no Brasil que rachou até os 11 ministros da mais alta Corte do país.
Segundo especialistas, o STF passaria a ter uma espécie de divisão (quase meio a meio) entre uma ala mais “garantista” (que dá maior peso aos direitos dos réus em seus votos) e outra mais “punitivista” (termo popular que, grosso modo, descreve quem vê efeito positivo para a sociedade em punições criminais).
O ministro do STF Luís Roberto Barroso, associado por analistas à ala punitivista, afirmou que é preciso não perder o foco do legado da operação, que fez a sociedade brasileira deixar de “aceitar o inaceitável” — no caso, a corrupção.
“O problema não é ter tido exagero aqui ou ali. O problema é esta corrupção estrutural, sistêmica, institucionalizada, que não começou com uma pessoa ou um partido, vem de um processo acumulativo que um dia transbordou. E o que a gente assiste hoje é a tentativa de sequestrar a narrativa como se isso não tivesse acontecido”, disse Barroso ao historiador Marco Antonio Villa.
Para Fachin, que se situava mais ou menos no meio do caminho, o lavajatismo é uma “doença infantil que surgiu da Lava Jato” e pode estar prestes a acabar.
O ministro Gilmar Mendes, associado por analistas à ala garantista, se tornou o principal crítico da operação no STF. Para ele, o Brasil esteve próximo de viver sob a “ditadura de Curitiba”, que segundo Mendes ignorava o devido processo legal e usava detenções como “tortura” para obter delações e condenações.
Para Mendes, o lavajatismo é pai e mãe do bolsonarismo, movimento político de direita aglutinado em torno de Jair Bolsonaro. Ele se refere, entre outros aspectos, à criminalização do sistema político como um todo por parte dos investigadores e juízes da Lava Jato e, por consequência, ao surgimento de uma visão antissistema que preteriu políticos tradicionais nas urnas em troca de candidatos outsiders (de fora), como Bolsonaro (apesar de ter sido deputado federal por 26 anos).
Outro elemento apontado como elo entre bolsonaristas e lavajatistas é a nomeação de Moro como ministro da Justiça do governo Bolsonaro.
Em 2019, o próprio Bolsonaro disse que a atuação de Moro na Lava Jato permitiu sua eleição. “Se essa missão dele não fosse bem cumprida, eu também não estaria aqui, então em parte o que acontece na política do Brasil, devemos a Sergio Moro.” Lula, o principal adversário político de Bolsonaro, não pode concorrer à Presidência em 2018 porque foi condenado por Moro e pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Lula só recuperaria seus direitos políticos em 2021.
A corrupção no centro do debate nacional e a eleição de Bolsonaro
O cientista político Jair Nicolau, em seu livro sobre a eleição de 2018 O Brasil Dobrou à Direita, resume a conexão entre os resultados da Lava Jato e a vitória de Bolsonaro.
“1) a Lava Jato investigou, denunciou e prendeu parte expressiva da elite política brasileira; 2) a corrupção passou a ser vista como algo endêmico, aumentando a rejeição a partidos tradicionais; 3) os eleitores buscaram uma alternativa de um político que não estivesse envolvido em nenhuma das denúncias dos últimos anos e ao mesmo tempo expressasse uma quebra com o padrão de ação da elite política tradicional; 4) entre os nomes apresentados em 2018, o único que preenchia esses critérios era Bolsonaro”, afirmou Nicolau.
Segundo ele, a corrupção se tornou tema prioritário da agenda antipetista nas eleições desde que as denúncias do escândalo do mensalão apareceram em 2005, mas, desde então, Bolsonaro foi o candidato o que mais mobilizou os eleitores em torno disso.
Para se ter uma ideia do impacto da Lava Jato na percepção coletiva e no antipetismo, o instituto Datafolha apontou que em dezembro de 2012 apenas 4% dos eleitores consideravam a corrupção o principal problema do país e outros 40%, a saúde.
Em março de 2016, às vésperas do impeachment de Dilma Rousseff (PT) e dois anos após o início da Lava Jato, a corrupção liderava o ranking de problemas nacionais com 37%, e a saúde figurava com 17%.
Essas características apareceriam com força entre eleitores de Bolsonaro, aponta um estudo da Fespsp sobre manifestantes em movimentos políticos de rua e de redes sociais de 2016 a 2018. Um dos perfis de eleitores identificados pelos pesquisadores era classificado como cidadão de bem, ou seja, alguém que luta contra todas as formas de corrupção, legais e morais.
