• Felipe Souza – @felipe_dess
  • Da BBC News Brasil em São Paulo

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Idosos sofreram ainda mais durante a pandemia

A pandemia da covid-19 levou governos em todo o mundo a adotarem medidas rígidas de restrição e isolamento social para evitar a disseminação da doença. Os idosos faziam parte do grupo de risco e passaram a ser evitados pela própria família e amigos para reduzir a chance de transmissão.

Denize Savi, especialista em ciência da felicidade e coordenadora da organização Doe Sentimentos Positivos, disse que os idosos sofreram ainda mais na pandemia porque eles não adquiriram o hábito de lidar com as novas tecnologias de comunicação como os mais jovens.

“Eles acabaram ficando isolados. Isso agravou a tristeza, aumentou muito o número de depressão e ansiedade. É preciso que a gente olhe para esse cenário com empatia, com cuidado, porque eles estão precisando de atenção, principalmente agora nesse pós-pandemia”, afirmou a especialista.

Denize diz que estudos recentes apontam que esse isolamento da população em geral pode refletir numa futura epidemia de saúde mental neste período pós-pandemia.

E para evitar que doenças psicológicas atinjam a sociedade de maneira massificada, ela diz ser necessário criar uma rede de apoio em torno das pessoas, principalmente as mais vulneráveis, como os mais velhos.

“A família precisa se reaproximar dessas pessoas. Porque o contato físico é extremamente importante, fundamental”, diz.

Outra orientação da psicóloga é evitar enviar notícias ruins para os mais velhos.

“Às vezes, por exemplo, você soube que uma pessoa do seu convívio, mais de idade, faleceu (…) [É necessário] minimizar essas questões. Realmente levar notícias boas e trazer para a roda de conversa algo que seja frutífero, que vai deixar essa pessoa feliz”, diz.

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“Eles acabaram ficando isolados. Isso agravou a tristeza, aumentou muito o número de depressão e ansiedade”, diz especialista

Mas ela também dá um puxão de orelha nos idosos que não procuram a família.

“Da mesma forma que os filhos e os netos precisam procurar os idosos para que haja esse convívio, os idosos também têm que fazer isso. Eles também têm que mandar um recadinho: ‘Poxa, vamos fazer um almoço neste fim de semana?'”, afirma a especialista.

Quando nenhuma dessas técnicas resolver, os idosos, segundo ela, devem procurar alguma ocupação por conta própria. Algo, de preferência, que tenha um impacto social por meio da solidariedade.

“Às vezes, a idosa tem um talento para tricô. Ela pode fazer blusinhas e casaquinhos para crianças de creches. O maior segredo de tudo não é saber o que tem que ser feito. É ter disciplina. Ter disciplina é o mais difícil. Isso vale para todas as idades, mas em especial para os idosos”, diz Denize.

A importância da presença

A psicóloga reforça que, segundo estudos, o contato exclusivamente telefônico ou via WhatsApp e redes sociais não é suficiente para aumentar a sensação de felicidade e bem-estar.

“É o contato físico, o afeto, principalmente o abraço e o olho no olho e o carinho, que fazem com que o ser humano floresça para uma vida com mais bem-estar. Então não adianta o familiar ligar para saber como o pai ou a mãe está se ele não fizer uma visita presencial. É extremamente importante estar junto de verdade. Muitas vezes é muito difícil porque mora em cidades distantes, mas é necessário se organizar para, pelo menos em algum momento, estar junto. Porque isso é fundamental”, afirma ela.

Esse contato físico, segundo Denize, é essencial para evitar que os idosos fiquem doentes.

“[Essa distância] pode levar a doenças como Alzheimer, Parkinson, depressão, ansiedade, esquizofrenia e tantas outras doenças mentais”, diz a psicóloga.

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Visitar os idosos é benéfico para a saúde deles

A especialista em ciência da felicidade diz que uma pesquisa desenvolvida pela Universidade de Harvard, que já dura mais de 80 anos, revelou que as pessoas que chegam na terceira idade com uma rede social pequena, com poucos amigos, têm uma tendência muito maior à depressão.

