“Mulher não tem um minuto de paz”. “A gente não tem sossego”. “Ser mulher está cada dia mais difícil”. “Parem de nos matar”. Esses são os relatos e o sentimento de quem, diariamente, encontra, nos noticiários, mais um caso de violência contra a mulher. São incontáveis os pedidos de basta, que se fazem necessários diante do silêncio, que, muitas vezes, leva à morte pessoas pelo simples fato de serem quem são.
Em Pernambuco, nesse primeiro semestre de 2022, a cada quatro dias e meio, uma mulher foi assassinada por simplesmente ser mulher, segundo dados levantados pela Secretaria de Defesa Social (SDS). Ou seja, nos 180 primeiros dias do ano, 40 mulheres “viraram números” e entraram para as estatísticas dos crimes tipificados como feminicídio.
Assassinato que envolve violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher da vítima, o feminicídio passou a ser considerado como circunstância qualificadora do crime de homicídio em 2015, por força da Lei Federal nº 13.104.
Nos últimos seis dias, ao menos três mulheres foram assassinadas pela condição de gênero em Pernambuco. No dia 7 de agosto, foi encontrada morta Renata Alves da Costa, de 35 anos, em um apartamento no bairro de Campo Grande, no Recife. Entre os dias 9 e 10 do mesmo mês, duas mulheres foram assassinadas com sinais de asfixia: Fernanda Mirtes da Silva, de 20 anos, em Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana do Recife; e Juliana Maria de Souza, de 26 anos, em Catende, na Zona da Mata Sul de Pernambuco.
Renata, Fernanda e Juliana: vítimas do feminicídio em Pernambuco. Foto: Reprodução
Nos dois primeiros casos, os companheiros das vítimas foram presos como principais suspeitos de autoria. A Polícia Civil segue buscando o suspeito pela morte de Juliana, então namorado da vítima.
De acordo com a SDS, em 2021, foram 87 feminicídios oficialmente registrados no Estado, sendo 54 deles no primeiro semestre. Os dados relativos ao mês de julho de 2022 devem ser divulgados no dia 15 de agosto, no boletim feito mensalmente pela pasta.
Brasil é o quinto país mais violento com mulheres no mundo
Atualmente, o Brasil ocupa o quinto lugar no ranking mundial da violência contra a mulher, ficando atrás somente de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia, segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022, com dados referentes a 2021, apontam que 1.341 mulheres foram vítimas de feminicídio no País no último ano. Os principais autores dos casos foram os companheiros ou ex-companheiros das vítimas (81,7%), seguido de parentes (14,4%).
“O feminicídio começa no grito e continua no silêncio da mulher, quando ela não denuncia. Começa na violência psicológica, moral, sexual e institucional. É uma eminência que vai se configurando mediante a sensação de poder do agressor e no aumento do medo da vítima, que silencia e não procura ajuda”, alerta a co-fundadora e vice-presidente do Instituto Maria da Penha, Regina Célia Almeida.
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública também aponta que 37,5% das vítimas de feminicídio em 2021 são mulheres brancas e 62%, negras, e que a grande maioria é de jovens com idades entre 18 e 24 anos. Os principais instrumentos usados nos feminicídios foram armas brancas (50%) e armas de fogo (29,2%).
Infográfico do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022 com o recorte por cor/raça de Mortes Violentas Intencionais (MVI) e de casos de feminicídios. Foto: Reprodução
“Cada vez que o autor aumenta os espaços de poder e controle, o processo de feminicídio chega. Ele se dá bem com os amigos e parentes da vítima, e, quando ela pede ajuda, essas pessoas dizem que não acreditam que ele é assim e aconselham a mulher a relevar”, informou Regina Célia.
Para a vice-presidente do Instituto Maria da Penha, o patriarcado ainda é o principal motivador da violência contra as mulheres, que precisa ser destituído ainda durante a formação das crianças e adolescentes.
