• Cecilia Barría
  • BBC News Mundo

Crédito, Getty Images

É preciso apagar o fogo antes que ele fique fora de controle.

Esse parece ser o lema dos países atingidos pela gigantesca inflação que assola o mundo — e que recentemente bateu recordes de décadas.

A Alemanha está com o nível mais alto de inflação em quase meio século — e lida com uma crise energética derivada da guerra na Ucrânia. Os Estados Unidos e o Reino Unido alcançaram o aumento de preços mais elevado dos últimos 40 anos. A América Latina, por sua vez, também está sob pressão devido à escalada do custo de vida.

No Brasil, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerado a inflação oficial do país, teve queda de 0,68% em julho, após ter registrado alta 0,67% em junho. Com isso, o país registrou uma deflação – inflação negativa -, a primeira depois de 25 meses seguidos de alta de preços.

No ano, porém, a inflação acumulada é de 4,77%. No acumulado nos últimos 12 meses a taxa desacelerou para 10,07%, contra os 11,89% registrados nos 12 meses imediatamente anteriores.

Ou seja: os “bombeiros” da economia estão correndo para conter esse fogo antes que ele se torne incontrolável.

Os especialistas encarregados pela política fiscal e monetária dos países tentam buscar uma solução, mas não podem se descuidar de outra fonte de perigo: a recessão.

Mas o que a inflação alta tem a ver com a recessão econômica?

Quando a inflação é desencadeada, os bancos centrais aumentam as taxas de juros (o custo do crédito) para desencorajar a compra de bens ou serviços. É uma política que busca reduzir o consumo, com a esperança de que os preços caiam.

Com esse mecanismo, a inflação fica mais controlada, mas, ao mesmo tempo, o crescimento econômico é desacelerado.

Se a desaceleração for muito grande, porém, a economia paralisa e as chances de o país entrar em recessão aumentam.

Diante desse dilema, as autoridades têm que trabalhar numa verdadeira corda bamba e se perguntar a todo momento: até quando é possível aumentar os juros sem sufocar demais a economia?

Esse equilíbrio precário entre inflação e recessão é o que faz os economistas tentarem apagar um incêndio sem jogar mais combustível no outro.

Daí vem a pergunta: a inflação é pior do que a recessão econômica?

O mal menor

“Não é tanto o que é pior, mas o que é a primeira coisa a ser enfrentada. Acredito que um país que quer manter a estabilidade macroeconômica não pode arcar com uma inflação alta”, argumenta Juan Carlos Martínez, professor de economia na IE Escola Universitária de Negócios, na Espanha.

“Uma recessão é um mal menor do que uma inflação persistente na economia”, avalia o especialista, numa entrevista à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC para a América Latina.

Benjamin Gedan, vice-diretor do Programa Latino-Americano do Wilson Center e professor da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, também defende que a redução do custo de vida é uma prioridade.

“As duas coisas são ruins, mas a inflação é mais difícil de superar em muitos casos”, aponta.

A inflação alta crônica, acrescenta, impõe muitos custos à sociedade — o que não está relacionado apenas à crise econômica.

“Isso também cria tensões sociais, pois os trabalhadores exigem aumentos salariais recorrentes, os proprietários impõem aumentos de aluguel e os comerciantes decidem aplicar repetidas elevações de preços”, exemplifica Gedan.

José Luis de la Cruz, diretor do Instituto de Desenvolvimento Industrial e Crescimento Econômico (IDIC) do México, entende que o controle da inflação pode levar muitos anos, enquanto as recessões, pelo menos nos últimos anos, têm sido superadas com mais rapidez.

“Neste momento, é fundamental conter a inflação porque as experiências dos últimos 50 anos nos mostram que uma espiral inflacionária acaba por desencadear uma recessão”, lembra o economista.

“Você pode enfrentar uma recessão sem que isso implique em inflação, mas, no outro caso, a inflação acaba levando a uma crise.”

Os Estados Unidos, por exemplo, “estão pagando o preço de um erro”, avalia de la Cruz, porque as autoridades deixaram passar muito tempo antes de aumentar os juros para controlar o consumo e o investimento.

Dessa forma, a demanda permaneceu alta e os preços continuaram subindo, sem eliminar os incentivos para continuar gastando, analisa o especialista.

O que acontece na América Latina?

Assim como em outras partes do mundo, a América Latina também sofre com a onda inflacionária.