“A solidão, cientificamente falando, nos deixa infelizes. Então, a gente precisa olhar para as nossas amizades como algo extremamente importante para o nosso bem estar. Desde cedo, a gente já precisa cultivar essas relações porque essa pesquisa mostra que uma vida feliz é uma vida compartilhada”, diz.

“Essa pesquisa inclusive mostra que as pessoas que têm mais ligações sociais, além de serem mais felizes, são mais saudáveis. Elas vivem mais. A gente percebe que entre as pessoas na terceira idade, sem amigos, a tendência é elas adoecerem e virem a óbito antes”, afirmou a especialista.

A psicóloga afirmou ainda que é importante que as pessoas ao redor desses idosos levem carinho e afeto para eles. Ela ressalta que também são necessárias políticas públicas para que os idosos que vivem sozinhos tenham espaços para interagir entre si.

“O acolhimento é fundamental porque as pessoas deixam de sentir esse isolamento, essa solidão, e passam a sentir-se importantes. Então perceba que o contato físico, o encontro, promove isso.”

Notícias negativas

Além de ser insuficiente para evitar quadros de doenças mentais, mandar mensagens a idosos por meio de aplicativos pode causar ainda mais ansiedade neles.

“O que a gente vê hoje é muita notícia negativa. Isso vai nos deixando cada vez mais preocupados, ansiosos e introspectivos. Precisamos promover o contrário. Falar de coisas que vão impulsionar esse reencontro entre as pessoas. Essa esperança de que as coisas estão mudando. O que acontece é que o ser humano tem uma tendência natural ao negativo.”

“O pesquisador americano Rick Hanson diz que o cérebro humano é teflon para o positivo e velcro para o negativo. E o que acontece quando a gente vê uma notícia ruim? Aquela notícia não fica na nossa mente apenas nos segundos que nós vemos na televisão ou no jornal. Ela reverbera durante todo o dia. E se a gente passa uma hora tendo só notícia ruim ou ao longo do dia, tendo contato com muitas notícias, a nossa visão de mundo vai ser totalmente negativa, o que vai nos deixando cada vez menos confiantes pela vida.”

Denize Savi afirma que devemos sim nos manter informados, mas que também é necessário se policiar para não se expor tanto a essa “tendência natural ao negativo”.

Políticas públicas

Entre as iniciativas, a psicóloga diz ser crucial a construção de espaços de convivência para os idosos. Ela defende que esses locais sirvam não só de pontos de encontro, mas que também ofereçam cursos profissionalizantes, aulas de dança e esportes.

“Isso precisa ser retomado, porque teve uma pausa na pandemia e agora sim é um momento de chamado dessas pessoas. Muitos têm medo de sair porque a pandemia nos deixou muito inseguros. Isso é fundamental para que elas voltem a ter esse brilho pela vida”, afirma.

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“Quando a gente compartilha os nossos problemas, eles ficam menores”, diz Denize Savi

Depois da pandemia, a psicóloga diz que o combate à solidão tem sido um dos maiores desafios da psicologia.

A importância da amizade

A psicóloga ressalta que cultivar amizades desde a infância é essencial para ter uma vida adulta mais feliz.

“É a partir dessa convivência com outras crianças que ela vai aprender empatia, desenvolver a criatividade, o senso de responsabilidade e que ela vai saber o que é compartilhar, dividir, aprender e negociar”, diz a psicóloga.

Ela afirma ainda que a amizade colabora na adolescência com a construção da identidade e que nesse momento você começa a encontrar os maiores amigos. Essas companhias, segundo ela, são o alicerce da vida adulta na resolução de problemas.

“Quando a gente compartilha os nossos problemas, eles ficam menores. Quando a gente é acolhido por um amigo, a gente ganha forças para encarar o dia a dia e os desafios. Muitas vezes você não se dá bem com as pessoas da sua família, mas você se dá bem com os seus amigos. Essa é a família que a gente escolhe, como diz o ditado popular.”

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