Para esse tipo de eleitor, explica a antropóloga e coordenadora do estudo, Isabela Kalil, a forma de corrupção mais evidente é “políticos roubam o povo”, o que seria algo inerente à gestão pública e demandaria como solução a redução do Estado e a substituição dos políticos tradicionais.
No livro Antes que Apaguem, o deputado federal bolsonarista Luiz Philippe de Orléans e Bragança (PL-SP) definiu os lavajatistas como “uma base ampla de cidadãos que quer ver justiça e combate à corrupção”, sem ideologia econômica ou moral definida, englobando “todos os segmentos da direita e alguns da esquerda”.
Para Orléans e Bragança, os lavajatistas “não toleram a aproximação do governo com partidos investigados na Lava Jato e deixam de apoiá-lo quando o governo não parece fazer o suficiente no combate à corrupção” que envolve grandes partidos e empresas.
E foi o que aconteceu depois da eleição de 2018. Pesquisas de opinião apontaram que os eleitores identificados como lavajatistas acabam se afastando de Bolsonaro, que adotou diversas medidas consideradas contrárias ao combate à corrupção, como a nomeação de um procurador-geral da República crítico à Lava Jato, Augusto Aras, e a troca no comando de órgãos de investigação sem justificativas claras ou plausíveis.
O marco desse afastamento entre lavajatistas e bolsonaristas ocorreria em abril de 2020: Moro se demitiu do governo Bolsonaro acusando o presidente de tentar interferir em investigações da Polícia Federal — acusação refutada por Bolsonaro.
Mauricio Moura, presidente do instituto de pesquisa Ideia Big Data, explica que apesar de Bolsonaro ter sido eleito com grande expectativa de combater a corrupção, o tema já não influencia tanto na sua popularidade como durante a eleição.
Segundo o pesquisador, isso se dá não porque o eleitorado brasileiro deixou de se preocupar com a corrupção, mas, sim, porque o segmento do eleitorado que dá importância ao assunto já havia abandonado o presidente no começo de 2020.
Ao longo do mandato de Bolsonaro como presidente, sobretudo em 2020, teria havido uma “troca” de bolsonaristas. Moura diz que uma parcela entre 10% e 15% dos brasileiros que apoiava Bolsonaro deixou de fazê-lo quando as políticas e estratégias contra a corrupção perderam espaço no governo.
As pesquisas do Ideia Big Data sugerem que o segmento da classe média cujo foco principal é o combate à corrupção segue compondo algo em torno de 10% do eleitorado.
Populismo, mídia, Justiça e tenentismo
Em livro lançado em 2018, a cientista social e professora Esther Solano (Unifesp) associa o lavajatismo ao populismo de direita, que “esvazia palavras para aglutinar as pessoas em torno delas” e utiliza simplificações morais da realidade como “o cidadão de bem versus o bandido”.
Nessa estratégia lavajatista com ares de espetáculo, segundo Solano, “os sentimentos de medo, frustração e desencantamento tão espalhados na população são manipulados para dar lugar à criminalização da política e ao fortalecimento de um perigosíssimo discurso punitivo antipolítico”.
Segundo ela, “o mantra ‘todos na cadeia’ populariza a ideia antidemocrática de que a política é suja, corrupta, vergonhosa” e coloca “as elites políticas como inimigas da população”, que devem ser atacadas numa espécie de “‘nós’ contra ‘eles’ que nada tem a ver com justiça e sim com sede de linchamento coletivo”.
Além da política, os lavajatistas dominaram outros dois campos no país: a mídia e o Judiciário.
No primeiro, investigadores e apoiadores figuraram por anos em filmes, série de TV, livros, músicas, capas de revistas e reportagens.
Deltan Dallagnol, então coordenador da força-tarefa de procuradores em Curitiba, afirma em seu livro A Luta Contra a Corrupção: A Lava Jato e o Futuro de um País Marcado pela Impunidade que a mobilização permanente dos apoiadores era essencial porque garantiria, em sua visão, segurança contra a reação de investigados poderosos.
Para estimular essa mobilização, a equipe adotou, a estratégia de dividir a Lava Jato em diversas fases e operações de busca e apreensão, considerada “uma boa forma de fazer com que a opinião pública não deixasse de acompanhar o desenvolvimento do caso, mantendo seu apoio à investigação”.
E aqui os termos lavajatista ou lavajateiro são usados também para qualificar veículos e jornalistas que apoiavam a operação e/ou davam amplo espaço à divulgação de vazamentos de partes das investigações selecionadas pelas fontes, sejam elas procuradores, juízes ou advogados. “Não há precedente de um escândalo de corrupção que tenha durado tanto tempo e ocupado tanto espaço no noticiário político”, afirmam três pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Uerj) em um capítulo do livro Operação Lava Jato e a Democracia Brasileira.
