- Ekaterina Netchaeva*
- The Conversation
A disparidade de gênero em termos de salário, cargos e até aposentadorias para as mulheres que trabalham é algo conhecido, mas pesquisas indicam que também se destaca nos últimos anos a disparidade de gênero com relação às aspirações profissionais.
Essa disparidade ocorre quando as mulheres não aspiram a subir de posto da mesma forma que os homens, o que pode afetar os esforços para incentivar mais mulheres a candidatar-se a cargos de liderança no trabalho.
A tendência mundial à promoção da igualdade social nos últimos anos vem sendo incentivada por pesquisas contínuas que mostram como as mulheres são subrepresentadas em cargos de liderança no mundo dos negócios. Pesquisas recentes indicam, por exemplo, que, embora a participação das mulheres em cargos de gerência esteja aumentando paulatinamente (um fenômeno conhecido em inglês como “leaky pipeline” ou “tubulação com vazamento”) significa que menos mulheres atingem os cargos mais altos nas companhias.
Essa situação levou legisladores e líderes de empresas a criar iniciativas em favor da diversidade, para tentar equilibrar a balança. Afinal, pesquisas mostram evidências de melhor desempenho financeiro entre as organizações que têm mais mulheres ocupando cargos de nível sênior, além de benefícios econômicos mais amplos ao garantir que as mulheres consigam atingir todo o seu potencial econômico.
Essas iniciativas tendem a concentrar-se na eliminação do viés em diversos estágios, desde a contratação até a promoção.
Algumas empresas também oferecem opções de trabalho flexível, como a possibilidade do trabalho remoto. E criar uma cultura de inclusão e apoio também pode ajudar, como programas de mentoria, por exemplo.
O objetivo do aumento da participação das mulheres em cargos de liderança inegavelmente é bem intencionado. Mas, ao implementar essas iniciativas em favor da diversidade, os líderes das empresas precisam pensar se as mulheres realmente querem ocupar esses cargos de liderança.
Na verdade, muitas mulheres atualmente não aspiram a ser líderes, segundo uma pesquisa que conduzi com Leah Sheppard, da Universidade do Estado de Washington, nos Estados Unidos, e Tatiana Balushkina, da Universidade de Milão-Bicocca, na Itália.
Nossa análise comparando as aspirações dos homens e das mulheres para cargos de gerência e liderança demonstra que os homens têm muito mais propensão a aspirar a cargos de liderança do que as mulheres.
Analisamos seis décadas de pesquisas, com uma amostra final de mais de 138 mil participantes americanos. Também criamos uma simulação com base nesses resultados, que revelou que, em companhias com oito níveis hierárquicos, a diferença de gênero nas aspirações de liderança traduz-se em 2,13 homens para cada mulher no nível organizacional mais alto.
Nossas pesquisas indicam que a diferença das aspirações surge perto da idade da faculdade. É uma época em que muitas pessoas têm o primeiro vislumbre da sua vida profissional, por meio de estágios ou empregos de verão.
Também descobrimos que o setor de atividade é importante. A disparidade de gênero na aspiração profissional certamente pode ser observada em campos dominados pelas mulheres, como enfermagem e educação, mas é muito maior em campos mais mesclados e dominados pelos homens, como a política e os negócios.
Mesmo com o aumento das iniciativas de diversidade, especialmente na última década, nossa análise demonstra que a diferença de gênero nas aspirações de liderança permaneceu inalterada ao longo dos últimos 60 anos. Isso pode sugerir que as iniciativas de diversidade atuais não abordam as preocupações das mulheres sobre esses papéis, ou que as iniciativas são muito generalizadas e precisam ser mais adaptadas às necessidades específicas das mulheres.
Nossas pesquisas indicam que as iniciativas de diversidade das empresas não estão funcionando.
Por isso, os gerentes e líderes das empresas precisam fazer um trabalho melhor para levar em conta as reais aspirações das mulheres no desenvolvimento dessas iniciativas. Um bom começo seria tentar entender as razões específicas por trás das menores aspirações profissionais das mulheres, especialmente em ambientes dominados pelos homens.
Embora não tenhamos conseguido testar uma explicação para a disparidade de gêneros nas aspirações profissionais, acreditamos que isso pode ter a ver com o processo de “autoestereotipagem”. Ele ocorre quando os indivíduos internalizam estereótipos de gênero, adequando-se voluntariamente às normas sociais.
Para as mulheres, isso pode significar a internalização de um estereótipo mais generalizado, que as leva a acreditar que têm menos aparência de líderes. Não surpreende que essas mulheres não costumem aspirar a posições de liderança.
Já os homens podem internalizar o estereótipo de “agente” masculino, que os faz pensar que têm maior controle sobre si próprios e sobre os demais — o que também se alinha com o estereótipo de muitas pessoas sobre os líderes.
É claro que outras explicações são possíveis. Elas podem incluir mulheres que têm mais experiências negativas no ambiente de trabalho, como viés e discriminação, que as impedem de aspirar a cargos de liderança.
Também é possível que as mulheres fiquem preocupadas em aceitar um cargo de liderança porque a responsabilidade decorrente pode prejudicar suas vidas familiares. Muitas vezes, por exemplo, as mulheres têm mais poder de decisão em casa — tanto que elas têm menos interesse em ganhar poder no ambiente de trabalho.
Qualquer tentativa de apoiar as mulheres deve começar com intervenções específicas e dirigidas, como desenvolver esquemas de mentoria ou destacar modelos de cargos. As empresas também devem concentrar-se em mulheres que exibem potencial de liderança no início das suas carreiras, oferecer a elas recursos que sejam úteis e apoiar o seu progresso dentro da empresa.
Nossos resultados indicam que as intervenções destinadas a aumentar as aspirações das mulheres à liderança devem idealmente ocorrer antes da faculdade ou durante a graduação. As mulheres nesta etapa da carreira podem beneficiar-se especialmente da oportunidade de observar e interagir com outras mulheres que já ocupem cargos de liderança.
É possível criar iniciativas de diversidade de gênero que façam mais para aumentar a quantidade de mulheres que atingem os escalões superiores dos negócios. E abrir espaço para que mais mulheres ocupem posições de liderança não é apenas questão de justiça, pois isso pode também trazer impactos positivos para os resultados das empresas.
*Ekaterina Netchaeva é professora assistente da Universidade Luigi Bocconi, em Milão, na Itália.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original em inglês.
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