- Juliana Gragnani – @julianagragnani
- World Service Disinformation Team
Enquanto comemorava o aniversário de 30 anos em um bar com amigos na noite de sexta-feira (23/9), Bruno Gurgatz recebeu uma mensagem de texto esquisita.
Vinha do mesmo número que dias antes havia confirmado uma consulta médica no hospital da região, em Pontal do Paraná, 100 km de Curitiba.
“Vai dar Bolsonaro no primeiro turno! Senao, vamos a rua para protestar! Vamos invadir o congresso e o STF! Presidente Bolsonaro conta com todos nos!!”, dizia o SMS (reproduzido aqui com a mesma grafia) enviado do número 28523. A mensagem anterior era uma singela, confirmando o agendamento do atendimento de um médico especialista.
“É um número de que estou acostumado a receber mensagens porque estou fazendo algumas consultas médicas”, diz Gurgatz.
Quando recebeu a mensagem incitando a invasão ao Congresso e ao Supremo caso Jair Bolsonaro (PL) não vença as eleições presidenciais no primeiro turno, ele ficou surpreso.
“Mostrei para todos meus amigos para ver se eu não estava entendendo errado.”
Não estava: um grande número de pessoas recebeu a mesma mensagem na noite de sexta para sábado. A reportagem encontrou pessoas no Paraná, em São Paulo e no Rio Grande do Norte que receberam o texto.
Partiu da Algar Telecom, uma empresa de telecomunicações fundada em Uberlândia (MG). A empresa confirmou “a ocorrência de um acesso indevido à parte da sua base de dados, que ocasionou um disparo em massa de mensagens via SMS não autorizado pela empresa” e disse ter começado uma investigação interna para identificar causas e tomar providências técnicas e legais.
Em resposta a um processo no Tribunal Superior Eleitoral aberto pela coligação da camapanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contra os disparos em massa, no entanto, a empresa foi mais específica: os disparos foram feitos por um funcionário.
Segundo petição da empresa, um funcionário mudou a senha do administrador, criou um novo centro de custo de nome “presidente_Bolsonaro_mais_uma_vaz” e iniciou os disparos, como se fossem feitos de um centro de custo de um cliente habilitado a enviar mensagens de texto.
“O usuário (…) realizou a troca da senha do usuário Admin em 21/09/2022 às 23:09”, diz a resposta judicial da empresa. Dezoito minutos depois, criou novo centro de custo.
Dois dias depois de trocar a senha e criar um centro de custo, ele realizou três disparos. Na madrugada seguinte, fez um último disparo, à 00:41 do dia 24 de setembro.
A reportagem perguntou à Algar Telecom quantas pessoas receberam os SMS, mas não recebeu resposta.
O teor da mensagem segue um novo discurso do presidente Jair Bolsonaro (PL) – o de que ele deve ganhar as eleições no primeiro turno. E se isso não se concretizar, afirmou, é porque “algo de anormal” terá acontecido “dentro do TSE”.
As pesquisas eleitorais, no entanto, indicam vitória do ex-presidente Lula no segundo turno – e possivelmente no primeiro – contra Bolsonaro.
O presidente também já atacou diretamente o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso. Sua campanha foi procurada para comentar o disparo das mensagens em seu apoio, mas não respondeu à reportagem.
“Esse tipo de informação em massa, vinculado a resultado político, é grave, independente do partido”, diz Diego Araújo, DDD 84, do Rio Grande do Norte. Ele diz que quando recebeu o SMS, achou que fosse algum tipo de brincadeira.
No domingo, depois da repercussão nas redes sociais, uma segunda mensagem foi enviada aos usuários que receberam a primeira: “Prezado usuário(a), favor desconsiderar mensagem de conteúdo eleitoral encaminhada nos dias 23 e 24/09/2022 do número 28523.” Mas nem todos que receberam a mensagem viram a correção. Araújo só viu a nova mensagem de texto quando foi questionado pela reportagem.