Para parte dos especialistas e advogados de investigados, como os de Lula, a mídia teve papel fundamental em outra característica crítica associada aos lavajatistas: o lawfare. Essa mistura de duas palavras em inglês (law, que significa lei, e warfare, que representa guerra ou conflito armado) é o nome dado a uma espécie de mau uso de leis e procedimentos jurídicos para perseguição política contra adversários.
A divulgação de nomes no contexto da investigação, segundo estudiosos, os submetia ao escárnio público e à presunção de culpa antes mesmo da sentença. Os membros da força-tarefa da Lava Jato refutam veementemente qualquer ilegalidade ou perseguição política.
O segundo grande campo tomado por lavajatistas foi o judicial, incluindo aqui o Poder Judiciário e o Ministério Público.
Para o jurista e cientista político Christian Lynch, o lavajatismo foi uma expressão contemporânea do judiciarismo, descrito por ele como uma doutrina liberal brasileira que coloca o Poder Judiciário como uma força que defenderá valores constitucionais e romperá com o domínio oligárquico ou autoritário fruto da colonização ibérica — cujo legado é a pouca separação entre a esfera pública e a privada.
Segundo Lynch, os lavajatistas se diferenciam do judiciarismo histórico porque surgem durante um período democrático, num alinhamento liberal e populista entre Judiciário e Ministério Público para “varrer a corrupção da política brasileira”.
O pesquisador também classifica os lavajatistas como “tenentistas de toga”, em alusão ao movimento tenentista, que lutava por melhores salários, valorização dos militares, eleições livres, liberdade de imprensa e diminuição do poder das oligarquias agrárias da República Velha (1889-1930).
Para o pesquisador, os lavajatistas achavam que, como os tenentes, iam regenerar o país. “Substitua ‘espada’ e ‘metralha’ dos tenentes por delações premiadas e sentenças condenatórias e teremos o tenentismo togado do Brasil”, disse ele à BBC News Brasil em 2018.
Ambos os movimentos fracassaram e acabaram engolidos, avalia Lynch, um pelo Estado Novo de Getulio Vargas e o outro por Bolsonaro.
A comparação entre lavajatistas e tenentistas é feita também por outros estudiosos. No artigo A guerra de todos contra todos e a Lava Jato, de 2019, um grupo de sete professores de universidades federais afirma que a principal diferença entre ambos é que o movimento tenentista “apresentava um projeto para a nação, no qual o fortalecimento do Estado e o avanço da industrialização ocupavam lugar de destaque”.
Já o lavajatismo, diz o artigo, “tornou-se um movimento que não aponta um projeto político para o país, a despeito de se comportar como um partido de classe média, pois acredita que o combate à corrupção salvaria o país de per si (isoladamente em latim)”.
Para o sociólogo Demétrio Magnoli, o programa do que ele chama de “Partido da Lava Jato” (expressão pejorativa que ganhou popularidade durante as investigações) é a criação de uma “nova democracia” protegida por uma espécie de Poder Moderador (historicamente comandado por imperadores acima dos outros três Poderes: Legislativo, Judiciário e Executivo) que seria exercido pelos altos funcionários públicos do Ministério Público que não foram eleitos pelo povo.
Parte dessa plataforma política dos lavajatistas incluiria a mudança das leis, mas a proposta de 10 Medidas Contra a Corrupção — sugestão de projetos de lei elaborada e divulgada pela força-tarefa da operação e que daria, por exemplo, mais poder aos investigadores — acabou travada no Congresso.
No fim de 2021, mais um capítulo do lavajatismo começou a tomar forma, numa espécie de concretização desse “Partido da Lava Jato”: Moro e Dallagnol anunciam que concorrerão como candidatos políticos nas eleições em 2022.
Dallagnol concorre ao cargo de deputado federal pelo Paraná, mas pode acabar inelegível pela Lei da Ficha Limpa se for condenado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Ele e outros procuradores são investigados sob suspeita de terem recebido indevidamente repasses para diárias e viagens. Dallagnol nega qualquer irregularidade.
Moro, por sua vez, tentou se candidatar à Presidência da República em 2022, mas não conseguiu apoio político dentro do próprio partido. Em seguida, pretendeu concorrer em São Paulo, mas acabou barrado pela Justiça Eleitoral porque não conseguiu comprovar domicílio eleitoral no Estado. Atualmente, Moro concorre ao cargo de senador pelo Paraná.
*Com informações adicionais de Gerardo Lissardy, da BBC News Mundo, e de Mariana Schreiber, da BBC News Brasil em Brasília
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