- André Bernardo
- Do Rio de Janeiro para a BBC News Brasil
Quando soube que John Lennon (1940-1980) e Yoko Ono, recém-casados em Gibraltar, estavam curtindo lua de mel em Paris, o fotógrafo Luiz Garrido, então com 24 anos, montou “acampamento” em frente ao luxuoso Plaza Athenée. Em março de 1969, o carioca que trocou a faculdade de Economia por um curso técnico de Fotografia ganhava a vida como “freelancer” para jornais e revistas, como Cruzeiro, Manchete e Jornal do Brasil.
À frente do hotel, o máximo que ele conseguiu registrar foi a ida de John e Yoko a um restaurante francês em companhia de outro casal famoso, o pintor espanhol Salvador Dalí (1904-1989) e sua mulher, Gala (1894-1982). Em casa ou na rua, Yoko fazia questão de preparar, ela própria, a refeição macrobiótica do casal.
Depois de três longos e friorentos dias, Garrido resolveu arriscar. Desenhou um buquê de flores em um pedaço de papel e pediu a um dos rapazes da recepção para entregá-lo ao beatle. “Se não quiserem fazer as fotos, fiquem com as flores”, dizia o bilhete. Dali a pouco, o funcionário voltou. Para a surpresa de Garrido e do repórter Carlos Freire, Lennon tinha liberado a subida deles até a suíte do casal.
“Uma das regras básicas do fotojornalismo é: fotógrafo não pode ficar amiguinho de fotografado. Pedir para fazer selfie, então, nem pensar! Eu estava ali como fotógrafo e não como tiete. Até porque eu até curtia os Beatles, mas gostava mesmo era de jazz”, explica Garrido, hoje com 77 anos.
Terminada a sessão, Lennon perguntou a Garrido: “Vocês vão para Amsterdã?”. Não, não iam, mesmo porque não sabiam do que se tratava. Mas, depois que descobriram que John e Yoko pretendiam fazer um protesto diferente contra a guerra do Vietnã, mudaram de ideia. De pijama branco e refestelados na cama, John e Yoko receberam, entre os dias 23 e 29 de março, repórteres, fotógrafos e cinegrafistas na suíte 902 do Hotel Hilton para uma coletiva de imprensa com ares de protesto pacifista. Pelas paredes, cartazes escritos à mão: “Remember Love” e “Bed Peace”, entre outros. O ato político ganhou o nome de Bed-In for Peace (“Na Cama pela Paz”, em livre tradução).
“Em vez de uma lua de mel tradicional, John e Yoko resolveram fazer uma campanha pela paz. Foi um projeto inicialmente taxado de utópico e ingênuo. Mas, John, com sua ‘visibilidade beatle’, e Yoko, com sua ‘vanguardice polêmica’, abriram as portas da suíte para qualquer jornalista com um gravador, uma folha de papel ou uma máquina fotográfica. O importante era disseminar sua mensagem pacifista. Logo, todos perceberam que não eram os dois fazendo sexo na cama e, sim, falando de paz. Teve repercussão mundial”, observa o escritor e pesquisador Ricardo Pugialli, autor de Os Anos da Beatlemania (1992), Beatlemania (2008) e The Beatles 1970-1980 (2019).
O Bed-In for Peace durou seis dias, mas Garrido e Freire cobriram apenas um. “Todo mundo com flash de última geração. E eu com uma maquininha de merda”, recorda o fotógrafo. “Mesmo assim, guardo aquela Nikon F até hoje”. O Bed-In for Peace inspirou uma canção dos The Beatles, The Ballad of John and Yoko, creditada à dupla Lennon & McCartney, gravada em 14 de abril e lançada em 30 de maio, e um documentário, Bed Peace, de 2012.
Em maio de 1969, John e Yoko tentaram fazer uma segunda edição em Nova Iorque. Não conseguiram. “O visto do Lennon foi negado por causa da posse de haxixe em 1968”, explica Pugialli. No dia 26 de maio de 1969, embarcaram para o Canadá, onde repetiram seu ato político na suíte 1742 do Hotel Rainha Elizabeth, em Montreal. Lá, John e Yoko, cercados de anônimos e famosos, como o ativista Timothy Leary (1920-1996), interpretaram Give Peace a Chance. “All we are saying is: give peace a chance!”, repetia o refrão.
