Neste domingo (31), é memorado o Dia Nacional do Vira-lata. A nomeclatura, encontrada apenas no Brasil, é vinculada ao hábito de animais famintos que viram latas de lixo em busca de comida, se refere a cachorros sem raça definida (SRD). Estes, que não pertencem a um grupo específico de cães, infelizmente ainda figuram entre os animais que mais passam por situação de abandono.
Aqui, em homenagem a esse amado animalzinho que não merece o descaso que recebe, algumas histórias dramáticas com finais felizes de membros da redação da Folha de Pernambuco com seus vira-latas serão contadas. Neste texto, o termo usado para se referir aos cães SRD será vira-lata, para que fique mais próximo do falar corriqueiro que temos e para que não seja esquecida a fome que esses animais vivenciam ao passar por abandono.
Kodak, cãozinho adotado pela fotógrafa Melissa Fernandes
Fotografando uma pauta sobre um dos canais da Região Metropolitana do Recife, Melissa Fernandes se deparou com um filhotinho de vira-lata na iminência de cair na água do canal cheio. Ali, ela fez fotos da matéria que sairia no jornal no dia seguinte e voltou para casa com Kodak, nome dado em homenagem à arte que faz ao fotografar, adotado.
“Foi muito aleatório, era uma pauta no Canal do Fragoso (Olinda), e vimos um cachorrinho bem miudinho, chorando, ele não conseguia nem andar e ele estava no parapeito do Canal do Fragoso…A pessoa que colocou ele lá colocou ele em cima de um negócio para ele realmente cair e morrer”, contou Melissa.
De acordo com a fotógrafa, ela precisou deixar Kodak em um lar temporário até convencer sua avó a adotar o pequeno. Atualmente, ele tem seis meses e vive cercado de amor e carinho.
Representando a situação crítica de muitos vira-latas, Panda, uma cadelinha branca com manchinhas pretas no olho e caramelo no corpo, foi encontrada em uma lata de lixo. A situação aconteceu há 15 anos e, ao ver a situação da cachorrinha, o editor-adjunto de fotografia da Folha de Pernambuco, Alfeu Tavares, não resistiu e adotou a pequena, que ainda era filhote.
“Ela tinha uma mancha no olho que era preta. Por isso Panda”, explicou Alfeu, sobre o nome da cadelinha.
“Achei jogada fora numa lata de lixo, mais ou menos com 40 dias de nascida. Hoje, com idade avançada, ela curte pegar no sono em uma cadeira que tomou para si dentro de casa”, informou Alfeu.
Tutora de alguns vira-latas, a editora de Política da Folha de Pernambuco, Danielle Romani, encontrou cada um de seus cãezinhos em situações distintas. Pipoca, a mais velha, foi adotada ainda na barriga de sua mãe.
“Pegamos ela de um catador de lixo, que tinha como ajudante uma cadela chamada Raquel e um cachorro chamado Pega Leve. Quando Raquel ficou prenha, adotamos o filhote ainda na gravidez”, informou Danielle. Atualmente, Pipoca tem 11 anos e é uma ‘senhora charmosa e inteligentíssima'”, nas palavras de sua tutora.
Luna, a outra cadelinha adotada por Danielle, foi encontrada em uma situação de violência. “Encontrei-a levando vassouradas numa noite de superlua, em novembro de 2011. Tinha uns 2 meses. Desde então, somos unha e carne. Ela dorme e acorda comigo. São 10 anos de muito amor”, contou a tutora.
Luna, se esbaldando na areia da praia
Outra cadelinha salva por Danielle foi Clara, a Clarinha para os mais íntimos.
“Um dia, em 2017, meu marido saiu às 6h da manhã para comprar pão e encontrou ela amarrada numa árvore. Ele voltou pra falar comigo, para ficarmos com ela e eu não deixei. Já tínhamos quatro cachorros e uma gatinha. Ele passou a manhã toda na árvore, com ração e comida para ela. Soubemos que alguém a tinha abandonado lá de madrugada. Quando deu meio-dia e ninguém a resgatou, não aguentei. Fui lá e pegamos ela”, contou.
Atualmente, Clarinha tem 5 anos e é a mais medrosa da casa. Sua tutora acredita que é um trauma ainda pelo tempo que passou amarrada na árvore, sozinha e abandonada.
Katarina Bandeira, responsável pelo Blog de Tecnologia e Games da Folha de Pernambuco, é tutora de uma cadelinha chamada Aurora.
“Minha história com Aurora começou pelo Instagram. Uma colega minha publicou a foto dela com os irmãos na rede social, pedindo por uma adoção responsável. No texto, ela contava que a mãe de Aurora foi jogada grávida de um carro em movimento na frente do trabalho dela e, poucos dias depois, entrou em trabalho de parto dando à luz a vários filhotinhos. Essa minha colega pegou todos eles, colocou num abrigo e cuidou até eles ficarem perto de fazer um mês, mas agora estava procurando um lar porque não conseguiria arcar com os custos por mais tempo. Aquela história me tocou muito e eu cheguei para meu companheiro e falei ‘amor, achei nossa filha’”, contou Katarina.
Aurora, da tutora Katarina, costuma participar ativamente de todos os eventos comemorativos do ano
Katarina ainda informou que Aurora só ganhou o nome por ser dorminhoca. Ela estava dormindo quando o casal foi em busca de um filhote para adotar e dormiu durante todo o percurso até a nova casa. Aurora é a princesa da Disney que protagoniza o filme “A Bela Adormecida”. Na produção, a personagem dorme por muitos anos antes de ser despertada por um verdadeiro amor.
