- Jessica Mudditt
- BBC Future
Quando se trata de diminuir o risco de desenvolver câncer de pele, a infância e a adolescência são períodos críticos.
Pesquisas indicam que a quantidade de exposição ao Sol que uma pessoa tem nos primeiros 20 anos de vida determina em um grau elevado a probabilidade de desenvolver câncer de pele.
Cientistas descobriram, por exemplo, que apenas um caso de queimadura solar com bolhas na infância ou adolescência dobra o risco de desenvolver melanoma, que é a forma mais grave de câncer de pele, no futuro.
A Austrália tem uma das maiores taxas de câncer de pele do mundo, com uma prevalência que é aproximadamente o dobro do Reino Unido e dos Estados Unidos. Um dos principais motivos é o Sol intenso no país da Oceania.
Na verdade, o melanoma é o câncer mais comum para os australianos de 20 a 39 anos, e é tão comum que passou a ser conhecido como o “câncer nacional” da Austrália (nos EUA, é o terceiro câncer mais comum nesta faixa etária).
Mas, em resposta a esta ameaça, o país também desenvolveu algumas das medidas mais eficazes do mundo para a prevenção do câncer de pele — oferecendo lições poderosas para outros países que lidam com verões cada vez mais quentes.
Como a proteção solar precoce pode fazer uma grande diferença, uma mensagem importante dos especialistas australianos é que as famílias estejam cientes do perigo da radiação ultravioleta (UV) do Sol e tomem algumas medidas simples de proteção.
“O UV meio que ‘destrói’ o DNA em células saudáveis”, explica Justine Osborne, gerente de programa do Cancer Council Victoria, no sudeste da Austrália.
“As células vão se reparar quando a exposição aos raios UV parar, mas se você as atingir constantemente com raios UV, não há chance de se repararem. É quando o câncer de pele se desenvolve.”
Globalmente, o câncer de pele foi diagnosticado em 6,7 milhões de pessoas em 2019 — e matou 118 mil.
A pele fina precisa de proteção
Embora a maioria das orientações sobre protetor solar seja aplicável a adultos e crianças, proteger bebês de queimaduras solares requer uma abordagem diferente.
O protetor solar nunca deve ser usado em um bebê de seis meses ou menos, e uma criança com menos de um ano não deve ser exposta diretamente aos raios UV, de acordo com o Cancer Council.
Em vez disso, as proteções apropriadas para bebês incluem roupas leves e folgadas que permitem o fluxo de ar, sombra densa e um chapéu macio que não ofereça risco de asfixia.
“A pele de um bebê é muito fina e sensível, e os bebês tendem a chupar as coisas, o que significa que podem ingerir o protetor solar”, diz Osborne.
“Bebês e crianças pequenas são particularmente suscetíveis aos danos causados pelos raios UV, por isso é muito importante que estejam bem protegidos sempre que o índice UV for três ou mais”.
O índice UV da Organização Mundial da Saúde (OMS) mede a intensidade da radiação ultravioleta do Sol em um determinado dia e local — e varia de 0 (baixo) a maior que 11 (extremo).
Um número mais alto significa que o dano potencial à pele e aos olhos aumenta e pode ocorrer mais rapidamente.
As queimaduras solares em crianças podem ser particularmente perigosas, uma vez que elas também são mais propensas a sofrer de condições relacionadas, como insolação.
Os especialistas recomendam usar fórmulas de protetor solar desenvolvidas para crianças e testar o creme em uma pequena parte da pele primeiro.
“As alergias ao protetor solar de verdade são muito raras, mas quando acontecem, geralmente são causadas pelos ingredientes extras do protetor solar [como fragrâncias], em vez das propriedades que protegem do Sol”, diz Osborne.
Ela ressalta que o protetor solar deve ser armazenado abaixo de 30°C porque, se superaquecer, os ingredientes começam a se separar e perder a eficácia.
“Se você estiver na praia, mantenha o protetor solar no cooler (recipiente térmico) com suas bebidas. Não guarde no porta-luvas do carro. Trate-o como uma coisa preciosa.”
Quanto protetor solar você deve usar?
Embora a pele com pigmentação mais escura geralmente leve mais tempo para queimar, todos os tipos de pele podem ser danificados pelo Sol.
Dependendo de fatores como o índice UV e o tipo de pele, as queimaduras solares podem ocorrer em apenas 10 minutos.
A exposição aos raios UV pode aumentar o risco de câncer de pele, mesmo quando não causa queimadura.
Nos últimos anos, pesquisas também mostraram que a exposição ao Sol pode causar envelhecimento precoce em diferentes tipos de pele, incluindo a pele não branca.