Ao fim da edição holandesa do Bed-In for Peace, quando todos os jornalistas se preparavam para ir embora, Yoko virou-se para os brasileiros e avisou: “Vocês podem ficar!”, e serviu chá para os dois. De Amsterdã, John, Yoko e sua trupe, agora reforçada com as presenças de Garrido e Freire, seguiram para Londres. Algumas fotos foram tiradas no escritório do cantor; outras em um estúdio de gravação, o Trident, um dos mais modernos da época com oito canais. Por lá, passaram, entre outros artistas, David Bowie (1947-2016), Queen e Supertramp.
Foi em Londres, aliás, que Garrido passou mais tempo ao lado de John e Yoko: dez dias. Em Paris e em Amsterdã, foram apenas dois, um em cada cidade. Na capital inglesa, Garrido chegava às oito da manhã e ia embora às oito da noite. Entre outros registros, capturou John Lennon tocando Give Peace a Chance ao piano, assistindo a uma entrevista sua na TV britânica e recebendo a visita do baterista Ringo Starr.
Íntimo e pessoal
Ao todo, Garrido calcula ter tirado entre 380 e 400 fotos. As coloridas foram vendidas para a Manchete — a revista, a propósito, gostou tanto do material que resolveu contratá-lo. As fotos em preto e branco ficaram guardadas até agora. “Em 1998, quando a Yoko Ono veio ao Brasil, enviei uma foto por fax. Ela lembrou da reportagem e quis comprar o material. Mas, na época, achei que não valia a pena”, explica Garrido. “Hoje em dia, eu até venderia os negativos, mas, só se fosse para alguma instituição cultural”.
Vinte e sete das fotos serão usadas numa exposição no Rio, John Lennon e Yoko Ono — Honeymoon for Peace, na Galeria Samba Arte Contemporânea, no Fashion Mall. A mostra começa na quarta-feira (14/09), e vai até o dia 25 de setembro. No sábado, dia 17, Garrido bate um papo com o público, às cinco da tarde. Todas as 27 fotos, sem edição e em preto e branco, são inéditas. Ainda este ano, o fotógrafo pretende lançar, em parceria com o escritor Sérgio Farias, autor de John Lennon — Vida e Obra (2011), um livro sobre as sessões de Paris, Amsterdã e Londres.
“Como fã dos Beatles há quase 50 anos, nunca tinha visto fotos tão íntimas do John Lennon. Além disso, elas revelam o começo de sua carreira solo”, contextualiza Farias. “Até então, John e Yoko tinham lançado, no final de 1968, o álbum Two Virgins, que ganhou notoriedade mais pelo nu frontal na capa do que pelo seu conteúdo experimental. Em junho de 1969, os Beatles ainda existiam e estavam prestes a gravar Abbey Road, mas John e Yoko já trabalhavam intensamente em seus projetos. Por volta de setembro, mais por razões empresariais do que artísticas, foram aqueles projetos que serviram de base ao John para querer largar os Beatles e seguir carreira solo”.
Entre astros e estrelas
John Lennon não foi a única celebridade clicada por Luiz Garrido. Entre 1968, quando chegou a Paris, e 1971, ano de sua volta ao Brasil, fotografou, entre outros, o cineasta Alfred Hitchcock (1899-1980), a cantora Maria Callas (1923-1977), a atriz Marlene Dietrich (1901-1992) e o ator Alain Delon. No Brasil, alguns de seus retratos ficaram famosos, como aqueles que eternizaram o olhar tristonho do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho (1945-1997), a panela na cabeça do cartunista Ziraldo, o chapéu panamá escondendo o rosto do maestro Tom Jobim (1927-1994), os olhos arregalados da atriz Maitê Proença, as baforadas de charuto do ex-presidente Lula…
Vinte e cinco deles, aliás, foram reunidos no livro Retratos — Técnicas, Composição e Direção, lançado em 2011. “Lá fora, o entrevistado marca às quatro da tarde e a entrevista começa no horário. Aqui, começa às cinco, seis horas…”, lamenta o fotógrafo que, ao longo da carreira, colaborou para revistas nacionais e internacionais, como Vogue, Elle, Interview, Playboy e GQ, entre outras. “Graças a Deus, nunca passei por nenhuma situação constrangedora ou embaraçosa. Já aconteceu do fotografado virar para mim e dizer: ‘Ah, eu só tenho cinco minutos!’. Nessas horas, respondo: ‘Olha, em cinco minutos, não consigo fazer um bom trabalho. Prefiro, então, nem fazer’. Em geral, o sujeito volta atrás e a sessão acaba rendendo. O fotógrafo precisa aprender a valorizar seu trabalho”, ensina Garrido.
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