- Julia Braun
- Da BBC News Brasil em São Paulo
Até a última sexta-feira (15/7), 351 casos de varíola dos macacos haviam sido confirmados no Brasil, segundo o Ministério da Saúde.
Um dos casos identificados é o de Thiago. Ele foi diagnosticado no Instituto Emílio Ribas, hospital público especializado em infectologia em São Paulo, depois de ter febre alta, calafrios, mal-estar generalizado e lesões em todo o corpo.
Sua principal reclamação é de dor, inchaço e ardência nos genitais, onde se formaram pelo menos nove lesões cutâneas.
“Dói e coça muito”, relatou Thiago à BBC News Brasil. “A região também está bastante inchada – às vezes, parece que está pegando fogo.”
A varíola dos macacos é uma doença causada por um vírus da mesma família da varíola humana, mas com consequências muito menos sérias aos infectados.
É transmitida quando alguém tem contato próximo com uma pessoa infectada. O vírus pode entrar no corpo por lesões da pele, pelo sistema respiratório ou pelos olhos, nariz e boca.
Os sintomas incluem erupções cutâneas, febre, dor de cabeça, dor nas costas ou musculares, inflamações nos nódulos linfáticos, calafrio e exaustão.
Os sintomas do Thiago começaram no dia 10 de julho. “Primeiro senti calafrios muito fortes e, em seguida, veio a febre alta, dor de cabeça e muito mal-estar. Meu corpo parecia que estava todo quebrado”, conta.
“Achei que poderia ser um resfriado ou até covid-19, mas, no dia seguinte, ao tomar banho, notei as primeiras lesões nas costas e no pênis.”
Até o momento, Thiago já identificou lesões cutâneas nos pés, coxa, braço, barriga, peito, rosto e nos genitais. “São quase como espinhas inchadas e doloridas”, diz.
O paulista procurou o hospital no terceiro dia de sintomas, depois que um amigo com quem havia estado uma semana antes recebeu o diagnóstico positivo para varíola dos macacos.
No Instituto Emílio Ribas, um teste confirmou que ele tinha o vírus. Também fez exames para algumas doenças sexualmente transmissíveis, que retornaram negativos.
“Demorei a ir para o hospital, porque estava praticamente impossível vestir uma roupa tamanha a dor que sentia. Só no trajeto de carro até lá a dor e o inchaço pioraram muito.”
No hospital, Thiago conta que os médicos receitaram anti-inflamatório, remédio para dor e uma pomada anestésica, que tem ajudado com a sensação de ardência.
“A pomada ajuda, mas, após quatro horas, para de fazer efeito, e a dor retorna.”
Thiago e o amigo não estiveram fora do Brasil nos últimos meses, o que os leva a crer que foram infectados aqui.
“Assim que saí do hospital, liguei para amigos com quem tive contato nos dias anteriores e avisei a administração do meu prédio sobre o diagnóstico”, relata.
Atendimento no hospital
Além do incômodo com a dor e coceira, Thiago diz ter passado por momentos de frustração no hospital.
Segundo ele, o primeiro médico que o atendeu recomendou que ele passasse a noite no hospital para acompanhar o desenvolvimento das lesões nos genitais. Porém, após uma troca de turno, diz ter recebido alta sem muitas explicações.
“Eles disseram que não havia um urologista para me atender naquele momento e que eu deveria ir para casa.”
“Não me instruíram sobre como higienizar as lesões, quanto tempo ficaria doente ou quando poderia sair do isolamento. Tive que pesquisar todas essas informações na internet ou perguntar para amigos médicos”, diz.
Thiago afirma que retornou ao Emílio Ribas na última sexta-feira (15/7) para pegar alguns dos medicamentos receitados, após ter dificuldade em encontrá-los na unidade básica de saúde mais próxima de sua casa.
Mas diz que, na farmácia do hospital, foi informado de que precisaria retornar ao pronto-socorro para solicitar uma nova receita.
“Não há nenhuma divisão no atendimento para as pessoas com varíola do macaco. As pessoas com a doença entram e circulam livremente pelo hospital. Não senti que estão preparados”, afirma.
Ele ainda se queixou do tratamento recebido por alguns dos médicos e enfermeiros, que segundo ele “foram grossos” e “desrespeitosos” em seu tratamento.
“Em todos os locais do hospital que eu passava, me perguntavam se eu era positivo para HIV ou tinha alguma outra DST.”
“Senti o estigma que vem sendo associado a essa doença quando entrei no hospital”, disse Thiago, referindo-se à associação de pessoas da comunidade LGBTQIA com o atual surto.
Isso ocorre porque casos têm sido diagnosticados por meio de clínicas que atendem homens gays, bissexuais e outros que fazem sexo com homens, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), que alerta, no entanto, não se tratar de uma doença sexualmente transmissível ou específica a um grupo social.
Qualquer pessoa pode ter a doença se entrar em contato com alguém que está infectado.
A reportagem procurou o Instituto Emílio Ribas para esclarecimentos. O hospital é referência para doenças infectocontagiosas e tem atendido boa parte dos casos confirmados e suspeitos de varíola dos macacos no estado de São Paulo.
Segundo Ralcyon Teixeira, diretor da Divisão Médica do hospital, os profissionais no local vêm seguindo um protocolo padrão de atendimento para casos da doença, elaborado pelo próprio instituto.
“Todos os pacientes passam por um fluxo de atendimento geral no pronto-socorro que faz uma classificação de risco para que os casos mais graves sejam atendidos primeiro”, disse.
“Quando o paciente é identificado nessa classificação, ele é atendido de maneira especial e levado para uma sala isolada. Os funcionários que realizam o atendimento usam roupas próprias e máscara.”
