Abi Morgan, a renomada roteirista britânica de filmes como A Dama de Ferro e As Sufragistas, lembra do choque que sentiu quando o marido acordou de um coma induzido após sete meses e não a reconheceu: “Ele achou que eu era uma impostora”.
Seu pesadelo começou em junho de 2018. O ator Jacob Krichefski, diagnosticado com esclerose múltipla desde 2011, acordou naquele dia com uma forte dor de cabeça.
“Quando cheguei no quarto, encontrei ele deitado no chão do banheiro. Estava semiconsciente, mas bastante desorientado”, conta Abi.
Foi a primeira vez que algo assim aconteceu, e Jacob foi levado rapidamente para o hospital.
“Lá vi que era algo sério, embora ele já tivesse voltado a si. Fizeram uma ressonância magnética”, lembra Abi.
Tratamento
Em um primeiro momento, os médicos não encontraram o problema. “Quando os resultados do exame voltaram, eles disseram que estava tudo bem, que provavelmente era uma infecção e que o manteriam em observação.”
Mas Jacob não melhorava. Pelo contrário. Ele teve convulsões e apresentou um comportamento cada vez mais estranho. Os médicos não conseguiam descobrir o que estava acontecendo.
“Naquela semana, perguntei a uma médica se ele ia morrer, e ela disse, ‘sim, ele pode’.”
Quando Jacob estava na unidade de terapia intensiva, os médicos descobriram que ele tinha um tipo de inflamação cerebral chamada encefalite anti-NDMA, mas os medicamentos pareciam não funcionar. Sua pressão arterial flutuava, e a respiração estava ficando cada vez mais difícil.
“Na segunda semana, os médicos disseram que a única maneira de mantê-lo vivo e estável era colocá-lo em coma induzido”, explica Abi.
“Assim, poderiam controlar suas funções enquanto tentavam curar a encefalite”, acrescenta.
“O risco de entrar em coma é não voltar. Mas os benefícios superavam os riscos. Jacob não sobreviveria se não conseguissem controlar sua pressão arterial e outros sinais vitais. Precisava confiar nos médicos.”
Meses depois, os médicos descobriram que o colapso aconteceu devido a um medicamento que ele estava tomando para esclerose múltipla, como parte de um teste do qual fazia parte.
O despertar
Jacob foi colocado em coma induzido no final de junho de 2018 e acordou no final de janeiro de 2019.
“Um médico uma vez me avisou que quando ele acordasse seria muito difícil, porque seria uma pessoa completamente diferente”, diz Abi.
“Haviam me alertado que ia ser diferente, a surpresa foi que, nos três primeiros dias, parecia ser Jacob. A anestesia demora vários dias para passar.”
Então, no começo, ele simplesmente parecia estar só um pouco desorientado.
Abi passou da emoção e felicidade de vê-lo acordado novamente a notar pequenas diferenças de atitude em relação a ela.
“Um dia, alguns amigos vieram, e ele me disse: ‘Você pode ir agora. Pode esperar lá fora’, e a maneira como ele falou isso não era como falaria com alguém que conhece.”
“Um dia, sua família veio. Entrei no quarto, e todos ficaram muito felizes em me ver. Gravei tudo. Toda vez que falava algo, ele olhava para a câmera, e percebia que algo não estava certo. Estava irritado. No começo, pensei que ele estava apenas um pouco mal-humorado, que tinha que processar muita coisa.”
“Mas, então, chegou o Dia dos Namorados. Ele já estava acordado há mais de um mês”, diz ela. “As enfermeiras tinham rosas, deram uma para Jacob e disseram: ‘Dê uma rosa à sua mulher’. Ao que Jacob respondeu: ‘Esta não é minha mulher’.”
Abi admite que a princípio, embora tenha ficado chocada, achou que ele estava brincando, porque eles não eram casados no papel, apesar de estarem juntos há mais de duas décadas e terem dois filhos.
Não podia acreditar que aquilo estava realmente acontecendo. “Não conseguia parar de tremer. Estava em choque.”
Mais tarde, foi confirmado que ele não acreditava que ela fosse Abi Morgan, mas uma impostora.
“Uma vez, ele chamou meu irmão de canto e perguntou se ele achava que eu era Abi, porque não era. Meu irmão respondeu: ‘Estou vendo que você não acredita, mas sim, é minha irmã’.”
O irmão dela perguntou então onde ele achava que a verdadeira Abi estava — e Jacob respondeu que ela havia ido embora e tinha uma nova vida com outra pessoa.
Além disso, não hesitou em descrevê-la como uma mulher diferente: alta, com cabelo preto e olhos azuis. “Foi por isso que não conseguia me reconhecer nas fotos.”
Um neurocientista explicou que ele sofria da Síndrome de Capgras, que é um delírio no qual se crê que alguém, geralmente um membro da família, foi substituído por um impostor.
“Estava furiosa, mas determinada em encontrar uma maneira de fazê-lo ver que isso não era racional”, diz ela.
O delírio só aconteceu em relação a ela — ele reconheceu o resto das pessoas sem problemas.
Com o tempo, Jacob passou a “tolerá-la”. “O que eu realmente odiava era quando as pessoas me diziam: ‘Bem, agora vocês podem se apaixonar de novo’.”
Para facilitar a recuperação de Jacob, Abi decidiu dizer que era alguém que o Estado havia contratado para ajudar a ele e a seus filhos.
“Caso contrário, ele não conseguia entender por que eu continuava indo todos os dias e cuidando de seus filhos.”
“Quando você se depara com o fato de que alguém pode morrer, faz qualquer coisa para manter essa pessoa viva”, explica Abi sobre a decisão de aceitar seu novo papel na vida de Jacob.
De volta para casa
A reabilitação de Jacob durou meses. Finalmente, em setembro de 2019, ele conseguiu voltar para casa, mas precisou de cuidados 24 horas por dia. Só cerca de sete meses depois reconheceu a companheira novamente.
“Quando tinha um bom dia, era 10% de si mesmo. Era alguém completamente diferente”, recorda.
Foram meses difíceis. “Sentia falta desesperadamente do outro Jacob. Acho que todos nós sentíamos.”
Como se não bastasse a situação do marido, um alerta soou dentro de Abi em abril de 2019, logo após Jacob sair do coma, enquanto ele ainda estava no hospital. Algo estava errado. Ela tampouco se sentia bem.
“Comecei a sentir uma dor terrível no peito e decidi ir a uma clínica oncológica. Em menos de duas semanas, fui diagnosticada com câncer de mama. Eu me lembro de pensar que estava tão focada na mortalidade de Jacob que tinha esquecido da minha própria”, afirma.
“Fizeram uma mastectomia e retiraram um tumor de seis centímetros. Tive muita sorte. Não havia se espalhado para meus gânglios linfáticos. Fiz 24 semanas de quimioterapia e radioterapia”, acrescenta.
O tratamento terminou em março de 2020, pouco antes do início da pandemia de covid-19.
A provação pela qual o casal passou ficou para trás. Jacob já está “99%” de volta ao normal e não precisa mais de cuidados diários. Eles se casaram oficialmente no final de maio de 2021.
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