• Letícia Mori
  • Da BBC News Brasil em São Paulo

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Michelle tem assumido papel central na campanha

Ninguém que assistiu a Michelle Bolsonaro andando de um lado a outro do palco enquanto discursava em frente a um público de 30 mil pessoas na praça da Apoteose, no Rio de Janeiro, diria que a primeira-dama é uma mulher tímida.

“Nós vamos sim trazer a presença do Senhor Jesus para o governo. E vamos declarar que essa nação pertence ao Senhor”, disse Michelle, com o dedo em riste, na Marcha para Jesus, em 13 de agosto. Em um tom levemente mais alto, ela continuou: “As portas do inferno não prevalecerão sobre a nossa família, sobre a igreja brasileira e sobre o nosso Brasil.”

No entanto, pessoas próximas repetem com frequência os adjetivos “tímida” e “discreta” para descrevê-la. O pastor Silas Malafaia, que é amigo da família e celebrou o casamento dela com Jair Bolsonaro (PL), diz que Michelle tem um “talento natural” para falar, mas foi a igreja que a ajudou a ter coragem e desenvoltura para falar em público.

“Ela trabalhava na igreja servindo as mesas, quando tinha convidados ela que fazia a mesa, servia a comida. Mas na medida em que ela começou a falar na igreja — fala com um grupo pequeno, daqui a pouco fala pra um grupo maior, dá uma aula — ela foi perdendo a inibição, ganhando confiança”, diz à BBC News Brasil o líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, igreja da qual Michelle fez parte até 2016.

A imagem de uma mulher tímida e discreta combina com a postura que Michelle projetou durante a campanha em 2018, quando sua participação se resumiu a algumas falas e à defesa dos direitos dos surdos. No entanto, em 2022, a primeira-dama assumiu um papel mais incisivo e participativo, se tornando central na campanha.

O protagonismo é relativamente recente — até julho, ela praticamente não teve participação na pré-campanha, deixando de acompanhar Bolsonaro em diversos eventos com mulheres, como um almoço com empresárias em São Paulo e um encontro com evangélicas no Maranhão.

O comitê da campanha esperava que participasse do programa eleitoral do PL, gravado em junho, mas a primeira-dama acabou frustrando essas expectativas e foi substituída pela deputada e ex-ministra Flávia Arruda (PL-DF).

Em agosto, no entanto, Michelle se tornou onipresente na campanha. Em eventos religiosos, diz que marido é “escolhido de Deus”, afirma sem provas que a esquerda vai fechar igrejas, faz coreografias e canta músicas gospel. Tem acompanhado o marido em encontros com defensores e discursa até em eventos com empresários — como em um almoço e em um evento da Caixa em São Paulo no dia 9 de agosto.

Nesses eventos, no entanto, o tom é diferente — no evento da Caixa, por exemplo, Michelle falou sobre iniciativas do banco público para combater a violência contra mulher. A Caixa esteve envolvida recentemente em denúncias de assédio que levaram à saída do presidente Pedro Guimarães.

Reforçar a imagem de Michelle como mulher evangélica é uma movimentação estratégica da campanha de Bolsonaro, afirma a cientista política Graziella Testa, professora da Fundação Getulio Vargas (FGV). “A figura da Michele é muito importante nesse momento, sobretudo para buscar o voto feminino e quebrar a resistência das mulheres, que é o calcanhar de Aquiles do Bolsonaro”, diz ela.

A alta rejeição de Bolsonaro entre o público feminino (53% de acordo com a pesquisa Datafolha mais recente, de 18/8) fez com que participar da campanha se tornasse um compromisso inevitável para a primeira-dama — e uma exigência cada vez maior de aliados. Toda a organização de sua participação, no entanto, passa pelo presidente — o pessoal da campanha não tem acesso direto à primeira-dama.

Segundo Silas Malafaia, há esforços para prejudicar Bolsonaro junto ao eleitorado feminino “por causa desse jeito machão que ele tem”. “Então ela está vendo o marido tomar pancada como se ele não gostasse de mulher e resolveu botar a cara”, afirma Silas Malafaia.

