Crédito, Reuters

Legenda da foto,

Para partidos de oposição, Bolsonaro usou máquina pública para fazer campanha nas comemorações do 7 de setembro

A decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de manter a proibição à campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL) de usar as imagens das comemorações do 7 de setembro, na terça-feira (13/09), mantém a expectativa sobre as acusações recebidas pela Corte de possível abuso do poder político e econômico durante os eventos do bicentenário da independência.

O TSE ainda vai avaliar, a partir de ações protocoladas por partidos de oposição, se “as condutas praticadas foram suficientemente graves para ensejar a cassação do registro ou do diploma e a declaração de inelegibilidade dos políticos e demais envolvidos”, como explicou na terça-feira o ministro do tribunal e corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Benedito Gonçalves.

É improvável, no entanto, que essa “decisão final” ocorra antes das eleições, segundo fontes ouvidas pela BBC News Brasil.

As ações dos partidos de oposição, como PT, do candidato Luiz Inácio Lula da Silva, o União Brasil, de Soraya Thronicke, e o PDT, de Ciro Gomes, acusam Bolsonaro e Braga Netto, de abuso político e econômico e uso indevido dos meios de comunicação, uma vez que a fala do presidente foi transmitida ao vivo e na íntegra para todo o país pela TV Brasil.

A alegação principal desses partidos é que Bolsonaro fez uso da máquina pública para impulsionar atos de campanha. O evento custou mais de R$ 3 milhões.

Eles pediram a declaração de inelegibilidade (ou seja, quando o candidato não possui direito de ser votado) e a cassação dos registros de candidatura ou dos diplomas dos envolvidos.

Não há consenso entre juristas se Bolsonaro de fato cometeu ilegalidades, embora argumentem que o presidente fez uso político e eleitoral do evento.

Mas para um ex-ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que atuou como corregedor-geral eleitoral e falou à BBC News Brasil na semana passada sob condição de anonimato, houve “flagrante configuração de abuso de poder político e econômico”.

Os abusos de poder político e econômico são condutas ilegais praticadas nas campanhas eleitorais e podem resultar — se comprovadas — na inelegibilidade do candidato por oito anos, entre outras punições.

Segundo o professor de direito Guilherme Amorim Campos da Silva, especializado em Direito Constitucional, “o TSE sempre vai agir mediante ‘provocação’. Por isso, tudo vai depender do que pede a ação”, reforça ele à BBC News Brasil.

Crédito, EPA

Legenda da foto,

Partidos de oposição acusaram Bolsonaro de abuso político e econômico e uso indevido dos meios de comunicação, uma vez que a fala do presidente foi transmitida ao vivo e na íntegra para todo o país pela TV Brasil

A cronologia das ações do TSE

Na sexta-feira (9/9), atendendo ao pedido do PDT, Benedito Gonçalves, ministro do TSE e empossado como corregedor-geral da Corte na semana passada, abriu uma investigação eleitoral contra a chapa Bolsonaro-Braga Netto pela “suposta prática de abuso de poder político e econômico”.

No sábado (10/9), o magistrado proibiu Bolsonaro e seu candidato a vice, Braga Netto, de usar nas propagandas eleitorais, em todos os meios, as imagens registradas durante os eventos oficiais no feriado de 7 de setembro.

Ele estabeleceu um prazo de 24 horas para que a campanha do presidente deixasse de veicular propagandas que contenham esses vídeos, além de multa diária de R$ 10 mil para o descumprimento da decisão. Também deu cinco dias para a chapa de Bolsonaro apresentar defesa junto ao colegiado.

E no domingo (11/9), o ministro do TSE voltou a decidir pela retirada do ar de propagandas de Bolsonaro que usem imagens gravadas durante os atos de 7 de setembro. Na ocasião, Gonçalves atendeu ao pedido feito por Soraya Thronicke, candidata do União Brasil à Presidência.

Nesta terça-feira (13/9), o Plenário do TSE referendou as liminares parcialmente deferidas por Gonçalves.

“O uso de imagens da celebração oficial na propaganda eleitoral é tendente a ferir a isonomia, pois explora a atuação do chefe de Estado, em ocasião inacessível a qualquer dos demais competidores, para projetar a imagem do candidato e fazer crer que a presença de milhares de pessoas na Esplanada dos Ministérios, com a finalidade de comemorar a data cívica, seria fruto de mobilização eleitoral em apoio ao candidato à reeleição”, assinalou Gonçalves.

