- Daniel Pardo
- Correspondente da BBC News Mundo na Colômbia
Primeiro presidente de esquerda da história da Colômbia, Gustavo Petro toma posse neste domingo (7/8) com um desafio: conciliar uma agenda reformista ambiciosa, que se pretende histórica, com uma grave crise econômica.
Ex-guerrilheiro, economista, ex-prefeito de Bogotá e deputado de destaque por duas décadas, Petro chegou ao poder graças à sua proposta de mudar o cenário deste país desigual e violento.
Seu plano de governo é talvez o mais ambicioso que já chegou ao poder no país.
Propõe mudanças estruturais nos sistemas trabalhista, previdenciário, educacional e de saúde. Aspira aprovar a tão esperada e polêmica reforma agrária. Quer direcionar a economia para uma produção limpa e não extrativista.
Petro, no entanto, assume um país em crise, o que limita seu espaço de manobra: pobreza, desigualdade, inflação, valor do peso colombiano, endividamento e déficits fiscais e em conta corrente estão todos no vermelho. Uma anomalia para uma economia tradicionalmente estável.
Soma-se a isso o contexto internacional, com as grandes economias à beira da recessão, inflação disparada e o aumento das taxas de juros nos países desenvolvidos afetando economias emergentes como a Colômbia.
Desde que foi eleito, em junho, Petro se dedicou a acalmar os temores de que sua agenda esquerdista pudesse se traduzir em expropriações, gastos públicos desenfreados ou constrangimento do setor privado.
Para isso, forjou alianças com os partidos políticos tradicionais, arquitetos do atual modelo colombiano. E nomeou como ministro da Fazenda José Antonio Ocampo, renomado professor socialdemocrata que trabalhou por uma década na ONU (Organização das Nações Unidas) e ocupou a pasta há 25 anos.
“Não vou propor loucuras, nem vou aceitar loucuras”, disse Ocampo ao jornal colombiano El Tiempo esta semana. “Modéstia à parte, minha nomeação faz parte da credibilidade que o novo governo tem com o compromisso de manter a casa em ordem.”
Os problemas
Na mesma entrevista, Ocampo alertou sobre a complexa situação do novo governo. Quando questionado sobre o que tira seu sono, respondeu: “Combinar a necessidade de ajuste fiscal com a demanda por recursos para maiores gastos com programas sociais.”
O relatório de transição apresentado esta semana pelo novo governo reportou ter encontrado um Estado subfinanciado (isto é, com menos recursos do que o necessário), com enormes dívidas no setor de saúde, falta de recursos em entidades chave, orçamentos aprovados sem possibilidade de execução e lacunas em subsídios cruciais como o da gasolina.
O presidente em fim de mandato Iván Duque defende que sua gestão foi a que mais investiu em igualdade na história, por ter regularizado a situação de milhares de migrantes venezuelanos e inaugurado importantes obras de infraestrutura.
Hoje a Colômbia é uma das economias que mais crescem na região, de acordo com o último relatório do FMI (Fundo Monetário Internacional).
No entanto, Duque deixa o cargo com 20% de aprovação, segundo pesquisas, e com críticas de especialistas como Leopoldo Fergusson, professor da Universidade dos Andes: “Duque foi muito irresponsável fiscalmente, fez tudo o que um candidato ortodoxo como ele não deveria fazer.”
“Tudo o que foi feito antes da pandemia [aumentar os gastos e flexibilizar a regra fiscal com o argumento da migração venezuelana] nos fez receber a pandemia com as finanças públicas em crise”, critica o economista.
Se Petro quiser manter certa estabilidade macroeconômica, terá então que fazer um ajuste: cortar os gastos do Estado para que o déficit fiscal caia, e assim conter a inflação e a desvalorização cambial.
Para isso vai precisar de dinheiro. E de ainda mais dinheiro se quiser cumprir suas promessas ambiciosas em educação, transporte e uma longa lista de anseios frustrados por décadas.