Bolsonaro tem muito menos votos entre as mulheres, de acordo com o Datafolha divulgado em 18/8: 33% dos eleitores em geral votariam no presidente, mas o índice cai para 29% entre as mulheres.

A diferença é maior ainda na pesquisa Quaest, divulgada no dia 17/8: Bolsonaro tem 30% de intenção de voto entre as mulheres, índice que sobe para 37% entre os homens.

“Mesmo entre os conservadores, há uma diferença considerável entre homens e mulheres”, diz Testa. “A gente vê que homens evangélicos votam diferente de mulheres evangélicas. Então, Bolsonaro precisa aumentar sua aceitação entre as mulheres conservadoras.”

Michelle tem vantagem para buscar esse eleitorado, diz Testa, também porque ela é evangélica, enquanto o presidente se declara católico.

“E o posicionamento que ela sempre teve como primeira-dama, sobretudo nas pautas sobre as pessoas com deficiências, sobre crianças, é um discurso de cuidado, da mulher numa posição de cuidado”, continua a professora.

“Isso passa a imagem de que a sua influência sobre o presidente poderia impactar positivamente, que a figura dela poderia aliviar essa postura mais violenta do presidente, que incomoda esse eleitorado que eles estão buscando.”

Um ex-membro do governo que também é evangélico e se distanciou dos Bolsonaros em 2020 diz que Michelle sempre foi “forte e ativa”, mas preferia ficar longe dos holofotes para evitar críticas. “É muito comum entre os crentes a ideia de que o mundo (os não-religiosos) não (nos) entende”, afirma.

Outras pessoas próximas a Michelle, no entanto, deram uma justificava diferente para o atraso da entrada da primeira-dama na campanha, segundo o portal Metrópoles. Ela não teria podido participar por causa de efeitos tardios de uma contaminação por covid — a doença teria causado labirintite à primeira-dama.

A pandemia de covid, inclusive, é um tema sobre o qual a primeira-dama não se pronuncia muito. O máximo foi uma declaração dada por meio da Secretaria de Comunicação do Planalto em 2021, quando o órgão disse que Michelle tomou a vacina (contra a qual Bolsonaro levantava dúvidas) nos EUA.

“Como já pensava em receber o imunizante, resolveu aceitar”, disse o órgão em nota. “A primeira-dama reitera a sua admiração e respeito ao sistema de saúde brasileiro, em especial, aos profissionais da área que se dedicam, incansavelmente, ao cuidado da saúde do povo.”

No final daquele ano, Michele participou do pronunciamento de Natal do presidente ao lado do marido, mas nenhum dos dois comentou a pandemia.

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Marcha para Jesus teve clima de comício

Piadas e buquês

Se a postura de Bolsonaro ou a forma como ele fala sobre as mulheres afasta parte desse eleitorado, a primeira-dama não dá sinais de que se incomoda com declarações do marido — mesmo quando ela é o alvo.

Em julho, durante uma conversa com apoiadores no Palácio do Planalto, Bolsonaro fez uma piada com Michelle após apoiadores elogiarem sua esposa.

“Como ela falava muito alto comigo em casa, eu falei ‘vai aprender Libras’ e ela aprendeu Libras”, disse ele, provocando risadas dos presentes.

Integrante do Ministério de Surdos e Mudos da Igreja Batista Atitude, no Rio de Janeiro, Michelle diz que aprendeu Libras (Linguagem Brasileira de Sinais) por influência de um tio que é surdo e se aprofundou na linguagem em 2015.

Na mesma conversa, o presidente fez uma piada com dinheiro. “Ganho R$ 33 mil, mas não gasto quase nada, quem gasta é a mulher”, disse rindo. “Inclusive todo dia quando levanto ela me pede R$ 5 mil.”

Pessoas que conhecem a primeira-dama de perto dizem que ela não se incomoda com as falas.

“Ele é machão, e mulher gosta de machão, na minha visão mulher não quer um homem frouxo”, diz Silas Malafaia.