“UV não está relacionado à temperatura. É possível se queimar em um dia frio, mas claro. Você também pode se queimar em um dia nublado. Você não sente até que seja tarde demais”, diz Stuart Henderson, cientista especialista em radiação da Agência Australiana de Proteção contra Radiação e Segurança Nuclear (ARPANSA, na sigla em inglês).
Ele é coautor de uma revisão sobre a eficácia e o uso de protetor solar na Austrália, que descobriu que o filtro solar é seguro para a pele, mas a quantidade e a maneira como é aplicado varia consideravelmente entre os indivíduos.
O protetor solar é uma maneira eficaz de ajudar a prevenir queimaduras solares em crianças com mais de seis meses de idade.
No entanto, há uma confusão generalizada sobre seu uso correto.
Juntamente a mitos prejudiciais (como um bronzeado falso que fornece proteção contra queimaduras), estudos descobriram que as pessoas geralmente aplicam quantidades insuficientes de protetor solar.
Alguns presumem que o filtro é por si só uma proteção completa.
“O protetor solar não é uma armadura: deve ser usado em combinação com algumas outras medidas de proteção”, diz Henderson.
“Deve ser considerado em geral o último recurso quando você não tem outra maneira de proteger a pele.”
Na Austrália, o Cancer Council recomenda outras quatro medidas de proteção solar: roupa, sombra, chapéu de abas largas e óculos escuros.
Sua adoção foi popularizada por meio de uma campanha de saúde extraordinariamente bem-sucedida, lançada décadas atrás na Austrália em resposta ao risco de melanoma específico do país.
Campanha nacional
As taxas anuais de melanoma em mulheres na Austrália são 10 vezes maiores do que as de mulheres na Europa. No caso dos homens, são 20 vezes maiores.
Isso se deve em parte às condições climáticas e ao fato de a órbita da Terra não ser perfeitamente circular: o hemisfério sul está mais próximo do Sol durante os meses de verão do que o hemisfério norte quando é verão lá.
Como resultado, o Sol parece mais intenso em lugares como a Austrália, onde os índices de UV são mais altos em comparação.
(Aliás, o nível mais alto de radiação ultravioleta já registrado na superfície da Terra ocorreu em 2014 nos Andes bolivianos, com um índice UV de 43).
Em 1981, quando os perigos dos raios UV estavam se tornando aparentes, o então Anti-Cancer Council Victoria lançou uma campanha educacional que 40 anos depois continua em andamento.
A campanha SunSmart — também conhecida como campanha Slip, Slop, Slap — usou uma gaivota animada chamada Syd para encorajar as pessoas a “vestir uma camisa, passar protetor solar e colocar um chapéu”.
Essencialmente, uma de suas mensagens centrais é que o protetor solar por si só não é suficiente. Cobrir-se com roupas e procurar sombra também é importante.
Esta é considerada uma das campanhas de saúde comunitária mais bem-sucedidas da Austrália, o que é atribuído à sua longevidade, consistência e bom financiamento.
“Vimos um declínio nas taxas de melanoma em pessoas com menos de 60 anos em Victoria e com menos de 50 anos na Austrália desde a década de 1980, quando a campanha SunSmart começou”, diz Osborne.
“É um grupo de pessoas que costumava abraçar o Sol e adorava se bronzear. Pedir a elas que adotassem medidas de proteção foi um pedido enorme, e foi uma grande mudança cultural.”
“Não há dúvida de que a campanha Slip, Slop, Slap aumentou a conscientização do público em relação à exposição ao Sol e tem sido extremamente eficaz em influenciar nosso comportamento”, afirma Phil Barker, diretor honorário de química da Universidade de Wollongong, na Austrália.
“Mas a mensagem precisa ser constantemente reforçada para educar as novas gerações de pais e filhos.”
Na verdade, recentemente foram reportados incidentes alarmantes de queimaduras solares na Austrália.
Um relatório dos departamentos de emergência de Victoria mostrou que o verão de 2018-2019 registrou o segundo maior número de casos de queimaduras solares desde 2004.
Uma em cada duas pessoas que foram admitidas no hospital com queimaduras solares eram crianças e adolescentes, e uma em cada cinco eram crianças com menos de nove anos.
Alerta de Sol por telefone
Um aplicativo desenvolvido na Austrália e coprojetado pelo Cancer Council Victoria, Arpansa e outras organizações visa ajudar a prevenir o câncer de pele, mostrando aos usuários o índice UV em sua área.
Uma versão global, o aplicativo gratuito SunSmart Global UV, foi lançada pela OMS e parceiros neste ano.