O número que enviou as mensagens é o mesmo usado pela Celepar (Companhia de Tecnologia da Informação e Comunicação do Paraná), para envio de mensagens oficiais — agendamento de exames, como no caso de Bruno Gurgatz, emissão de documentos, entre outros.
A Celepar disse que jamais teve ciência, autorizou ou enviou qualquer tipo de mensagem, e que ela e o governo do Estado do Paraná foram vítimas de um crime. E repudiou “qualquer tentativa de uso político, eleitoreiro ou manifestação antidemocrática a partir de suas plataformas de serviços e trabalha ativamente para combater esse tipo de atitude”.
“Fiquei bastante indignada e assustada, achei absurdo usarem um órgão público pra disparar SMS com esse teor faltando só uma semana pras eleições. Ainda mais preocupante é incitarem um golpe assim à luz do dia sem nenhum medo das consequências”, diz Ludmila Vilaverde, de 26 anos, DDD 11. Para ela, muita gente deve se sentir amedrontada para votar, “que deve ser o objetivo da pessoa ou pessoas que fizeram o disparo”.
“Eu me questiono como localizaram meu número para mandar esse tipo de mensagem”, diz Bianca Oliveira, de 24 anos, uma das pessoas em São Paulo que receberam o SMS. “Fiquei angustiada e me senti insegura pensando na violência que está acontecendo com opositores do governo atual.”
Disparo em massa
O disparo em massa fere tanto a Lei Geral de Proteção de Dados brasileira quanto a legislação eleitoral.
No ano passado, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vedou os disparos em massa. De acordo com Acácio Miranda, especialista em direito constitucional e eleitoral, mesmo se a ação não tiver ligada à campanha de Bolsonaro, se de alguma forma for comprovado que as mensagens o beneficiaram, sua chapa pode ser impugnada. Também há a responsabilização penal individual para a pessoa e a empresa que fizeram o disparo em massa.
“Não é simples liberdade de manifestação. Você pode se expressar online ou mandar uma mensagem de WhatsApp para seus contatos defendendo um candidato. Mas o disparo em massa sai da liberdade de expressão porque fere a igualdade de condições de candidatos e beneficia uma candidatura sobre as demais”, afirma Miranda.
Para Rafael Zanatta, diretor da ONG Data Privacy Brasil, o disparo neste fim de semana “mostra um tipo de ataque de engenharia social bem feito e perigoso”.
“O atacante se vale de um número de envio muito respeitado e de uma confiança pré-estabelecida do cidadão que está acostumado a receber informações oficiais daquele número”, diz.
“É a primeira vez que acontece. Vimos problema de uso ilegal de dados envolvendo o WhatsApp nas eleições passadas, e tivemos problemas de venda de base de dados no Telegram. Esse caso inaugura uma coisa nova: conseguir desinformar e tumultuar por meio do SMS, que é algo muito poderoso. É muito utilizado e funciona em todos os celulares.”
Não é baixo o risco, avalia Zanatta, que lembra como uma série de revoltas em Maputo, no Moçambique, foram convocadas por SMS de origem desconhecida. Aconteceu em 2010.
A Data Privacy Brasil protocolou uma representação ao Ministério Público Federal denunciando o uso indevido de base de dados da Celepar.
No Brasil, segundo pesquisa Panorama Mobile Time/Opinion Box – Mensageria no Brasil de agosto deste ano, o SMS é usado principalmente para envio de notificações por empresas aos seus consumidores, mas não para conversas entre pessoas, área em que reinam aplicativos como o WhatsApp e o Telegram.
Dos entrevistados com smartphone, 48% afirmam receber mensagens de texto todo dia ou quase todo dia, enquanto apenas 6% enviam mensagens de texto com essa frequência.
Mas receber uma mensagem de texto com ameaças ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal é novidade. “Esse tipo de acontecimento só reforça o clima de insegurança nas eleições. Do medo de que possa acontecer alguma coisa, do medo que possam interferir no nosso sistema eleitoral”, diz Bruno Gurgatz, que teve a noite interrompida pelo SMS antidemocrático.
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