“Ele sempre foi assim, é uma brincadeira inofensiva. Na verdade ele a respeita muito, é muito dedicado”, diz um político carioca que conhece o casal.

Com 27 anos de diferença entre eles, Bolsonaro e Michelle se conheceram em 2006 quando ela trabalhava como secretária na Câmara dos Deputados.

Um dos gabinetes pelos quais passou foi o do deputado Dr. Ubiali, parlamentar de esquerda filiado ao PSB. Quem passava pelo corredor conseguia ver a imagem de Michelle em um espelho, na mesa onde ela recepcionava o público. O escritório ficava bem próximo ao gabinete de Bolsonaro, que na época era deputado federal.

“Um dia eu cheguei e tinham entregado um buquê de flores gigantesco”, conta Ubiali à BBC News Brasil. “Não dava nem para ver a mesa, o buquê ocupava tudo. Eu perguntei o que era aquilo e todo mundo apontou para o gabinete do lado. Foi assim que fiquei sabendo que existia uma paquera entre Bolsonaro e Michelle.”

Ubiali — que desde então não teve mais contato com a primeira-dama — diz lembrar muito pouco da secretária, mas só tem elogios, apesar das diferenças ideológicas — hoje ele tenta se eleger novamente pelo PSB, que apoia Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a Presidência. Ubiali diz que Michelle era uma “moça bonita e educada”, não muito extrovertida, que recebia o público muito bem. Ele também usa os adjetivos “tímida” e “discreta”.

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Bolsonaro e Michelle durante a posse, em 2018

Depois do gabinete de Ubiali, Michelle foi trabalhar para a liderança do PP, onde ganhava R$ 2.900. Não demorou para Bolsonaro contratar a secretária para trabalhar em seu gabinete, onde ela foi sucessivamente promovida e passou a ter um cargo mais alto, segundo a Folha de S. Paulo. O salário desse cargo era R$ 8 mil na época (o equivalente a R$ 17,7 mil em valores corrigidos pelo INPC). Em 2017, Bolsonaro disse ao jornal O Globo que “agiu dentro da lei” ao contratar a namorada.

Dois meses depois, em novembro de 2007, Michelle foi de namorada a esposa quando os dois se casaram no civil, sem alarde. No ano seguinte, 2008, a proibição do nepotismo na administração pública fez com que Michelle tivesse que ser exonerada. Desde então ela passou a se dedicar a atividades na igreja e hoje define sua profissão como “intérprete de Libras”.

A cerimônia religiosa e a festa de casamento aconteceram em 2013 em uma mansão no Rio de Janeiro, com direito a vestido branco, 150 convidados, choro emocionado do capitão e discurso apaixonado.

“Você é um pedaço de mim”, declarou Bolsonaro a Michelle na ocasião.

Por Michelle, Bolsonaro também reverteu uma vasectomia para o casal poder conceber a filha, Laura, nascida em 2010, antes do casamento religioso. O próprio político — que já tinha os filhos Flávio, Eduardo, Carlos e Renan de outros casamentos — revelou que já tinha decidido não ter mais filhos.

Mas ele mudou de ideia, contou, para realizar o sonho de Michelle de ser mãe novamente — ela já tinha uma filha, Letícia, de um relacionamento anterior, mas queria um fruto da união com Jair. Hoje, Letícia tem 19 anos e tem um contrato para revender com exclusividade em Brasília produtos do maquiador Augustin Fernandes, amigo de Michelle.

Ao lado e tão longe

Se o casamento com Michelle e o protagonismo que ela ganhou na campanha são formas de se aproximar do eleitorado feminino e rebater as acusações de machismo, a família da esposa cumpriu um papel parecido para Bolsonaro quanto às acusações de racismo.

Nascida na Ceilândia, uma das regiões mais pobres do Distrito Federal, Michelle tem quatro irmãos e é filha de Maria das Graças Firmo, uma dona de casa, e Vicente de Paulo, um motorista de ônibus aposentado. Conhecido como “Paulo Negão”, o pai de Michelle já foi citado diversas vezes por Bolsonaro para rebater críticas sobre falas consideradas racistas.

