• Dalia Ventura
  • BBC News Mundo

Crédito, Getty Images

Era uma vez um caçador, um contador de histórias e um número sinistro. Mais precisamente, trata-se de um número primo — ou seja, que é divisível somente por 1 e por ele mesmo.

Mas antes de contarmos melhor essa história, vamos relembrar um pouco o histórico dos números primos, que serão o personagem principal.

Os números primos são motivo de fascinação desde os primórdios da civilização. Ou pelo menos há cerca de 3.570 anos, quando o escriba egípcio Ahmes, durante o reinado do faraó Apófis 1°, criou o papiro matemático Rhind e registrou, de forma diferente, as frações cujos denominadores eram números primos.

Os matemáticos já dedicaram milhões de horas de estudo aos números primos. Além de serem belos, sedutores e muito úteis, eles também são exasperantes. São partículas da teoria dos números que não têm um padrão evidente — quanto mais números primos são encontrados, mais erráticos eles parecem ser.

E nem sequer o imenso poder dos computadores é de grande ajuda.

Mas, neste longo e tortuoso caminho para revelar os mistérios dos números primos, às vezes surgem curiosidades que acabam deleitando o público em geral. São como fatias deliciosas de conhecimento que nos relembram quão genial é o mundo dos números.

Por isso, de vez em quando, os matemáticos nos brindam com estas “delícias”, enriquecendo a cultura popular.

Crédito, © The Trustees of the British Museum

Legenda da foto,

O papiro de Ahmes é o documento mais extenso e conhecido que lança luz sobre a abordagem matemática dos antigos egípcios

Os fãs da série The Big Bang Theory talvez se lembrem de Sheldon Cooper dizendo que “o melhor número é 73. Por quê? Porque 73 é o 21° número primo”.

E Sheldon prossegue:

“O reverso de 73 (37) é o 12° número primo.”

“O reverso de 12 (21) é o produto da multiplicação de 7 x 3.”

“Em binário, 73 é um palíndromo, 1001001, que, de trás pra frente, é 1001001.”

Sheldon provavelmente também gostaria do número tema desta reportagem. Afinal, além de ser primo, ele tem essa mesma simetria poética dos palíndromos (é igual quando lido da esquerda para a direita ou no sentido inverso).

No entanto, ele é mais “diabólico”.

O caçador

O número foi encontrado por um “caçador de primos” — que é como se chamam as pessoas dedicadas a procurar esses números, que são muito difíceis de encontrar.

Trata-se do engenheiro elétrico e matemático americano Harvey Dubner (1928-2019), conhecido pelas suas colaborações para a busca de grandes números primos.

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Legenda da foto,

Harvey Dubner estava a ponto de se encontrar com um demônio: Belfegor

Dubner estava rastreando um conjunto de números primos, partindo de 16.661 e acrescentando zeros dos dois lados, entre os algarismos 1 e 6.

Em outras palavras, ele começou com 16.661 (que é primo) e verificou se 1.066.601 também é primo. E não é.

E seguiu fazendo o mesmo com 100666001, 10006660001 e assim por diante, sempre acrescentando zeros antes e depois da série de algarismos 6. Ele não estava achando nenhum número primo, mas não se deu por vencido.

Dubner continuou tentando sem sucesso, até chegar ao número 1000000000000066600000000000001 e… eureka! Ele encontrou o primeiro número primo com essas características.

O matemático prosseguiu em sua árdua tarefa e concluiu que, além do número acima, com 13 zeros de cada lado, também eram primos os números com 42, 506, 608, 2.472 e 2.623 zeros agregados ao número primo inicial.

Mas…

Acontece que outro matemático, Cliff Pickover — o nosso contador de histórias — percebeu que este primeiro número tinha algumas características “diabólicas”.

Desde o princípio, o experimento de Dubner estava concentrado no 666 — o número da besta, segundo o Apocalipse, o último livro do Novo Testamento e da Bíblia cristã:

“Aqui está a sabedoria. Aquele que tem entendimento, calcule o número da besta, pois é número de homem. Ora, esse número é seiscentos e sessenta e seis”, diz o capítulo 13 e versículo 18 do Apocalipse.

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Os pássaros que inspiraram o número primo de Belfegor no manuscrito Voynich

Ele também observou que o número da besta neste primeiro número primo “estava rodeado por 13 zeros de cada lado, número supersticiosamente considerado, por muito tempo, de má sorte na cultura ocidental”, declarou Pickover à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC.

E tem mais. O número tem “ao todo, 31 dígitos, ou seja, 13 ao contrário”.

O matemático então decidiu dar ao número 1.000.000.000.000.066.600.000.000.000.001 o nome de “primo de Belfegor”.

Belfegor é um dos sete príncipes do inferno, o demônio do pecado capital da preguiça, mas também, curiosamente, dos excrementos. Por isso, ele é elegantemente retratado em um vaso sanitário na ilustração gravada em madeira incluída no Dicionário Infernal, publicado em 1818 e 1863 pelo escritor francês Jacques Auguste Simon Collin de Plancy (1794-1881).

Na Antiguidade, Belfegor não chamou muita atenção, mas sua função foi mudando, e ele chegou a ser encarregado de tentar os mortais com o dom da descoberta e da invenção — o que não parece nada nefasto, enfim…

O número primo de Belfegor tem também seu símbolo: é um π (pi) ao contrário, derivado de um pictograma de pássaro que aparece no manuscrito Voynich, do século 15, que nunca foi decifrado.

Por quê?

Pickover é autor de 50 livros sobre temas que variam de matemática e medicina até a vida após a morte e inteligência artificial.

Seu objetivo declarado é “expor a uma audiência ampla as maravilhas da ciência e da matemática”. Para isso, ele utiliza conceitos lúdicos, mas complexos, como “números de vampiros” e “hipercubos mágicos”.

“Francis Bacon [o artista, 1909-1992] disse certa vez: ‘O trabalho do artista é sempre aprofundar o mistério’. Uso este enfoque em grande parte da minha produção científica”, declarou ele à BBC News Mundo.

“Descobri que dar nomes a certos números ou conceitos matemáticos ajuda a estimular o interesse nas pessoas de todas as idades.”

“O nome ajuda a concentrar a atenção e a discussão, rejuvenescendo o interesse dos estudantes pela matemática.”

“A matemática é o martelo que quebra o gelo do nosso inconsciente”, conclui Pickover.

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