O ministro esclareceu, no entanto, que “esse exame preliminar não pode ser confundido com o julgamento de mérito, nem antecipa a conclusão final”, momento em que será avaliado “se as condutas praticadas foram suficientemente graves para ensejar a cassação do registro ou do diploma e a declaração de inelegibilidade dos políticos e demais envolvidos”.

Ou seja, o futuro de Bolsonaro e de sua chapa está em aberto.

Crédito, TSE

Legenda da foto,

Nesta terça-feira (13/9), o Plenário do TSE referendou as liminares parcialmente deferidas pelo ministro Benedito Gonçalves, corregedor-geral da corte

A Ação de Investigação Judicial Eleitoral é um procedimento jurídico que tem por finalidade “impedir e apurar a prática de atos que possam afetar a igualdade de candidaturas em uma eleição, nos casos de abusos de poder econômico, de poder político ou de autoridade e a utilização indevida dos meios de comunicação social”, segundo o TSE.

A ação pode punir com a declaração de inelegibilidade as pessoas que tenham contribuído para a prática da conduta.

Nesse caso, se condenado, Bolsonaro não poderia concorrer ou teria sua chapa cassada (se a decisão ocorresse após uma vitória na eleição), podendo se tornar inelegível por oito anos (leia mais abaixo).

Mas isso é pouco provável de acontecer, assinala outro ex-ministro do TSE ouvido também sob condição de anonimato.

Ele diz acreditar que houve elementos suficientes para a abertura de uma investigação contra Bolsonaro — “até para que o presidente seja ouvido e, neste sentido, demonstrar que não cometeu nenhuma ilegalidade”, mas assinala ser “improvável” que uma decisão final seja tomada antes do pleito.

“Não há espaço para isso. Imagine se o TSE vai querer barrar a candidatura de Bolsonaro. Isso significa comprar briga com mais de 30% da população brasileira que, segundo as pesquisas de opinião, querem reeleger o atual presidente”, diz.

O ex-ministro lembra ainda que a tramitação é lenta — um exemplo, segundo o ex-ministro, foi a absolvição da chapa formada por Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), por quatro votos a três em 2017, três anos depois de o PSDB ter apresentado a ação, em 2014.

Crédito, EPA

Legenda da foto,

Lei eleitoral veda o uso de bens, recursos e espaços da administração pública para a promoção de candidatos, ou seja, é quando um agente público se vale da sua função para beneficiar eleitoralmente a si mesmo ou outro candidato

O que diz a legislação eleitoral

A lei eleitoral veda o uso de bens, recursos e espaços da administração pública para a promoção de candidatos, ou seja, é quando um agente público se vale da sua função para beneficiar eleitoralmente a si mesmo ou outro candidato.

No entanto, o que configura o uso da máquina pública é algo delicado de se definir, porque a linha divisória entre o que o presidente faz como chefe de Estado e o que faz como candidato é muito tênue, como explicaram juristas à BBC News Brasil em entrevistas recentes.

Por exemplo, se o presidente viaja para um ato de campanha no avião presidencial, isso precisa ser contabilizado e reembolsado por sua campanha.

Mas em uma situação como os atos em 7 de setembro, as coisas ficam mais nebulosas.

Para Alberto Rollo, advogado especializado em direito eleitoral, Bolsonaro “ficou no limite (do permitido pela legislação eleitoral), foi muito bem orientado”.

Em entrevista recente à BBC News Brasil, ele destacou que a legislação veta o uso de recursos e bens públicos para campanha — mas estando em Brasília, sem ter usado recursos para viajar, e em um local diferente do local onde ele compareceu como chefe de Estado, Bolsonaro não cometeu crime, em sua avaliação.

“Em um desfile cívico, público, não pode ter campanha eleitoral e ele não poderia fazer pedido de votos”, explica Rollo.

Essa visão, no entanto, não é compartilhada por todos os juristas. Alguns dizem que Bolsonaro cometeu crime ao se apropriar de recursos públicos — o evento custou cerca de R$ 3,8 milhões ao Erário — para fazer campanha.

Entenda

Candidato à reeleição, Bolsonaro falou ao público em um trio elétrico em uma manifestação organizada por seus apoiadores na Esplanada dos Ministérios. Antes disso, havia assistido ao desfile militar em outra parte da Esplanada.

Após o desfile militar, Bolsonaro tirou a faixa presidencial, subiu no trio e pediu para seus apoiadores irem votar, criticou seus adversários e falou especificamente sobre o dia da eleição (2 de outubro).