Entre os episódios, estão momentos como quando o ex-militar usou um termo usado para medir o peso de gado para falar de pessoas negras de um quilombo. O caso aconteceu em 2017, no clube Hebraica do Rio de Janeiro. Outro momento foi quando foi questionado por Preta Gil, no programa de TV CQC: “Bolsonaro, se seu filho se apaixonasse por uma negra, o que você faria?”

Bolsonaro respondeu que não iria “discutir promiscuidade de quem quer que seja”. “Eu não corro esse risco e meus filhos foram muito bem educados. E não viveram em ambiente como lamentavelmente é o teu”, afirmou.

O então deputado afirmou que sua fala na Hebraica foi tirada de contexto e que não tinha entendido a pergunta de Preta Gil. E diversas vezes citou a família da esposa para dizer que não é racista. Além do sogro, já mostrou uma foto do cunhado, um jovem negro, em uma dessas ocasiões.

Mais velha entre os cinco irmãos, Michelle começou a trabalhar logo depois do Ensino Médio. Antes de conseguir emprego como secretária na Câmara, foi demonstradora de produtos em um supermercado e chegou a considerar a carreira de modelo — mas desistiu da ideia por conselho de uma colega da igreja. Foi em Ceilândia, inclusive, que ela se converteu ao protestantismo.

Diferentemente do lado paterno, o lado materno da família de Michelle foi mantido à distância pelo casal presidencial desde que Bolsonaro decidiu concorrer à Presidência.

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‘Te amo meu negão’, postou Michelle em homenagem ao pai no dia dos pais

A avó materna, Maria Aparecida — que disse à revista Veja que ajudou a criar Michelle — cumpriu pena por tráfico de drogas no anos 1990. E Maria das Graças, a mãe, foi indiciada por falsidade ideológica em 1989, mas o processo ficou anos parado na Justiça e acabou arquivado por prescrição. Nenhuma das duas foi convidada para a posse em 2018.

Um parente do lado materno foi convidado para a posse, no entanto: o sargento da PM aposentado João Batista Firmo Ferreira, tio de Michelle. João foi preso um ano depois, em 2019, acusado pelo Ministério Público de participar de uma milícia que atuava na comunidade Sol Nascente, no Distrito Federal.

João Batista negou as acusações e seus advogados disseram que tudo se tratava de um mal entendido. Em 2020 ele teve direito a esperar o julgamento em liberdade, mas foi condenado pela Justiça a dez anos de prisão em 2021.

À época, Bolsonaro atribuiu a divulgação do caso como um ataque a Michelle e uma tentativa da mídia de prejudicá-lo relacionando o casal com pessoas que não eram próximas.

Em agosto de 2020, a família de Michelle voltou ao noticiário com a morte de sua avó por complicações causadas pela covid em um hospital de Brasília. O Planalto publicou uma nota de pesar após parentes reclamarem publicamente da falta de assistência da neta famosa.

“Ela sente e afirma que é um momento de tristeza e dor para toda a família”, dizia o comunicado oficial da Secom. “A senhora Michelle Bolsonaro lamenta que alguns parentes tratem certos momentos tão pessoais com oportunismo em desrespeito ao sofrimento de todos. A primeira-dama permanece recolhida em casa e espera que o momento de luto seja respeitado, acima de quaisquer questões pessoais e familiares.”

Depósitos de Queiroz

Naquele mesmo mês de agosto, Bolsonaro se irritou e respondeu agressivamente a um jornalista ao ser perguntado sobre um outro assunto envolvendo o nome de sua mulher — o inquérito que investigava o suposto esquema de “rachadinhas” no gabinete de Flávio Bolsonaro, filho do presidente, na época em que ele era deputado estadual no Rio de Janeiro.

“Rachadinha” é como é popularmente conhecido o crime de desvio de recursos públicos por meio da contratação de funcionários que repassam parte do seu salário — pago pelo Estado — para o político que os contratou.

