Conta-se que, quando Robert Louis Stevenson escreveu o clássico livro de aventuras A Ilha do Tesouro, ele se inspirou nas visitas que fez quando criança à ilha de Fidra, que faz parte de um conjunto de três afloramentos rochosos no estuário do rio Forth, no litoral da Escócia.
Mas o jovem Stevenson não conhecia os mitos, lendas e mistérios atribuídos a uma outra ilha do estuário perto da cidade de North Berwick.
Localizada a apenas 1,9 km a leste de Fidra, a ilha conhecida como Lamb (“Cordeiro”) sempre atraiu pouca atenção, exceto pelos canoístas, observadores de pássaros ocasionais e voluntários da vida selvagem.
Mas pode vir a tornar-se uma ilha do tesouro da vida real. Pelo menos, é o que indica seu exótico dono – o lendário, carismático e controverso místico Uri Geller, famoso por dobrar colheres na televisão, nos anos 1970.
Treze anos após a compra da ilha, Geller – mestre dos gestos grandiosos – decidiu elevar o status de Lamb de ilha particular na Escócia para país independente, com bandeira, constituição e hino.
Enquanto a Escócia segue ocupada debatendo seu próprio caminho para uma possível independência do Reino Unido, o surgimento da “República de Lamb”, com o tamanho de um campo de futebol, significa que seu gigante vizinho, em tese, ficou um pouco menor.
“Lamb é um lugar único”, afirma Geller, na sua casa na Cidade Velha de Jaffa, em Israel, “e merece ter sua própria identidade. Esta é uma forma adequada de fazê-lo.”
A ilha de Lamb não é a primeira micronação do mundo, como são chamados esses países minúsculos. Já houve dezenas delas com independência declarada desde o século 19. Algumas delas são sérias, mas muitas não são.
Algumas chegaram a criar seus próprios selos, moedas e cidadanias. Um exemplo foi o Reino de Lovely, inspirado em um programa de TV e com sede em um apartamento no leste de Londres. Ele teve vida curta, mas pode reivindicar o título de micronação com o maior número de cidadãos, com mais de 58 mil pessoas inscritas online.
Geller também oferece cidadania da ilha de Lamb a quem se interessar. Toda a renda será doada para a organização israelense Save a Child’s Heart, que cuida de crianças com problemas cardíacos em todo o mundo.
Ele afirma que Lamb deve ser um símbolo de paz, e a única exigência para a cidadania é a “disposição de viver em harmonia com os compatriotas de Lamb”.
Mas não é permitido morar na ilha. Seus únicos habitantes são os papagaios-do-mar, airos e outras aves marítimas. E, até recentemente, um rato solitário.
“Sempre quis ter minha ilha, ser como James Bond”, afirma Uri Geller, agora com 75 anos de idade. Ele ouviu falar de Lamb pela primeira vez quando soube que a ilha estava à venda pelo jornal.
Mas foi a curiosa – alguns diriam duvidosa – afirmação de um pesquisador de história amador que capturou a imaginação de Geller e o convenceu a comprar a ilha. Segundo o escocês Jeff Nisbet, Lamb apresenta semelhanças inexplicáveis com as pirâmides de Gizé, no Egito.
O desenho geométrico preciso das pirâmides é uma fonte de fascinação para matemáticos e egiptólogos. Nisbet indica o formato de Lamb e das duas ilhas que a cercam e afirma que espelham exatamente a posição das três pirâmides.
Na verdade, Nisbet não foi o primeiro a defender possíveis ligações entre a Escócia e o antigo Egito. Uma crônica escocesa do século 15, descrita pela Biblioteca Nacional da Escócia como “provavelmente o mais importante relato medieval do início da história escocesa”, afirma que o Egito foi responsável pela criação do país.
A crônica – chamada Scotichronicon – afirma que a Escócia, na verdade, foi fundada pela princesa Scota, filha exilada do faraó cujo exército, no relato bíblico, afundou ao perseguir Moisés e os israelitas através do Mar Vermelho.
Um personagem notável que considera essa história muito importante é o magnata Mohamed Al Fayed, nascido no Egito, que mora no Reino Unido desde meados dos anos 1960. Al Fayed é um apoiador fervoroso da independência escocesa e já se ofereceu para ser o primeiro presidente de uma possível Escócia independente.
Antigo dono da loja de departamentos de luxo Harrods, em Londres, Al Fayed guardava uma cópia da Scotichronicon no seu escritório. Quando conheceu Geller, perto de 2010, contou a ele entusiasticamente tudo sobre a crônica – e depois presenteou Geller com outra cópia.
Uri Geller afirma que, até onde se lembra, Al Fayed contou a ele a história de que Scota ancorou seu navio na costa de Lamb e ali enterrou um tesouro. Não há evidências que documentem esta história, mas Geller, que supostamente fez fortuna com prospecção para companhias petrolíferas e mineradoras usando a antiga prática da radiestesia, afirma que empregará o mesmo método para procurar o tesouro.
Como Lamb faz parte de uma Área de Proteção Especial, escavar está fora de questão – mas uma equipe de arqueólogos de campo se voluntariou para explorar a ilha.
O tesouro não é a única coisa que Lamb tem a oferecer. Geller, que se autodescreve como místico, acredita que os ossos das vítimas dos infames julgamentos de bruxaria de North Berwick nos anos 1590 podem também ter acabado ali, transportados do continente por autoridades supersticiosas. Mas especialistas afirmam que todas as evidências conhecidas apontam para o enterro dos restos mortais perto do local onde as vítimas foram queimadas.