O aplicativo será especialmente útil para quem está de férias em novos destinos, de acordo com Barker.
“Se você estiver indo para um lugar que não conhece, certifique-se de saber qual é o índice UV esperado e adapte suas estratégias de proteção solar de acordo”, diz ele.
Barker está atualmente trabalhando no desenvolvimento de protetores solares de “nova geração”, concebidos especificamente para fornecer proteção nas condições extremas de exposição da Austrália.
Ele estima que podem estar no mercado até 2026.
O futuro do protetor solar?
Desenvolver novas maneiras de lembrar as pessoas de reaplicar o protetor solar pode ser uma área difícil para os cientistas pesquisarem, afirma Elke Hacker, pesquisadora de saúde pública da Universidade Griffith, na Austrália.
“Precisamos saber se a tecnologia desenvolvida no laboratório é útil no mundo real, mas é moralmente inapropriado que os cientistas coloquem pessoas potencialmente em ambientes de risco em que vão estar usando o protetor solar”.
No entanto, Hacker e sua equipe da Universidade de Tecnologia de Queensland encontraram um ambiente onde as pessoas voluntariamente ficam ao Sol por mais de quatro horas: uma partida de críquete.
A equipe estudou o efeito de adesivos de detecção de UV que lembram as pessoas de reaplicar o protetor solar durante quatro dias do Ashes Test de 2017 em Brisbane, na Austrália.
Um total de 428 pessoas completaram o estudo, o que fez dele o maior do gênero.
Os adesivos mudam de cor em resposta aos raios UV — ficam claros quando o protetor solar é recém-aplicado e, quando o filtro perde o efeito e é hora de reaplicar, ficam roxos.
Havia também um grupo de controle de pessoas que só recebeu protetor solar gratuito, sem adesivo; enquanto o grupo dos adesivos recebeu protetor solar gratuito e adesivo.
Os adesivos melhoraram a frequência de reaplicação do protetor solar, levando 80% dos frequentadores das partidas de críquete a reaplicar o filtro, em comparação com 68% no grupo controle.
No entanto, os resultados também destacaram os desafios do uso do protetor solar: 39 pessoas que estavam usando os adesivos ainda sofreram queimaduras, talvez porque simplesmente ficaram expostas ao Sol por muito tempo ou porque o protetor solar não foi reaplicado adequadamente.
“Estudos anteriores mostraram que as pessoas às vezes aplicam apenas metade da espessura recomendada para cobrir a pele”, diz Hacker.
A quantidade correta é de dois miligramas por centímetro quadrado, o que equivale a sete colheres de chá de protetor solar para um corpo de adulto.
Isso equivale a uma colher de chá para cada braço e perna, duas para o tronco, mais uma colher de chá para o rosto, pescoço e orelhas. E deve ser reaplicado a cada duas horas.
Noções básicas de protetor solar
Os especialistas recomendam usar um protetor solar de amplo espectro com fator de proteção solar (FPS) 30 ou superior — e aplicá-lo 20 minutos antes de sair ao Sol.
Isso dará a chance de penetrar nos poros da pele e evitar que seja imediatamente removido pelo suor ou contato.
Se você for fazer coisas como nadar e depois se secar, ou se exercitar e suar, precisará reaplicar.
“As mesmas regras valem para crianças”, afirma Henderson.
As loções podem ser mais eficazes do que os aerossóis — pesquisas sugerem que este último pode oferecer proteção insuficiente em condições de vento.
O último estudo de Hacker na Universidade Griffith testou cinco filtros solares em spray e descobriu que de 28% a 93% do protetor solar foi perdido com ventos de 20 quilômetros por hora — e de 32% a 79% quando a velocidade do vento caiu para 10 quilômetros por hora.
Estes ventos são considerados condições diárias nas praias australianas.
“Em alguns casos, uma pessoa precisaria borrifar um protetor solar em spray por até 250 segundos em cada membro, ou mais do que um frasco, para fornecer proteção adequada a todo o corpo”, diz Hacker.
Algumas pessoas podem considerar apenas ficar longe do Sol, mas Barker lembra que isso não seria prático nem saudável. Outros especialistas concordam.
“Nossos corpos precisam de um pouco de luz solar para a produção de vitamina D, e há outros benefícios em correr ao ar livre, especialmente na infância. Há uma relação entre crianças que não passam tempo suficiente ao ar livre e o desenvolvimento de miopia”, observa Henderson.
Em vez disso, uma boa opção é aproveitar o Sol de verão no início e no final do dia, quando os raios UV estão mais baixos.
Na Austrália, há ainda outra técnica para lembrar disso: entre 11h e 15h, vá para debaixo de uma árvore.
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