Crédito, REUTERS/Christian Rizz

Legenda da foto,

No sábado, um policial penal federal atirou e matou um guarda municipal que comemorava o aniversário de 50 anos com uma festa decorada com fotos de Lula e símbolos do PT.

O assassinato na noite de sábado (9/7) de um guarda municipal petista por um policial penal federal apoiador do Jair Bolsonaro (PL) chocou o Brasil e reforçou o temor de uma eleição presidencial permeada pela violência.

Marcelo Aloizio Arruda comemorava o aniversário de 50 anos quando foi morto a tiros por Jorge José da Rocha Guaranho, que invadiu a festa em Foz do Iguaçu, no Paraná, aos gritos de “Aqui é Bolsonaro!”, segundo informações de testemunhas à Polícia Civil. O tema da festa de Arruda era o PT e a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O guarda municipal petista, que também estava armado, revidou depois de ser atingido e, antes de morrer, baleou Guaranho, que foi encaminhado para o hospital em estado grave.

Após o crime, as redes sociais se inflamaram com discussões sobre se declarações de Bolsonaro estariam incitando o ódio e abrindo caminho para esses atos explícitos de violência. No dia 16 de maio, por exemplo, ao mencionar que Lula estava organizando alianças e se reunindo com candidatos a outros cargos eletivos, Bolsonaro disse: “É bom, um tiro só mata todo mundo ou uma granadinha só mata todo mundo”.

Crédito, REUTERS/Christian Rizzi

Legenda da foto,

Morte de liderança petista gerou debate sobre se discurso de ódio de políticos estimula atos concretos de violência

Por outro lado, defensores do presidente lembraram que Lula agradeceu nesta semana, ao participar de ato em Diadema, em São Paulo, um militante petista que, em 2018, foi preso por agredir gravemente um empresário bolsonarista.

Para o sociólogo e professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Gabriel Feltran, o assassinato nesta semana do guarda municipal petista não é “ato isolado”, mas sim reflexo da retórica de violência na política que, segundo ele, começou a ganhar força a partir de 2013 e se intensificou no governo Bolsonaro.

“Esse é um crime de violência política muito clássico, marcado por ódio, porque os dois homens não se conheciam. Uma grande maioria dos homicídios no Brasil acontecem entre pessoas que se conhecem e que vão acumulando conflitos ao longo do tempo, até que estoura. Nesse caso não, trata-se de um crime de ódio”, diz.

“O policial penal soube que havia uma festa de um petista. Ele vai lá e ele fala: ‘eu vou matar todo mundo’. Porque ele imagina na cabeça dele que o petismo é um câncer da sociedade, que tem que ser extirpado, uma ideia alimentada no governo Bolsonaro.”

Já Bolsonaro rebateu afirmações de que suas declarações produzem atos concretos de violência dizendo: “Falar que não são esses e muitos outros atos violentos, mas frases descontextualizadas que incentivam a violência é atentar contra a inteligência das pessoas. Nem a pior, nem a mais mal utilizada força de expressão será mais grave do que fatos concretos e recorrentes”.

Ele ainda acusou a esquerda de ser violenta e resgatou o episódio em que foi alvo de uma facada na campanha de 2018. Segundo as investigações policiais, o autor da facada, Adélio Bispo, que havia sido filiado no passado ao PSOL, uma legenda de esquerda, tem transtornos mentais e agiu sozinho. Também na eleição passada, a caravana da pré-campanha de Lula foi recebida com tiros no Paraná, mas ninguém se feriu. E, na última sexta-feira (8/7), um homem jogou um artefato explosivo com fezes e urina no meio de um comício do ex-presidente, no Rio de Janeiro.

Pelo Twitter, Lula prestou solidariedade às famílias de Arruda e de Guaranho, além de argumentar que o bolsonarista agiu “estimulado por um presidente irresponsável”. “Também peço compreensão e solidariedade com os familiares de José da Rocha Guaranho, que perderam um pai e um marido para um discurso de ódio estimulado por um presidente irresponsável”, disse.

Bolsonaro também se manifestou sobre o caso nas redes sociais, mas não lamentou a morte do guarda municipal nem apresentou condolências à família de Arruda. “Dispensamos qualquer tipo de apoio de quem pratica violência contra opositores. A esse tipo de gente, peço que por coerência mude de lado e apoie a esquerda”, escreveu ao republicar uma mensagem de 2018 no Twitter.