Um dos objetos preferidos de Geller no seu museu em Jaffa é um antigo conjunto de seis esferas de vidro fino pintadas de verde, prata e ouro, conhecidas como as bolas das bruxas. Esse tipo de objeto era pendurado nas casas das ilhas britânicas no século 17 para afastar espíritos malignos.
‘Sincronicidade’
A ideia de tornar Lamb uma micronação ocorreu para Uri Geller depois de estudar a possibilidade de comprar o título de barão que vem com o território que, historicamente, incluía a ilha.
Mas Lamb foi excluída do baronato quando foi vendida para Geller pelo atual Barão de Dirleton – Camilo Agasim-Pereira, um empresário luso-brasileiro judeu ortodoxo – a quem o título havia sido transferido pelo dono anterior.
“Eu não consegui o título, então decidi fazer melhor e criar meu próprio país”, afirma Geller. “Mas o que faz [Lamb ser] particularmente especial são todas essas poderosas e significativas conexões espirituais. Não é um lugar comum.”
Algumas dessas conexões foram identificadas por Nisbet, que afirma que Lamb fica em uma confluência de linhas de Ley – supostos caminhos de energia que ligam locais com significado histórico. Uma dessas linhas segue direto através de Lamb desde a ilha de May – o local onde supostamente está enterrado o lendário rei Artur – até a colina de Tara, na Irlanda, considerada um antigo local de coroação de monarcas, repleto de mitologia.
A tradição irlandesa afirma que a famosa Pedra do Destino, ou Pedra da Coroação, foi trazida de Jerusalém para Tara no século 6° a.C. pelo profeta Jeremias e pela filha do último rei de Judá. Esta história foi contada em um discurso na Câmara dos Lordes do Reino Unido por Lorde Brabazon de Tara, em 1951.
Afirma-se que a pedra foi usada como travesseiro por Jacó no relato bíblico e depois guardada no templo do rei Salomão.
Afirma-se que a pedra foi levada da Irlanda por invasores escoceses, antes de ser roubada e trazida para a Inglaterra por ordem do rei inglês Eduardo 1° em 8 de agosto de 1296. Esta foi a data escolhida por Uri Geller “em reconhecimento da gloriosa história da Escócia” para declarar a independência de Lamb.
Geller também acredita que há um sinal na curiosa descoberta feita pelos arqueólogos embaixo da construção da era otomana que agora abriga o seu museu, na Cidade Velha de Jaffa.
Entre centenas de artefatos, eles desenterraram um tijolo escocês de Forth, produzido no litoral da ilha de Lamb, depois que ele afirmou ter sentido algo enterrado no local, usando suas declaradas capacidades de radiestesia. Geller chama a descoberta do tijolo de “sincronicidade”.
É possível afirmar que a sincronicidade também fez parte da busca de Uri Geller por um hino para seu Estado “semi-independente” (ele afirma que não se trata de um ato político e que as leis do seu novo país serão as mesmas já em vigor antes da sua criação).
Em 2021, o telepata escocês Drew McAdam, amigo de Geller – do condado escocês de East Lothian, que inclui a ilha de Lamb – fez a primeira gravação de uma música chamada Our Land (“Nossa terra”, em tradução livre). Ela foi composta pelo seu bisavô James Russel em 1909 e agora tinha uma nova letra.
“Cerca de dois dias depois, Uri perguntou se eu conhecia algum compositor, pois ele estava procurando um hino para sua ilha… e ele [o hino] estava ali, apenas esperando”, afirma McAdam, que ofereceu a música para Geller. “Estava feliz apenas por ouvir a melodia depois de todos esses anos e adoro [saber] que ela está sendo usada neste tremendo projeto perto de casa.”
Desde então, McAdam descobriu que seu bisavô, que morreu em 1928, está enterrado no cemitério Larkhall, no sudeste de Glasgow, na Escócia. E, por sugestão de Geller, ele planeja tocar o hino (agora com o nome My Island, “Minha ilha”) no túmulo de Russell.
Uri Geller ficou em Lamb por uma noite em 2010 com seu cunhado Shipi Shtrang e com o aventureiro Andy Strangeway, conhecido por ter dormido em todas as 162 ilhas da Escócia. Geller descreveu aquele pedaço de rocha basáltica como “duro, congelante e desconfortável – mas [a experiência] valeu todas as dores”.
Os navios não conseguem ancorar em Lamb, o que lhe valeu o apelido macabro de “ilha do suicídio”, já que todos os que se aventuram por ali acabam encalhando. O trio foi recolhido no dia seguinte. Geller deixou na ilha um cristal que pertenceu a Einstein, como marca da sua visita.
Lamb não é a única ilha particular do estuário do rio Forth. A ilha de Fidra pertence à Sociedade Real de Proteção das Aves, enquanto Craigleith e Bass Rock pertencem à família aristocrática Dalrymple há séculos.
“Quando levo as pessoas a passeio, o fato de que Uri Geller é o dono de Lamb é sempre o que causa maiores reações”, diz o veterano comandante local Dougie Ferguson, que passou décadas cruzando as ilhas e trabalhando nas águas do estuário com seu barco, o Braveheart.
“Conheci todos os donos anteriores e nunca havia ouvido falar da ligação com as pirâmides de Gizé. Mas são áreas importantes para a vida selvagem e, se isso traz as pessoas para ver, só pode ser bom”, afirma ele.
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