- Letícia Mori
- Da BBC News Brasil em São Paulo
Com discurso para apoiadores em Brasília neste 7 de setembro, o presidente Jair Bolsonaro (PL) fez uso político e eleitoral do Bicentenário da Independência, mas não necessariamente cometeu crime eleitoral, avaliam juristas.
Candidato à reeleição, Bolsonaro falou ao público em um trio elétrico em uma manifestação organizada por seus apoiadores na Esplanada dos Ministérios. Antes disso, havia assistido ao desfile militar em outra parte da Esplanada.
Após o desfile militar, Bolsonaro tirou a faixa presidencial, subiu no trio e pediu para seus apoiadores irem votar, criticou seus adversários e falou especificamente sobre o dia da eleição (2 de outubro).
“Agora é a hora da vontade do povo se fazer presente no próximo dia 2 de outubro. Vamos todos votar. Vamos convencer aqueles que pensam diferente de nós”, disse o presidente.
“Pode ter certeza que é obrigação de todos jogarem dentro das linhas da nossa Constituição. Com uma reeleição nós traremos pra dentro dessas linhas todos aqueles que ousam ficar fora dela.”
“Ele ficou no limite (do permitido pela legislação eleitoral), foi muito bem orientado”, afirma Alberto Rollo, advogado especializado em direito eleitoral.
Bolsonaro tirou a faixa de presidente e subiu no trio elétrico para falar. Segundo a advogada Vânia Aieta, professora da UERJ e especialista em direito eleitoral, com isso ele “sai da condição institucional de Presidente da República e se comporta como candidato”.
A isso se soma o fato de o discurso ter sido em momento e local diferentes do desfile oficial, explica o professor de direito Guilherme Amorim Campos da Silva, especializado em direito constitucional.
Os membros do Prerrogativas, grupo de advogados progressistas, pensam diferente. Eles têm debatido, nesta manhã de quarta, um conjunto de medidas que pretendem apresentar para que a conduta do presidente seja examinada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
“Me parece absolutamente inequívoco o uso da estrutura do Estado com objetivos políticos eleitorais”, afirma Marco Aurélio Carvalho, coordenador do Prerrogativas e sócio fundador da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia.
Uso de recursos públicos
Alberto Rollo explica que o que é vetado pela legislação é o uso de recursos e bens públicos para campanha — mas estando em Brasília, sem ter usado recursos para viajar, e em um local diferente do local onde ele compareceu como chefe de Estado, Bolsonaro não cometeu crime.
“Em um desfile cívico, público, não pode ter campanha eleitoral e ele não poderia fazer pedido de votos”, explica Rollo.
Mas estando em um local diferente na Esplanada, Bolsonaro pode argumentar que não confundiu seu papel de chefe de Estado com o de candidato. Ou seja, o uso político do feriado não configura necessariamente crime eleitoral se não tiver sido feito em um contexto em que Bolsonaro está no papel de chefe de Estado.
“Evidentemente, ele busca se aproveitar do momento em que a população está lá reunida para comemorar o Bicentenário da Independência. Ele procura, como se diz no jargão popular, ‘faturar’ dentro desse evento”, diz o professor de direito Guilherme Amorim Campos da Silva, especializado em direito constitucional.
“No entanto, ficou demonstrado como é possível ter dois momentos bem distintos. Ele se comportou de uma forma durante o desfile e de outra no momento em que fez campanha”, diz Amorim.
“Quando ele estava como chefe de Estado, ele se comportou dentro dos limites da atuação como representante da República — tirando a indelicadeza de trazer ao seu lado o Luciano Hang, que é uma pessoa da sociedade civil sem respaldo para estar em uma posição de tanto destaque ao lado de convidados estrangeiros.”
Posteriormente, diz o especialista, Bolsonaro fez um ato de campanha, fora do momento institucional.
Pedido de voto e críticas ao PT
Rollo afirma que, mesmo se tivesse confundido os dois momentos, Bolsonaro não fez um pedido explícito de voto.
“Ele diz ‘vamos todos votar’, ‘vontade do povo dia 2’, etc. São frases escolhidas sem menção a ele, para serem vagas e subjetivas” afirma o constitucionalista.
“Ele poderia argumentar que está falando sobre o ‘dever cívico do voto'”, explica a advogada Vânia Aieta, professora da UERJ e especialista em direito eleitoral.
Para Marco Aurélio de Carvalho, no entanto, ao se aproveitar das comemorações da Independência, Bolsonaro usa estrutura do Estado para campanha. “Nos preocupa o uso recorrente dessa estrutura, especialmente a utilização de um feriado nacional, de uma data simbólica, de um evento que gastou milhões de reais, precisa ser examinada com lupa pelo TSE. É um gasto enorme de recursos a favor de um projeto político”, afirma Marco Aurélio.
Segundo a advogada Vania Aieta, Bolsonaro se aproxima mais de um discurso objetivamente eleitoral, que pode passar dos limites do permitido pela legislação, ao criticar adversários.
“Sabemos que temos pela frente uma luta do bem contra o mal” disse Bolsonaro. “O mal que perdurou por 14 anos em nosso país. Que quase quebrou a nossa pátria. E que agora deseja voltar à cena do crime. Não voltarão. O povo está do nosso lado.”
“Isso é campanha eleitoral total. Acho que ele escorrega aí e sai do discurso institucional. É muito provável que a campanha do PT entre com uma representação contra isso”, afirma Aieta. “Em geral ele está dentro dos limites, mas é possível que a campanha do PT queira entrar com representação quando ele fala sobre seus adversários.”
“É um pouco mais objetivo nesse trecho, mas sem citar Lula, PT, ele fica no limite”, opina Rollo. “Ele está bem orientado e nesse caso decorou a frase. Mas se não foi no contexto de uso de recursos públicos ele poderia ser até mais objetivo, citar Lula e PT.”
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