O infectologista afirma que a doença representa risco baixo de contaminação quando não há contato íntimo e, por isso, não há uma separação dos casos suspeitos antes da triagem.
Ainda de acordo com Teixeira, em sua primeira visita ao hospital, o paciente foi atendido por um médico experiente, que identificou a necessidade da internação.
Ele diz que, posteriormente, em uma reavaliação padrão, foi constatada uma melhora no quadro geral que permitiu a alta.
“Dos mais de cem casos da doença atendidos pelo Emílio Ribas até agora, internamos apenas dois. Um deles foi o primeiro detectado no Brasil, quando ainda precisávamos entender mais sobre a doença, e o segundo foi por razões sociais”, disse.
Questionado sobre por que Thiago diz não ter recebido instruções sobre os procedimentos de isolamento e cuidados com as lesões em sua primeira visita, o médico disse que é padrão que todos os pacientes diagnosticados recebam orientação sobre os cuidados e um panfleto informativo.
“Pode ter havido falha na hora, devido ao excesso de atendimentos, mas existe um panfleto de orientações”, disse.
O médico afirmou ainda que o tempo de isolamento recomendado para pessoas infectadas pode variar, pois é preciso esperar que todas as lesões estejam com a pele íntegra novamente.
“É preciso esperar que a crosta caia e forme uma pele sã. Isso demora geralmente entre três e quatro semanas.”
Ralcyon Teixeira negou ainda qualquer presença de estigma ou homofobia no tratamento do hospital. “Somos um serviço de doenças infecciosas, e 70% do nosso atendimento é com pessoas que vivem com HIV”, diz.
“Sempre explicamos para os pacientes que eles são abordados e perguntados dessa forma não por estigma ou preconceito, muito pelo contrário na verdade. É realmente para direcionar o tipo de tratamento.”
A varíola dos macacos
A varíola dos macacos é geralmente encontrada na África Central e na África Ocidental e, mais especificamente, em áreas de floresta tropical.
Na República Democrática do Congo, onde há densas florestas, mais de 1,2 mil casos foram relatados somente este ano e 57 mortes registradas (até 1º de maio de 2022), segundo a Organização Mundial da Saúde.
Dos 351 casos de da doença confirmados pelo Ministério da Saúde no Brasil até a última sexta-feira, 240 foram do Estado de São Paulo.
Entre os demais, 57 foram identificados no Rio de Janeiro, 26 em Minas Gerais, 6 no Paraná, 4 em Goiás, 4 no Distrito Federal, 4 no Ceará, 3 no Rio Grande do Sul, 3 em Pernambuco, 2 no Rio Grande do Norte e 2 na Bahia.
O primeiro caso foi confirmado no país em 9 de junho, o de um homem de 41 anos que, segundo informações iniciais, passou por Portugal e Espanha. Os casos mais recentes já são associados à transmissão local.
Transmissão, sintomas e tratamento
A varíola dos macacos não é uma doença que se espalhe tão facilmente, mas pode infectar da seguinte forma:
- Ao se encostar em roupas, lençóis e toalhas usadas por alguém com lesões de pele causadas pela doença;
- Ao se encostar em bolhas ou casquinhas na pele de pessoas com essas lesões;
- Pela tosse ou espirro de pessoas com a varíola dos macacos.
Até agora, o vírus não foi descrito como uma doença sexualmente transmissível, mas pode ser passado durante a relação sexual pela proximidade entre as pessoas envolvidas.
Os casos mais recentes na Europa e no Brasil foram observados em homens gays ou bissexuais. No Reino Unido, a Agência de Segurança de Saúde (UKHSA) pediu que homens prestem atenção a coceiras ou lesões de pele que lhes pareçam incomuns.
Mateo Prochazka, epidemiologista da Agência de Segurança da Saúde do Reino Unido, reforçou entretanto que “as infecções não são relacionadas a sexualidade”.
“Estamos preocupados com a varíola em geral, como uma ameaça pública. Estamos preocupados com a saúde de todos.”
Prochazka explicou que ainda não está claro por que há uma proporção maior de casos entre homens gays.
“A infecção parece ter sido introduzida em redes de homens gays e bissexuais e outros homens que fazem sexo com homens. E é aí que estamos vendo a maioria dos casos.”
Eles foram orientados a entrar em contato com seus serviços locais de saúde sexual no caso de algum sintoma ou preocupação. Mas autoridades ressaltam que qualquer pessoa, independentemente de sua orientação sexual, pode ser infectada.
Animais, como macacos, ratos e esquilos, também podem contrair e transmitir o vírus.
Depois da infecção, leva-se geralmente de 5 a 21 dias para os primeiros sintomas surgirem.
Nesse processo pode surgir a coceira, geralmente começando no rosto e depois se espalhando por outras partes do corpo, principalmente nas mãos e sola do pé.
A coceira, que costuma ser bastante irritante e dolorida, muda e passa por diferentes estágios – de modo parecido à varicela – antes de formar uma casquinha, que depois cai.
A infecção termina geralmente depois de 14 a 21 dias.
Na atual epidemia, a maioria das infecções até agora são leves. Mas a doença pode ter formas mais graves, especialmente em crianças pequenas, mulheres grávidas e pessoas com sistema imune frágil. Na África Ocidental, já houve casos de mortes pela doença.
A melhor forma de prevenir surtos é com a vacinação: a vacina da varíola é capaz de proteger contra a ampla maioria dos casos de varíola dos macacos.
Drogas antivirais também podem ajudar. De modo geral, nos casos leves, a infecção passa por conta própria.
Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Você precisa fazer login para comentar.