“Eduardo olhou para mim e disse: ‘Amor, acorda ela, para ela ter uma chance’. E que chance, viu? Acordei a cadelinha, que olhou pra mim com o rabinho balançando, andou até Eduardo bem felizinha, fez uma festinha e dormiu no pé dele. Foi aí que a gente soube que não tinha outra, era ela. Afinal, não é a gente que escolhe o cachorro, né? É o cachorro quem nos escolhe. Atualmente, Aurora tem dois anos e oito meses sob os cuidados do casal que a adotou.
Com apenas algumas histórias de cachorros vira-latas já foi possível perceber o quão é comum encontrar com esses animais em situações de violência, risco de vida ou abandono. A castração de animais em situação de rua, a punição para pessoas que cometem violência contra animais (que é um crime federal) e a adoção de pets sem raça definida são capazes de mudar a história de vira-latas. Os abrigos “Abrigo de Seu Alberto” (@abrigodeseualberto) e “Abrigo Amigo Bicho” (@abrigoamigobicho), que atuam na Região Metropolitana do Recife (RMR), dependem de doações para seu funcionamento e sempre dispõem de animais em busca de um novo lar. Caso esse tema toque seu coração, faça uma adoção responsável.
Escolha e abandono
A Organização Mundial de Saúde estima que existam, no Brasil, cerca de 30 milhões de animais abandonados; desses, 20 milhões são cães e 10 milhões são gatos. Segundo a Ampara Animal, uma organização de proteção animal que atua no país, o abandono de pets cresceu 61% entre junho de 2020 e março de 2021. A grande maioria se trata de animais sem raça definida.
Como vira-latas não são animais de origem específica, não representam uma raça, por muitas vezes são colocados em uma segunda opção quando o assunto é a busca por um cachorro.
“Os cães de raça, para a sua criação, surgiram do cruzamento de outras raças, com o intuito de adquirir características físicas e comportamentais específicas, buscando aparência, como pelagem e tamanho, ou uma raça mais calma ou mais ativa…Com o vira-lata não se sabe a origem específica, sem a interferência humana, ele foi criado de forma natural”, explicou o veterinário Pedro Giovannetti, da Cobasi.
Por serem, em sua maioria, comprados, animais de raça são levados para casa com mais planejamento e responsabilidade. Já vira-latas são, muitas vezes, adotados por impulso. Sua permanência com seus tutores nem sempre é tão garantida e, muitas vezes, o animal volta para a rua ou para o abrigo de onde foi tirado.
Para ter certeza sobre a adoção de um pet, é preciso que o tutor se faça algumas perguntas:
1- Tenho tempo para dedicar a esse animal?
2 – Tenho espaço para que o animal viva confortável?
3 – Vou ter paciência na adaptação do animal ao ambiente da minha casa?
Após a análise das questões e a concordância entre todas as pessoas da casa, a adoção pode ocorrer de forma mais planejada e com menos riscos de “arrependimento” que pode levar ao crime de abandono.
Mitos e verdades
Respostas pelo veterinário Pedro Giovannetti
– É mais difícil encontrar cachorro de rua de pequeno porte?
Mais ou menos. Atualmente, no Brasil, os cães SRDs de porte médio e grande se destacam como a maioria da população de rua e de animais disponíveis para adoção nas ONGs. No entanto, isso não quer dizer que os cães de porte pequeno sejam mais difíceis de serem encontrados. Na realidade, há, também, uma preferência dos tutores por cães SRD filhotinhos e de porte pequeno, assim, esses animais ficam menos tempo disponíveis para adoção e, nas ruas, o que nos passa essa “sensação” de que são mais difíceis de serem encontrados.
– Cães de raça são mais propensos a doenças do que vira-lata?
Muitas raças, por conta do cruzamento de outras raças, com o intuito de adquirir características físicas e comportamentais específicas, acabaram desenvolvendo doenças genéticas, por exemplo cães braquicefálicos (com o focinho mais curto e achatado), sendo mais propícios a terem problemas respiratórios, ou raças grandes e/ou gigantes criadas, mais propícias a problemas articulares… Criado de forma natural, sem interferência humana, o vira-lata acaba desenvolvendo uma certa resistência a doenças genéticas. Mas isso não justifica a falta de cuidados, pelo contrário, são necessárias as consultas periódicas ao médico veterinário, vacinação, vermifugação, antiparasitários, para evitar ou identificar possíveis doenças, ou seja, todo cuidado é bem-vindo quando se trata da saúde dos pets.
– Cachorros de rua resgatados são mais carinhosos?
Sou suspeito para falar. No começo da pandemia, resgatei uma cachorrinha da rua, e podemos entender um pouco esse perfil: um animal assustado, com deficiências nutritivas, dificuldade de socialização e alguns traumas. A partir do momento em que ajudamos com uma casa, conforto, alimentação, amor e carinho, percebemos o quanto os cães de rua são gratos por cada cuidado oferecido, é perceptível o olhar de gratidão, até por lembrar das dificuldades vividas na fase da rua.
– Vira-latas são mais resistentes ao frio?
Não! Na verdade, é o contrário! A maioria dos animais vira-latas são animais de pelos curtos, isso porque dificilmente vêm cruzamentos de animais de linhagens de pelos longos. Assim, em temperaturas mais baixas, eles sentem frio e, inclusive, precisam de mais atenção com roupinhas, mantas e caminhas para se manterem aquecidos.
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