A BBC News Brasil reúne a seguir seis episódios em que a violência política pode ter sido estimulada por discursos políticos.

‘Granadinha para matar todo mundo’

Crédito, Carla Carniel

Legenda da foto,

Bolsonaro já falou em ‘fuzilar’ petistas e usar ‘granadinha’ para matar Lula e políticos opositores

Em 16 de abril desde ano, Bolsonaro falou em “tiro” e “granada” quando criticava Lula em discurso no Apas Show, da Associação Paulista de Supermercados, em São Paulo.

“Agora tá todo mundo reunido ao lado do nine [referência a Lula] para organizar a campanha dos caras, pô. A vantagem que a gente tá vendo nisso tudo é que tudo que não presta tá se juntando”, afirmou.

“Igual (disse ao) Paulo Guedes, em 2018, quando juntou aquele montão de candidatos, e eu falei: ‘É bom que um tiro só mata todo mundo ou uma granadinha só mata todo mundo'”, completou Bolsonaro.

‘Fuzilar a petralhada’

Uma das cenas mais emblemáticas de alusão à violência contra opositores foi em setembro de 2018, quando o então candidato Jair Bolsonaro, em comício na cidade de Rio Branco, no Acre, segurou um tripé como se fosse uma metralhadora e disse: “Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre, hein? Vamos botar esses picaretas para correr no Acre. Já que eles gostam tanto da Venezuela, essa turma tem de ir pra lá. Só que lá não tem nem mortadela, hein, galera. Vão ter de comer é capim mesmo”.

Crédito, Reprodução YouTube

Legenda da foto,

Em ato de campanha em 2018, Bolsonaro defendeu fuzilar a ‘petralhada’

Enquanto falava, ele fingia atirar com o tripé, sendo ovacionado pela multidão de apoiadores presentes.

Questionado na segunda-feira (11/7) por jornalistas sobre se o episódio tem relação com o assassinato em Foz do Iguaçu, Bolsonaro respondeu:

“Você sabe o que é sentido figurado? Você sabe o que é sentido figurado? Você estudou português na sua faculdade ou não?”, perguntou. “Olha o Lula, o Lula defende ladrões de celular, que é para tomar uma cervejinha. Aí está claro que ele está estimulando roubo de celular”.

‘Bandeira vermelha de sangue’

Em discuso de posse, em janeiro de 2019, Bolsonaro declarou que, com sua eleição, o povo brasileiro começava a se “libertar do socialismo” e do “politicamente correto” e que a bandeira do Brasil só será vermelha se for preciso “sangue” para mantê-la verde e amarela.

“Nossa bandeira jamais será vermelha!”, disse Bolsonaro segurando uma bandeira brasileira, enquanto a multidão gritava “mito”.

“Só será vermelha se for preciso o nosso sangue para mantê-la verde e amarela”, acrescentou, sendo aplaudido pelos milhares de apoiadores que acompanharam o discurso feito no parlatório do Palácio do Planalto.

‘Vocês sabem o que devem fazer’

Em transmissão ao vivo nas suas redes sociais, no dia 8 de julho deste ano, Bolsonaro atacou o sistema eleitoral de urnas eletrônicas e declarou que os eleitores “sabem como se preparar” antes das eleições.

“Não preciso dizer o que estou pensando, mas você sabe o que está em jogo. Você sabe como você deve se preparar, não para o novo Capitólio, ninguém quer invadir nada, mas sabemos o que temos que fazer antes das eleições”, disse o presidente aos apoiadores durante a live.

A declaração gerou preocupação entre os que temem atos antidemocráticos antes ou depois da eleição, embora o presidente não tenha especificado a que ele se refere quando diz que os eleitores “sabem o que têm que fazer” antes do pleito.

‘Só saio morto’, ‘últimato’ e ‘canalha’

Em discursos em Brasília e São Paulo nas manifestações do dia 7 de setembro do ano passado, Bolsonaro fez uma série de ameaças ao Supremo Tribunal Federal (STF) e à democracia. Ele chamou as eleições de “farsa”, disse que só sai da presidência “preso ou morto”, exaltou a desobediência à Justiça e chamou um ministro do STF de “canalha”.

“Só saio preso, morto ou com vitória. Quero dizer aos canalhas que eu nunca serei preso”, declarou.

