Joyce trabalha no setor de comunicações de uma empresa no leste da Inglaterra. Ela demorou para identificar que estava sendo vítima de bullying no seu local de trabalho.
A maior parte do trabalho na companhia já era feito remotamente muito antes da pandemia e ela não se sentia atacada por colegas.
“Eu realmente não pensava nisso”, afirma Joyce — cujo sobrenome é omitido por questão de privacidade. “Eu ainda tinha em mente a ideia tradicional do bullying como alguém me desrespeitando pessoalmente.”
Até que, ao longo do tempo, aumentou a sensação de que a sua chefe (que tinha pouco tempo de empresa) a estava isolando constantemente e de formas desconfortáveis. “Era um e-mail em grupo em que eu dizia uma coisa e ela respondia com outra, ou ela começava a falar sobre mim em uma reunião no Zoom sem me avisar com antecedência”, ela conta.
Isoladamente, muitos daqueles incidentes pareciam pequenos. Em um dia, a chefe mudava todas as senhas das redes sociais do trabalho e Joyce não tinha mais acesso às contas. Em outro, Joyce recebia um e-mail a repreendendo por “resistir” às ideias da chefia.
Os incidentes se acumulavam. E, mesmo depois de trabalhar na empresa há anos, seis meses foram suficientes para fazer com que Joyce deixasse de amar o seu trabalho e chegasse ao ponto de querer pedir demissão.
“Foi uma experiência traumática”, ela conta. “Isso me abalou muito e fiquei muito triste.”
É claro que o bullying é um problema no ambiente de trabalho há muito tempo. Ele engloba um amplo espectro de comportamento e é tipicamente associado ao trabalho presencial.
Um cenário conhecido ocorre quando um chefe dominador desvaloriza um funcionário em público para humilhá-lo ou quando um grupo sai do escritório para almoçar juntos, deixando deliberadamente um colega para trás.
Para alguns funcionários, o trabalho remoto forneceu alívio e distância da tensão diária de ter que lidar com esses incidentes. Mas ainda há evidências de que, à medida que as empresas adotam cada vez mais modelos de trabalho remoto e híbrido, o bullying no ambiente de trabalho não só permaneceu, mas desenvolveu-se, muitas vezes de formas mais sutis — especialmente porque a tecnologia abriu novos caminhos para a falta de gentileza.
Bullying remoto
O bullying remoto não é um fenômeno totalmente novo. Existem dados que indicam que ele já vinha crescendo antes mesmo da mudança generalizada para o trabalho remoto.
Um estudo de janeiro de 2020, conduzido pela associação de recursos humanos Chartered Institute of Personnel and Development (CIPD), com sede em Londres, demonstrou que 10% dos profissionais relatavam sofrer bullying por e-mail, telefone ou redes sociais.
“Nós já vínhamos observando casos de bullying acontecendo fora do ambiente físico de trabalho”, afirma Rachel Suff, consultora de políticas sobre relações do trabalho do CIPD.
Por isso, a expansão do bullying remoto com a chegada da pandemia não foi surpreendente para Suff. Ela acredita que a enorme quantidade de canais digitais disponíveis “fornece mais caminhos para que as pessoas sofram bullying ou sintam que estão sendo tratadas de forma inadequada”.
De fato, em muitos casos, esses novos caminhos deram início aos incidentes de bullying na era da pandemia.
Uma pesquisa da entidade americana Workplace Bullying Institute demonstrou em 2021 que, de 1.215 trabalhadores remotos americanos consultados, 43% relataram que foram objeto de bullying no ambiente de trabalho, a maior parte por chamadas de vídeo e por e-mail.
E um quarto dos participantes concluiu que o trabalho remoto durante a pandemia de covid-19 fez com que os colegas ficassem mais propensos a maltratar os demais.
Em 2022, o número de casos de bullying apresentados à Justiça do Trabalho do Reino Unido bateu o recorde anual de todos os tempos — um aumento de 44% em relação ao ano anterior.
Os incidentes mais comuns incluíram comentários maldosos durante chamadas de vídeo, exclusão deliberada de colegas em reuniões remotas e o uso de aplicativos de mensagens para fofocas durante apresentações de colegas.
No caso de Joyce, as ferramentas de colaboração digital possibilitaram parte do bullying que ela recebeu da sua chefe.
Uma noite, após o horário de trabalho, Joyce recebeu uma mensagem perguntando se ela poderia entrar em uma chamada de vídeo naquele momento. Na chamada, a chefe pediu que ela abrisse um novo e-mail que, para surpresa de Joyce, era uma advertência formal, por escrito, da sua chefe — que a leu em voz alta.
“Eu queria simplesmente sair da chamada”, Joyce conta. “Por que ela precisava fazer aquilo de forma tão dramática e observar minha expressão?”
Por mais que se sentisse mal, dados do Workplace Bullying Institute indicam que Joyce foi poupada de parte da humilhação, já que somente ela e a sua chefe estavam na chamada.
Nas pesquisas do instituto, 35% dos participantes indicaram que seu bullying remoto aconteceu em chamadas de vídeo na frente de outras pessoas “em tempo real, com as expressões faciais sendo mais destacadas pela tecnologia”.
O bullying remoto em frente aos colegas pode não só ser humilhante, mas também intensificar o sentimento de desconexão da equipe como um todo.
Presencialmente, os colegas podem intervir para interromper o bullying, demonstrando seu apoio pelo funcionário que é alvo da humilhação ou discordando do autor do bullying, segundo Kara Ng, professora de psicologia organizacional da Universidade de Manchester, no Reino Unido. Mas isso fica mais difícil em um ambiente virtual.