“Estou com vontade de encher tua boca na porrada, tá?”, disse o presidente a um repórter do jornal O Globo ao ser questionado sobre o assunto.

O nome da primeira-dama apareceu no caso quando o Ministério Público investigava Fabrício Queiroz, ex-policial e ex-assessor de Flávio, apontado como o operador do esquema. Ao quebrar o sigilo fiscal do investigado, o MP encontrou depósitos do ex-policial para a conta bancária de Michelle que somavam o valor de R$ 89 mil, feitos entre 2011 e 2016. Bolsonaro disse à época que os depósitos eram pagamentos por um empréstimo que havia feito a Queiroz anteriormente.

Queiroz chegou a ser preso, mas a investigação foi interrompida após parecer da Procuradoria-Geral da República. O órgão, comandado por Augusto Aras, indicado por Bolsonaro, é responsável por autorizar investigações e apresentar denúncias na Justiça contra o presidente.

Nesse caso, Aras pediu o arquivamento. O processo então foi arquivado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), já que os ministros entenderam que não podem dar continuidade se não existir pedido da acusação.

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O casal tem uma diferença de idade de 27 anos

O caso foi muito negativo para a imagem de Michelle, até então bastante preservada. Na internet, o apelido pejorativo “Micheque” foi replicado intensamente em memes e críticas. Somente entre 22/8 e 21/9 de 2020, o apelido foi usado quase 9 milhões de vezes nas redes sociais Twitter, Instagram e Facebook, segundo a consultoria Quaest.

Boom de popularidade

Hoje, no entanto, associações com os escândalos não impediram o aumento da popularidade da primeira-dama nas redes sociais.

Entre 26 de julho e 25 de agosto, Michelle ganhou 185 mil novos seguidores no Instagram, com um pico de ganho no começo do mês — que coincidiu com seu maior protagonismo na campanha. A consultoria Bites, que fez um levantamento recente sobre a atuação da primeira-dama, a classificou como “um dos principais ativos digitais” do presidente.

Para Graziella Testa, da FGV, a campanha não tem nem preocupação em tentar descolar a imagem de Michelle do escândalo envolvendo Queiroz.

“Nesse momento, não existe uma tentativa de buscar um eleitorado que se sentiu impactado por essas pautas”, diz a pesquisadora.

Nas eleições de 2018, afirma, o eleitorado que se incomodava com esse tipo de pauta, para quem o combate à corrupção era uma pauta central, teve a tendência a votar em Bolsonaro. “Mas também teve a tendência a votar em Bolsonaro o eleitorado conservador. E talvez para esse eleitorado conservador, a pauta da corrupção não seja tão relevante.”

Para o eleitorado que se importa com a corrupção, diz ela, a atuação de Michelle não importa muito. “E para o eleitorado evangélico essa associação (com o caso Queiroz) não é tão relevante”, afirma.

Outra polêmica que não parece afetar negativamente o eleitorado composto por mulheres evangélicas são as acusações de intolerância religiosa contra religiões afro-brasileiras.

No início do mês, Michelle compartilhou em sua conta no Instagram um vídeo de Lula recebendo uma chuva de pétalas de rosas em um ritual de umbanda e escreveu “Isso pode né? Eu falar de Deus não”. O vídeo havia inicialmente sido compartilhado pela vereadora Sonaira Fernandes (Republicanos), que escreveu “Lula já entregou sua alma para vencer essa eleição” e “lutamos contra os principados e potestades das trevas”.

O compartilhamento foi repudiado por entidades religiosas afro-brasileiras, mas essa crítica pode não afetar o eleitorado que a campanha busca conquistar, dizem analistas. Pelo contrário: na visão de analistas, visa justamente engajar o público evangélico neopentecostal.

De acordo com a análise do historiador e teólogo André Neto para o Observatório Evangélico, o alto volume do discurso religioso do bolsonarismo é um esforço constante para identificar sua candidatura com evangélicos — inclusive em pontos problemáticos.

