- Olesya Gerasimenko e Liza Fokht
- BBC News Rússia
Para muitos russos, a decisão do governo de convocar 300 mil reservistas militares para lutar na Ucrânia foi um choque.
Nas grandes cidades, a guerra da Rússia contra o país vizinho sempre pareceu algo muito distante. Mas assim que o discurso mais recente do presidente Vladimir Putin terminou, ele atingiu a casa de muitas pessoas. Ser enviado para o combate estava mais perto do que qualquer um poderia imaginar.
De uma hora para outra, os bate-papos e as trocas de mensagens explodiram com discussões ansiosas sobre o que aconteceria a seguir. Foram feitos planos sobre como evitar ser enviado para a linha de frente.
“Era como um filme de ficção científica dos anos 1980. Um pouco assustador, para ser honesto com você”, diz Dmitry, de 28 anos, que trabalha em um escritório na cidade de São Petersburgo. Os funcionários não conseguiam começar o dia de trabalho, grudados no discurso nas telas da TV, do computador e do celular.
Ele pediu licença do escritório depois do almoço e foi trocar rublos por dólares em um banco próximo.
Dmitry mudou de casa depois de receber uma visita da polícia por participar de uma manifestação antiguerra — ele acredita que seria mais difícil para as autoridades encontrá-lo no novo local.
“Não tenho certeza do que fazer a seguir: entrar no próximo avião para o exterior ou ficar na Rússia um pouco mais e ser perseguido pela polícia em alguns comícios antiguerra.”
Sergei — nome fictício — já foi convocado.
Estudante de doutorado de 26 anos e professor de uma importante universidade russa, ele esperava uma entrega de comida na noite anterior ao discurso de Putin quando a campainha tocou. Em vez disso, ele se deparou com dois homens à paisana que lhe entregaram documentos militares e pediram que ele assinasse.
A BBC tem uma cópia desses documentos, que requisitam a presença de Sergei num centro de recrutamento na quinta-feira (22/9).
O governo russo disse que apenas pessoas que fizeram o serviço militar e tenham habilidades especiais ou experiência em combate serão convocadas.
Mas Sergei não se encaixa nessa descrição e seu padrasto está preocupado, pois evitar o recrutamento é uma ofensa criminal na Rússia.
O padrasto trabalha em uma empresa estatal de petróleo e, horas depois, foi solicitado a fornecer uma lista de funcionários que estavam isentos legalmente do serviço militar.
A maioria dos homens russos tem procurado maneiras de evitar a convocação.
Em Moscou, Vyacheslav diz que ele e os amigos começaram a procurar justificativas médicas para escapar da seleção militar.
“Saúde mental ou tratamento para dependência de drogas parecem opções boas, baratas ou talvez até gratuitas”, disse ele.
“Se você estiver bêbado e for preso enquanto dirige, espera-se que sua licença de motorista seja retirada e você tenha que passar por tratamento. Não dá pra ter certeza, mas espero que isso seja suficiente para evitar ser levado [para o exército].”
O cunhado de Vyacheslav evitou por pouco o alistamento porque não estava em casa quando as autoridades chegaram. A mãe dele viu os documentos, que exigiam que ele se apresentasse para o serviço entre 19 e 23 de setembro.
“Ele se trancou em um quarto e se recusa a sair”, conta Vyacheslav.
“Ele tem dois filhos pequenos, de um e três anos. O que ele pode fazer?”, questiona.
Outro homem, de Kaliningrado, disse à BBC que faria qualquer coisa para não servir na guerra: “Vou quebrar meu braço, minha perna, vou para a prisão, ou qualquer coisa para evitar a convocação.”
Milhares de russos participaram de protestos contra a guerra em cidades de todo o país na noite de quarta-feira (21/9). Muitos disseram que receberam papéis de convocação na rua mesmo ou mais tarde, quando foram detidos pela polícia.
A organização de direitos humanos OVD-Info listou até dez delegacias de polícia em Moscou onde os manifestantes receberam documentos convocatórios. Pelo menos um homem no distrito de Vernadsky, em Moscou, recusou-se a assinar e foi ameaçado com um processo criminal.
Uma mulher disse ao site independente Mediazona que o marido dela foi detido em um protesto contra a guerra em Arbat, no centro de Moscou. Ele foi levado para uma delegacia de polícia, onde recebeu papéis de convocação e assinou-os enquanto estava sendo filmado. Ele foi orientado a comparecer num posto militar na quinta-feira (22/9).
Mikhail, de 25 anos, deixou a Rússia e foi para a vizinha Geórgia no início da guerra. Ele só retornou à pequena cidade natal onde morava nos Urais por alguns dias. Ele planejava voltar, mas agora está preocupado com a ameaça do uso de armas nucleares sugerida pelo presidente Putin e ficará na Rússia, perto da família.
“Estamos em estado de pânico. Na minha cidade, muitos já estão com papéis de convocação, mas eu não estou registrado para morar aqui, então não vou recebê-los”, acredita.
Recentemente, ele conseguiu um bom emprego em Tbilisi, mas agora considera a oportunidade inútil por causa da escalada militar de Vladimir Putin.
“Em 21 de setembro, ele conseguiu destruir até mesmo a bagunça que fez em 24 de fevereiro [o início da invasão]”, compara Mikhail.
“Eu parei de me importar completamente. Só vivo para o hoje.”
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