De fato, pela via remota, alguns colegas podem nem mesmo perceber o problema. “É muito mais difícil identificar o comportamento de bullying no ambiente de trabalho digital”, afirma Priyanka Sharma, psicóloga organizacional e fundadora da consultoria de aprendizado do ambiente de trabalho Mindtrail, com sede em Londres.
“É muito mais fácil excluir alguém intencionalmente das reuniões importantes ou reter informações significativas e mais difícil perceber quando um colega está preocupado”, afirma ela.
A falta de intervenção pode deixar o funcionário alvo com o sentimento de que seus colegas aprovam o comportamento de bullying, mesmo se não for o caso. E, depois que há um incidente, os ambientes de trabalho remotos oferecem menos oportunidade de conversas informais com os colegas para discutir o que aconteceu.
“Não ter a possibilidade de esclarecer socialmente a questão com alguém e compreender as normas do grupo pode ser muito prejudicial”, afirma Ng. “Você acaba simplesmente se sentindo cada vez mais isolado.”
É possível que o isolamento do trabalho remoto possa também mudar a forma como os profissionais interpretam o comportamento dos seus colegas, aumentando sua propensão a sentir que estão sofrendo bullying.
Um estudo de 2017 com 1.100 trabalhadores remotos demonstrou que esses funcionários tinham maior possibilidade de relatar que seus colegas os isolaram, fizeram fofocas sobre eles pelas costas e até influenciaram outros contra eles enquanto trabalhavam em casa.
Eles também afirmaram que, quando surgia um conflito entre colegas, o trabalho remoto dificultava a sua resolução.
Sem as indicações físicas e o contexto da comunicação presencial, o trabalho remoto realmente abre espaço para diferentes leituras de mensagens que, às vezes, são simples.
“No contexto digital, muitas vezes nós precisamos interpretar o tom de voz, o que é difícil”, afirma Sharma. “Por isso, as pessoas podem começar a questionar seu senso de pertencimento, se eles realmente estão sofrendo bullying e se é intencional.”
Essa zona cinzenta pode ser preocupante para os profissionais, mas também fornece um “álibi” plausível para os próprios praticantes de bullying. Com isso, o mau tratamento, de baixo nível, pode aumentar.
Quando incidentes aparentemente pequenos, como comentários bruscos ou pequenos menosprezos, são ignorados, as consequências podem ser sérias para os funcionários individualmente e para a empresa como um todo.
“O terreno fértil para os tipos mais sérios de assédio e bullying é o comportamento inadequado de baixo nível, que muitas vezes poderia ser simplesmente eliminado”, afirma Suff. “E, se o bullying não for combatido, é como uma ferida que se alastra. Ele nunca fica restrito aos indivíduos que foram sua fonte original.”
“É importante que o bullying não seja considerado apenas uma questão entre o seu autor e a vítima; é um problema coletivo”, acrescenta Ng.
Estudos indicam que as pessoas que testemunham o bullying podem sofrer o mesmo impacto negativo sobre o seu bem-estar que as pessoas que sofrem o assédio.
“Isso realmente afeta a motivação do grupo. As pessoas podem ter medo de compartilhar suas opiniões, sentir-se mais estressadas e isso pode gerar queda do desempenho e do comprometimento, o que acaba afetando a companhia”, explica Ng.
De forma geral, sabe-se que o bullying no ambiente de trabalho causa ansiedade, depressão e piora o desempenho profissional. E ainda “existem certas características do ciberbullying que o tornam mais prejudicial que o bullying presencial comum”, segundo Ng.
“Especialmente a disponibilidade 24 horas por dia, sete dias por semana, e a onipresença da tecnologia e das redes sociais. Antes, você podia sair do ambiente de trabalho e talvez sentir-se um pouco mais seguro, mas agora essa divisão não existe mais”, afirma ela.
A solução do problema
Antes da pandemia, o grupo provavelmente mais responsável pelo bullying no ambiente de trabalho era o dos gerentes, que eram responsáveis por 40% dos incidentes, segundo o estudo do CIPD. E, em 2021, o Workplace Bullying Institute concluiu que o mesmo era válido para o trabalho remoto, com os gerentes responsáveis por 47% dos relatos de bullying.
Os chefes de todos os níveis detêm enorme influência sobre o comportamento relativo ao bullying em todas as organizações.
“Um dos principais pontos enfatizados pelas pesquisas é o papel do líder para modelar o que é o bom comportamento”, afirma Ng. Sem um forte exemplo de liderança inclusiva, “os funcionários podem ter a sensação de que comportamentos de bullying podem passar impunes ou ser aceitáveis”.
Além dos gerentes, é obrigação das empresas garantir que tenham estruturas estabelecidas para lidar com o bullying remoto, incluindo processos claros para que os funcionários relatem incidentes com a garantia de que eles serão adequadamente tratados — especialmente quando os gerentes são os responsáveis pelo bullying.
Isso exige abordagem proativa e, em muitos casos, compreensão mais profunda das formas sutis de manifestação do bullying remoto.
Para os funcionários remotos presos em ambientes de trabalho onde o bullying é um problema, uma opção é levar a questão para o RH, especialmente se for cometido por um chefe.
É preciso coragem para falar sobre o problema, mas Priyanka Sharma aconselha as pessoas a fazer isso o mais cedo possível, “para que os assuntos possam ser tratados com sentido de urgência, sem causar impacto ao seu bem-estar mental de longo prazo”.
E as pessoas que denunciam o bullying no trabalho remoto podem também fazer algo que as vítimas presenciais muitas vezes não conseguem: fornecer provas como mensagens, e-mails e logs de chamadas.
“O bullying é um comportamento repetitivo e, se você puder mostrar que a experiência é frequente, você tem um argumento mais forte”, afirma Kara Ng. “Uma das principais diferenças entre o ciberbullying e o bullying tradicional é que normalmente existe um rastro de provas.”
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