Em países como o Chile, a inflação atingiu a marca histórica de 13,1% (a maior em quase três décadas), seguida por Brasil e Colômbia, onde essa taxa supera os dois dígitos.

Países como Peru e México, onde a espiral inflacionária é um pouco menor, também sofreram as consequências de preços elevados, que estão deixando marcas profundas nos setores mais vulneráveis da sociedade.

A Argentina, que apresenta um problema crônico de inflação, tem uma ferida aberta com um aumento de 64% no custo de vida anual.

Diante desse cenário, os bancos centrais da região têm aplicado aumentos históricos nas taxas de juros para tentar aliviar a pressão (ou diminuir a força do fogo).

Em tempos econômicos bons, muitos governos costumavam estabelecer uma meta de inflação na faixa de 2% a 4%.

Porém, com o custo do crédito em disparada, essas metas foram deixadas de lado, pelo menos por enquanto.

O Brasil, por exemplo, está com taxas de juros de 13,7%, enquanto no Chile o custo dos empréstimos subiu para um máximo histórico de 9,7%.

Restam poucas opções para as pessoas que aspiravam comprar uma casa com empréstimo bancário, ou para os empreendedores que planejavam renovar equipamentos, expandir as operações ou iniciar novos projetos de investimento.

Claramente, o tempo do “dinheiro barato”, ou seja, dos empréstimos mais acessíveis, ficou no passado.

O aumento do custo do crédito tem sido tão rápido e profundo que os economistas esperam ver os primeiros resultados disso em breve.

De fato, em países como os Estados Unidos e o Brasil, a inflação deu uma trégua e diminuiu ligeiramente, aumentando as expectativas de que os preços poderiam ter atingindo o patamar máximo.

Quem são os mais afetados pela inflação?

“O pior de tudo é que a inflação tem o efeito de um imposto sobre os pobres, que têm pouca poupança e geralmente trabalham no setor informal, com baixa capacidade de proteger o poder de compra”, explica Gedan.

Dada a pobreza generalizada na América Latina e o gigantesco setor informal, os impactos da inflação são particularmente graves na região.

Nesse sentido, as autoridades não hesitaram em aumentar as taxas de juros, especialmente devido aos episódios de escalada de preços na América Latina nas últimas décadas.

“Dados os traumas recentes ​​da região com a hiperinflação e o desejo de preservar a credibilidade conquistada com muito esforço dos bancos centrais, não é surpreendente ver uma ação rápida em muitos países para conter os aumentos de preços”, diz o especialista.

O debate nos Estados Unidos

Embora a inflação e a recessão sejam duas ameaças econômicas, nos Estados Unidos o debate se concentrou em quanto e com que velocidade o Federal Reserve (o equivalente ao banco central em outros países) deve continuar a aumentar as taxas para impedir a escalada dos preços.

Criticado por não ter agido antes, o órgão embarcou em uma série de aumentos de juros neste ano.

E como esses aumentos freiam a economia, a pergunta que muitos estão fazendo é se o país entrará ou não em recessão.

Os EUA já passam pelo que se conhece como “recessão técnica”, o equivalente a dois trimestres consecutivos de contração econômica.

Mas nos EUA, esses números negativos não representam uma verdadeira recessão, de acordo com os padrões usados pelo país.

Quem define esse estágio econômico por lá é uma organização independente chamada National Bureau of Economic Research (NBER).

A instituição conta com a participação dos principais economistas, que se reúnem regularmente e analisam todas as variáveis ​​que podem afetar um processo de recessão.

A definição que eles usam está longe de ser uma fórmula matemática: “[A recessão é] Um declínio significativo na atividade econômica que se espalha por toda a economia e dura mais do que alguns meses.”

A abordagem do comitê de economistas é que, embora cada um de três critérios (profundidade, espalhamento e duração) deva ser contemplado individualmente até certo ponto, as condições extremas relacionadas a um critério podem compensar parcialmente as indicações mais fracas dos outros.

Justamente por não ser uma fórmula infalível, há muito debate nos Estados Unidos sobre se o país está realmente caminhando para uma recessão ou se não chegará a esse estágio.

As mais altas autoridades do país (responsáveis ​​pela política fiscal e monetária) têm se mostrado otimistas, argumentando que o mercado de trabalho continua forte.

Em julho, a inflação caiu ligeiramente (de 9,1% para 8,5%), dando um certo alívio nas previsões que consideravam inevitável uma recessão no país.

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