As reformas de Petro dependem dos recursos em caixa e emitir dívida não é exatamente uma opção, pois o país já deve o equivalente a 50% do PIB (Produto Interno Bruto), e os juros estão altos desde a perda do grau de investimento em meio a uma crise política em 2021.
O grau de investimento é um “selo de bom pagador” atribuído por agências internacionais de avaliação de risco, que atesta que um governo tem boas condições de arcar com seus compromissos financeiros. Ele permite captar recursos no mercado financeiro a custos mais baixos.
Por conta de tudo isso, o legado de Petro estará em jogo já em sua primeira reforma: a tributária. Questão sensível pois, há pouco mais de um ano, o país entrou em convulsão social após uma proposta apresentada por Duque.
Ocampo anunciou que o projeto será apresentado na segunda-feira (8/8), um dia após a posse presidencial. E o líder da bancada de apoio a Petro e presidente do Senado, Roy Barreras, fala em aprovação “fast track” (por via rápida) no primeiro ano de legislatura. Eles sabem que a lua de mel pode ser curta.
“Petro aposta tudo na reforma”, diz Fergusson, da Universidade dos Andes. “Sua capacidade de não assustar, de conseguir dinheiro e de dar noções de direção”.
As soluções
A economista Marcela Eslava explica que o atual sistema tributário na Colômbia tem dois problemas estruturais: “A arrecadação é insuficiente para cumprir sua obrigação constitucional de reduzir a desigualdade e é muito pesada para as empresas, por isso não gera igualdade, nem prosperidade”.
A isso se somam as isenções, intrincados mecanismos legais usados por milhares de colombianos para pagar menos impostos. E uma rede de formas de arrecadação considerada por organizações especializadas como um dos sistemas tributários mais complexos do mundo.
“Há muitas pessoas que fizeram fortuna na Colômbia e evitam cumprir com sua contribuição, o que nos impede de construir uma sociedade mais justa e segura”, diz Ocampo.
O novo ministro teve que desmentir relatos de que o imposto sobre ganhos ocasionais — recursos da venda ocasional de bens, ganhos econômicos excepcionais ou ganhos em rifas e loterias — será elevado dos atuais 10% para 35% e que o IVA (Imposto sobre Valor Agregado, que incide sobre o consumo de bens e serviços) aumentará.
Ele também diminuiu a urgência de uma das propostas mais polêmicas de Petro durante a campanha: a de acabar com a exploração de petróleo, maior fonte de receitas do país.
Embora os detalhes ainda não sejam conhecidos, Ocampo diz que o principal objetivo da reforma é que as pessoas físicas de alta renda contribuam mais e que as isenções sejam regulamentadas.
É provável também que ele implemente um imposto sobre o patrimônio para os mais ricos. Em todas essas áreas a Colômbia têm alíquotas muito mais baixas do que o recomendado por organizações internacionais.
Com a reforma, a nova gestão pretende arrecadar o suficiente para cobrir o déficit e pagar os compromissos da dívida, que é o mais urgente. E Petro prometeu aumentar a assistência aos mais pobres no dia seguinte à sua posse.
A reforma também espera aliviar a pressão sobre as empresas para incentivar a produção, obsessão de Ocampo como economista estruturalista, corrente que prega um capitalismo equitativo, eficiente e desenvolvido.
Durante a campanha, Petro disse que sua reforma tributária tentaria gerar ganhos de 50 trilhões de pesos, cerca de R$ 59 bilhões, o equivalente a 5% do PIB colombiano. É muito. Parece inviável. É o dobro do que a reforma de Duque, que desencadeou uma revolta popular em 2021, pretendia arrecadar.
“Mas, se algum governo tem a economia política do seu lado para minimizar as dificuldades, é o governo de Petro, porque a mobilização social que derrubou a reforma [de Duque] foi acompanhada por ele e os grupos que se sentiram excluídos são acolhidos por ele”, diz Eslava.
Recém-eleito, sem desgaste político e com seu “acordo nacional” às vésperas de entrar no Congresso, Petro provavelmente vai propor a reforma tributária mais ambiciosa dos últimos tempos. Dela dependerá o sucesso do seu governo.
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