“É fundamental que as matrizes curriculares possam constar, desde o ensino fundamental, uma educação em prol da equidade de gênero. Se a gente pegar alguns jovens e ver a concepção de gênero deles, a ideia de namoro, ciúmes e posse, pode ser que (a percepção) não seja diferente daquela dos que estão presos por violência. É um efeito geracional. Existe a síndrome da dominação, em que o homem tem que dominar, que ele não pode ser fraco, que as mulheres querem controlar, que elas são mentirosas… por isso temos um passivo reputacional horrível nas instituições, com violência estrutural e institucional. Hoje, meninas com 13, 14 e 15 anos são vítimas de violência psicológica, sexual e moral, com ataques à sua dignidade, calúnias e difamação”, aponta Regina Célia.
O levantamento de Segurança Pública também apontou que, em 2021, 27.722 casos de perseguição e 8.390 de violência psicológica contra mulheres foram registrados no País. De acordo com a co-fundadora e vice-presidente do Instituto Maria da Penha, é necessário que a população cobre critérios mais rigorosos no sistema de justiça com relação aos autores dos crimes.
“Se a maioria desses homens está nas delegacias, nos sistemas de justiça e educação, esses homens tendem a não darem credibilidade à narrativa da mulher quando ela faz a denúncia em razão ao patriarcado. É necessário descontruir esse pensamento”.
Regina Célia alerta e também faz um apelo para que as vítimas de violência de gênero busquem ajuda e saiam do ciclo de sofrimento e morte.
“A mulher precisa pedir ajuda no primeiro grito, na primeira tapa. Porque ele só vai parar, na ideia do agressor, quando ela morrer. Nós precisamos saber que somos mais fortes. Não tenham vergonha. Não vamos suportar a violência. Dê um basta. Peça ajuda a quem pode tirar você da rota da morte e colocá-la na rota da vida. Lá, você vai encontrar o amor por si mesma e de outras pessoas”.
Violência contra mulher é crime. Denuncie. Foto: Flickr/Gil Ferreira CNJ
No Recife, o Instituto Maria da Penha funciona na Secretaria de Trabalho, Emprego e Qualificação do Estado (Seteq), na rua da Aurora, no bairro da Boa Vista, área central da cidade. O local oferece atendimento, acolhimento e monitoramento às mulheres vítimas de violência nas segundas, quartas e quintas-feiras, das 9h às 13h, e de forma permanente, por meio do perfil oficial no Instagram @institutomariadapenha.
A organização não governamental sem fins lucrativos está ligada à história de vida de Maria da Penha, que nomeia a Lei nº 11.340/2006, de combate à violência doméstica contra a mulher. Lei essa que completou 16 anos de criação no último dia 7 de agosto.
Características de um homem potencialmente violento:
– Aquele que grita e manifesta raiva com facilidade;
– Que demonstra ciúmes constantes;
– Que atribui fatos negativos à companheira;
– Profere difamação;
– Possui sentimento de superioridade;
– Controla a rotina da mulher com amigos e familiares;
– Menospreza opiniões e conquistas.
Como denunciar violência contra a mulher?
A SDS conta com a Patrulha Maria da Penha, os plantões 190 e 14 Delegacias da Mulher para denúncias e atendimentos especializados.
As delegacias especializadas ficam em Santo Amaro (Recife), Prazeres (Jaboatão dos Guararapes), Cabo de Santo Agostinho, Olinda, Paulista, Vitória de Santo Antão, Goiana, Caruaru, Surubim, Arcoverde, Afogados da Ingazeira, Garanhuns, Salgueiro e Petrolina.
Onde não houver uma unidade especializada, a população pode procurar qualquer delegacia de Polícia Civil.
Pessoas próximas, amigos e vizinhos podem colaborar com a rede de proteção de mulheres vítimas de violência. Para denúncias e informações sobre a rede de proteção, a Ouvidoria Estadual da Mulher atende gratuitamente pelo telefone 0800 281 8187. Em caso de emergência policial, a orientação é ligar para o 190 Mulher.
Veja também
ACORDO Dia dos PaisGoverno da Colômbia e ELN concordam em reiniciar diálogo
Cresce número de crianças com pai ausente no Brasil; saiba como garantir reconhecimento na Justiça