“Agora é a hora da vontade do povo se fazer presente no próximo dia 2 de outubro. Vamos todos votar. Vamos convencer aqueles que pensam diferente de nós”, disse o presidente.

“Pode ter certeza que é obrigação de todos jogarem dentro das linhas da nossa Constituição. Com uma reeleição nós traremos pra dentro dessas linhas todos aqueles que ousam ficar fora dela.”

Crédito, Reuters

Legenda da foto,

TSE proibiu campanha do presidente de usar propagandas eleitorais com imagens do 7 de setembro

Abuso de poder

Entre as condutas ilícitas praticadas nas campanhas eleitorais e que podem levar à inelegibilidade do candidato por oito anos, estão o abuso do poder econômico e abuso do poder político, conforme a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135/2010), que alguns juristas acreditam que Bolsonaro tenha cometido nos atos de quarta-feira.

Segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), “o abuso de poder econômico em matéria eleitoral se refere à utilização excessiva, antes ou durante a campanha eleitoral, de recursos materiais ou humanos que representem valor econômico, buscando beneficiar candidato, partido ou coligação, afetando assim a normalidade e a legitimidade das eleições”.

Já o abuso de poder político “ocorre nas situações em que o detentor do poder, […] vale-se de sua posição para agir de modo a influenciar o eleitor, em detrimento da liberdade de voto. Caracteriza-se dessa forma, como ato de autoridade exercido em detrimento do voto”.

Como funciona o trâmite

Uma decisão final cabe ao plenário do TSE, como explica à BBC News Brasil Sandra Cureau, vice-procuradora-geral eleitoral aposentada.

Antes disso, a PGE (Procuradoria-Geral Eleitoral) deverá se posicionar sobre o assunto. No entanto, isso deve ser feito dentro de um prazo, acrescenta Cureau.

Há duas hipóteses:

1) Se o TSE julgar a ação procedente e considerar Bolsonaro inelegível antes das eleições, possibilidade considera remota, ele não poderia concorrer. Nesse caso, o PL, o partido do presidente, poderia substituí-lo por outro candidato, mas “provavelmente não haveria tempo hábil para que sua fotografia fosse trocada na urna eletrônica”, diz Cureau. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz. Barrado pela Lei da Ficha Limpa, ele desistiu da disputa em 2010 e foi substituído por sua mulher, Weslian. Na ocasião, contudo, o TSE afirmou que era “tecnicamente inviável” a troca de fotografia na urna eletrônica.

2) Se Bolsonaro for eleito e o tribunal julgar que ele cometeu crime eleitoral, sua chapa seria cassada.

Cureau ressalva, no entanto, que no caso de uma decisão desfavorável a Bolsonaro, a equipe jurídica do presidente ainda poderia recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal), uma instância jurídica superior.

Em sua opinião, o presidente fez propaganda usando recursos públicos.

“Bolsonaro estava participando de um ato público, em homenagem ao Dia da Independência do Brasil, a data mais importante, e, como candidato, o melhor que ele poderia ter feito até se comportar como um chefe de Estado, ou seja, ou não falar nada ou apenas falar da independência do Brasil. E ele fez propaganda para si”, conclui.

Outro lado

A BBC News Brasil pediu comentários à equipe jurídica de Bolsonaro sobre as ações protocoladas pelos partidos. Karina Kufa, advogada do presidente, afirmou se tratar de “dois eventos distintos” (comemoração do bicentenário e ato de campanha). Ela direcionou a reportagem ao seu Twitter, no qual escreveu sobre o caso.

“No 7 de setembro tiveram dois eventos, o desfile, que é um ato de governo, no qual o presidente @jairbolsonaro não fez manifestações públicas e apenas desfilou na qualidade de presidente, e outro ato, de iniciativa privada, com a instalação de um trio elétrico sem recursos públicos, onde o presidente poderia se manifestar livremente, inclusive com discursos acalorados de campanha. Estava lá e vi que pessoas decidirem ir para casa, após o final do desfile, ou seguirem em direção ao trio. Foram dois atos distintos”.

“O candidato à reeleição deve separar os momentos, mas não deixar de fazer campanha. Deve apenas avaliar se aquele evento que se encontra é público ou não. No trio o evento era particular, portanto, totalmente permitido se manifestar”.

“Imagine se após uma reunião governamental o presidente não pudesse participar de um ato político num local próximo? Estaríamos vedando a campanha eleitoral de candidatos à reeleição.”

Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!