- Alejandra Martins
- BBC News Mundo
Neste exato momento, uma chuva de pulsos de laser está chegando à Terra vindos da Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês).
E seu objetivo é revelar até os segredos mais íntimos das florestas do planeta.
A missão GEDI, desenvolvida em conjunto pelo Centro Goddard de Voos Espaciais da Nasa (agência espacial americana) e pela Universidade de Maryland, nos EUA, permite o mapeamento 3D sem precedentes de áreas florestais até mesmo nos locais mais remotos.
“É um satélite do tamanho de uma geladeira, pesa cerca de 500 quilos e está acoplado ou conectado a um dos módulos da Estação Espacial Internacional”, explicou à BBC News Mundo, serviço de notícias da BBC em espanhol, o cientista espanhol Adrián Pascual, membro da equipe científica do GEDI, especialista em mapeamento e gestão de ecossistemas florestais e professor da Universidade de Maryland.
Os dados da missão são fundamentais para compreender quanto carbono as florestas armazenam e qual o impacto do desmatamento na luta contra as mudanças climáticas.
Mas o futuro do GEDI é incerto — e atualmente uma campanha busca garantir a continuidade da missão.
Como funciona o GEDI
GEDI é o acrônimo em inglês para Investigação Dinâmica do Ecossistema Global.
E o cerne do programa é um instrumento que dispara raios laser e está acoplado à Estação Espacial Internacional desde 2019.
“A ISS orbita ao redor da Terra sem parar. E nosso satélite GEDI emite pulsos de laser o tempo todo”, explica Pascual.
Estes pulsos de energia permitem determinar não apenas a altura das árvores, mas também a estrutura das florestas.
“Quando esse pulso de energia chega à Terra, atinge o primeiro elemento que encontra, que são as copas das árvores, e continua a avançar até atingir o solo”.
“O sensor mede a diferença entre o momento em que se detecta o topo das árvores e o solo. E convertendo esse intervalo de tempo em distância, conseguimos estimar qual é a altura da vegetação.”
Para revelar a composição da floresta, os pesquisadores do GEDI estudam mudanças nos padrões das ondas de energia.
“Desta forma, somos capazes de estimar diferentes níveis de vegetação, e isso nos dá uma ideia não só da altura da floresta, mas também de sua complexidade estrutural.”
O GEDI utiliza uma tecnologia de detecção a distância chamada LIDAR, que consiste basicamente em apontar um laser para uma superfície e medir o tempo que leva para retornar à sua fonte.
Não é, no entanto, uma tecnologia nova.
“Mas esta tecnologia nunca havia sido colocada em um satélite e levada para a Estação Espacial Internacional e usada a mais de 400 km de altitude para monitorar especificamente as florestas”, explica Pascual.
Carbono: o dado fundamental
As árvores capturam da atmosfera CO2 ou dióxido de carbono, um dos principais gases de efeito estufa responsáveis pelas mudanças climáticas.
E armazenam grande parte desse carbono, evitando que seja liberado na atmosfera.
“Quando as árvores crescem, sua biomassa aumenta. E aproximadamente 50% dessa biomassa, da madeira dessas árvores, é carbono”, diz Pascual.
“Calcula-se mais ou menos que uma árvore de tamanho médio, a mais genérica que se possa imaginar, retém cerca de 25 kg de dióxido de carbono por ano.”
“Usamos o GEDI para saber então qual é o estoque, o armazenamento de carbono que existe atualmente em todas as florestas do mundo.”
O papel do GEDI na luta contra as mudanças climáticas
Os dados e mapas gerados a partir do GEDI estão disponíveis ao público.
E são vitais para que governos de todo o mundo saibam de forma realista qual é sua capacidade de armazenar carbono.
“No caso de muitos ecossistemas, não se sabe quão altas são as árvores ou como é a floresta”, afirma Pascual.
“Há regiões na Amazônia e em lugares remotos, nas quais não sabemos qual é a altura das árvores e como a biomassa é distribuída.”
O GEDI permite detectar e quantificar mudanças na biomassa resultantes de incêndios florestais ou desmatamento ilegal.
Os dados do GEDI também reforçam a importância de preservar as florestas maduras do mundo, em vez de apenas priorizar novas plantações florestais.
Muitos países incluem o plantio de árvores em seus planos de redução de emissões de CO2.
“É verdade que é preciso plantar mais árvores como parte das soluções para combater as mudanças climáticas, por meio de projetos de restauração de áreas degradadas com potencial de voltar a ter vegetação”, diz Pascual.
No entanto, “para que muitas árvores pequenas substituam o carbono que uma árvore muito grande tem armazenado, são necessárias muitas árvores pequenas, tempo, e que não haja fenômenos nesse meio tempo, como uma derrubada, um incêndio ou um ataque de pragas”.
“Não podemos cair na armadilha de pensar que podemos substituir grandes estoques de carbono como na Amazônia, onde há uma grande quantidade de carbono armazenado, por meio de plantações e projetos de restauração.”
Além disso, o carbono armazenado nas florestas não se encontra apenas acima do solo.
“Debaixo dele, nas raízes das árvores, a quantidade de carbono pode ser quase o dobro da que somos capazes de prever com o GEDI. Por isso é vital proteger os ‘pulmões’ do planeta.”
A campanha para salvar o GEDI
Desenvolver o GEDI e entender como sua tecnologia funciona a partir de uma estação espacial levou quase 20 anos de trabalho prévio. Inúmeros estudos científicos foram conduzidos por pesquisadores como Ralph Dubayah, principal pesquisador do GEDI e professor da Universidade de Maryland.
A missão está programada para ficar operacional apenas até o final de 2023, quando o GEDI seria substituído por outro instrumento na Estação Espacial Internacional.
Tanto pesquisadores quanto representantes de governos estão apoiando atualmente uma campanha para prolongar a vida do GEDI no espaço.
Uma das cientistas que não faz parte da missão, mas usa seus dados é Flávia de Souza Mendes, cientista brasileira baseada na Alemanha que integra o grupo de pesquisa RSATE (acrônimo em inglês para Sensoriamento Remoto Aplicado ao Ambiente Tropical).
Para Mendes, o GEDI desempenha um papel crucial na mitigação das mudanças climáticas.
“As mudanças climáticas vão afetar mais pessoas e países de grupos sub-representados e de baixa renda. Os dados gratuitos do GEDI podem fazer a diferença no apoio à formulação de políticas e a pesquisas em países de baixa renda.”
Por outro lado, “o mercado de carbono está muito aquecido neste momento e estão surgindo muitas empresas que calculam o carbono armazenado na floresta ou em projetos de reflorestamento e florestamento para vender créditos de carbono”.
Adrián Pascual diz à BBC News Mundo que “há uma forte pressão da comunidade internacional para poder manter o GEDI por mais tempo”.
“Porque a cada semana que está lá em cima, temos milhares e milhares de observações que nos permitem chegar a melhores estimativas sobre a altura da vegetação e a biomassa.”
“É uma oportunidade enorme que temos de poder mantê-lo por mais alguns meses ou anos, porque realmente não sabemos quando vamos voltar a ter outra oportunidade como esta”.
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