“Os cultos de matriz africana ainda são estigmatizados e identificados com ‘o mal’ entre os evangélicos, especialmente os pentecostais e neo-pentecostais”, escreveu Neto em uma análise publicada nesta terça (23). “Os protestantes históricos, embora tenham aderido ao bolsonarismo, não têm tradição em falar sobre demônios.”

Na segunda-feira (22/08), Michelle falou sobre perseguição religiosa durante um culto no Distrito Federal — mas para atacar candidatos de esquerda. Sem provas, afirmou que as igrejas cristãs serão perseguidas se Bolsonaro não vencer a disputa eleitoral.

“Orem para os que estão sendo enganados. Nós estamos vendo o que o comunismo está fazendo nos países, perseguindo igrejas, queimando igrejas católicas, vão perseguir os cristãos do Brasil”, afirmou a primeira-dama.

É um tipo de crítica mais incisiva que Michelle não tinha quando sua principal pauta era o programa do governo para incentivar o voluntariado, o Pátria Voluntária, no qual ela é presidente do conselho.

Lançado em 2019, o programa visa incentivar doações e voluntariado a entidades assistenciais. Em 2021, Michelle viajou por diversas cidades para promovê-lo. No mesmo ano, o jornal O Estado de S. Paulo revelou que o total arrecadado e repassado a entidades até aquele momento (R$ 5,89 milhões) era menos do que os R$ 9 milhões gastos pelo programa com publicidade. A Presidência da República, a Casa Civil e o Ministério da Cidadania não responderam aos questionamentos sobre o assunto.

Toda a visibilidade que a primeira-dama está tendo com essa mudança de postura cria a possibilidade para que Michelle procure uma carreira política própria, avalia Graziella Testa.

“A visibilidade — que ela pode ganhar ainda mais numa eventual reeleição — pode gerar um capital político para buscar uma eleição. Eu não me surpreenderia se isso acontecesse. Tudo vai depender muito do que vai acontecer nesta eleição”, afirma.

Até agora, a primeira-dama não deu sinais públicos de se interessar por esse caminho, embora esteja se estabelecendo como figura influente politicamente no mundo religioso.

Um ex-aliado de Bolsonaro, no entanto, avalia que uma futura candidatura de Michelle não seria do interesse do presidente. “Não deu certo com a ex”, explica o ex-bolsonarista, se referindo a Rogéria Nunes Braga, primeira mulher de Jair e mãe de seus três filhos mais velhos.

Com ajuda de Bolsonaro, Rogéria foi eleita vereadora no Rio de Janeiro em 1992 e 1996. No entanto, a independência da mulher, que não consultou o marido quanto a algumas votações, acabou gerando rusgas entre o casal, que se separou em 1998. O próprio Bolsonaro admitiu o problema em uma entrevista à revista IstoÉ Gente em fevereiro de 2000.

“Meu primeiro relacionamento despencou depois que elegi a senhora Rogéria Bolsonaro vereadora, em 1992”, afirmou o capitão. “Acertamos um compromisso. Nas questões polêmicas, ela deveria ligar para o meu celular para decidir o voto dela. Mas começou a frequentar o plenário e passou a ser influenciada pelos outros vereadores. Eu a elegi. Ela tinha que seguir minhas ideias. Acho que sempre fui muito paciente e ela não soube respeitar o poder e liberdade que lhe dei.”

Naquele ano, Bolsonaro emancipou o filho Carlos, na época com 17 anos, para ele poder concorrer ao cargo de vereador e capitalizar os votos dos seus simpatizantes. Carlos foi eleito com 16 mil votos — sua mãe, no mesmo pleito, não conseguiu se eleger. “Não foi uma eleição de filho contra mãe, mas sim de filho com o pai”, disse Bolsonaro ao jornal O Estado de S. Paulo na época. “Para mim, ela já está morta há muito tempo.”

Hoje, os desentendimentos com a ex-mulher estão resolvidos. Rogéria é filiada ao PL, mesmo partido do presidente, e — assim como Michelle — pede votos para Bolsonaro nas redes sociais, onde disse que ele “nunca foi um homem agressivo”.

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