Bolsonaro concentrou suas críticas ao STF na figura do ministro Alexandre de Moraes, que havia determinado no dia 5 de setembro a prisão de apoiadores do presidente que publicaram ameaças ao tribunal e a seus membros.

“Não podemos continuar aceitando que uma pessoa específica da região dos Três Poderes continue barbarizando a nossa população. Não podemos aceitar mais prisões políticas no nosso Brasil”, disse o presidente.

“Ou o chefe desse Poder enquadra o seu ou esse Poder pode sofrer aquilo que não queremos, porque nós valorizamos, reconhecemos e sabemos o valor de cada Poder da República”, completou Bolsonaro, conclamando o presidente do STF, Luiz Fux, a interferir nas decisões de Moraes – algo que seria inconstitucional.

Em São Paulo, Bolsonaro citou Moraes nominalmente e o chamou de “canalha”, dizendo que “não pode mais admitir” que ele “continue açoitando o povo brasileiro.”

Lula agradece homem que agrediu Bolsonarista

Crédito, EPA/Ricardo Stuckert

Legenda da foto,

Em ato político no fim de semana, Lula agradeceu a um colega de partido que agrediu gravemente um empresário bolsonarista em 2018. Fala foi criticada

No domingo (10/7), durante ato em Diadema (SP), Lula fez um agradecimento ao ex-vereador Manoel Eduardo Marinho, o Maninho do PT, preso em maio de 2018 após agredir com gravidade um manifestante pró-Bolsonaro na porta do Instituto Lula, na capital paulista.

“Esse companheiro Maninho, por me defender, ficou preso sete meses, porque resolveu não permitir que um cara ficasse me xingando na porta do Instituto (Lula). Então, Maninho, eu quero agradecer, porque foi o Maninho e o filho dele que estiveram nessa luta. Essa dívida que eu tenho com você jamais a gente pode pagar em dinheiro. A gente pode pagar em solidariedade e companheirismo”, disse Lula.

Maninho foi denunciado por tentativa de homicídio, após empurrar, em abril de 2018, o empresário Carlos Alberto Bettoni contra um caminhão no dia em que o então juiz Sergio Moro decretou a prisão de Lula. Bettoni bateu a cabeça no para-choque do veículo e teve traumatismo craniano. Imagens registraram o momento da agressão, e Maninho ficou preso por sete meses até ser liberado por um habeas corpus.

Como o discurso de ódio vira violência

Autor do artigo científico “A política como violência”, que aborda a politização das polícias e o impacto da linguagem violenta do governo Bolsonaro, o sociólogo Gabriel Feltran também critica a postura de Lula ao agradecer Maninho por uma agressão a um Bolsonarista.

“Isso está errado. Hoje, embora a esquerda seja muito menos armada do que a direita no Brasil, eu também vejo circulando em parte da esquerda esse discurso que procura criminalizar um grupo que não faz parte da minha comunidade, que não tem que ser ouvido, que não tem que dizer nada, que tem que só se fechar, se calar, tem que voltar para o bueiro, voltar para o esgoto. Essas declarações não ajudam a construir um país democrático”, disse Feltran, que também é autor do livro Irmãos: uma história do PCC (Companhia das Letras, 2018)

Mas ele avalia ser preciso destacar a diferença de proporção do uso da violência no Bolsonarismo que, segundo ele, é muito maior. “Sem dúvida, (a apologia à violência entre políticos da esquerda) não se dá na mesma proporção (que no bolsonarismo). E isso é concreto, efetivo.”

Para Feltran, a mesma lógica difundida entre camadas conservadoras do Brasil de que “bandido bom é bandido morto” está se expandindo, por meio de discursos de ódio, para a política, com a defesa de que um grupo considerado corrupto ou “bandido” seja extirpado.

“O perfil de 75% a 85% dos nossos homicídios no Brasil é homem, jovem, negro, favelado. Para esses, constrói-se a lógica antidemocrática de que se pode matar à vontade, porque seriam bandidos. Eles não teriam direito algum, não fariam parte da cidadania. Agora, essa fronteira (de exclusão) está se alargando para grupos que não apoiam o projeto de nação de Bolsonaro”, diz.

Feltran cita como exemplos de episódios violentos recentes o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), na cidade do Rio de Janeiro, e a execução do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Philips por pescadores ilegais na Amazônia. Também aponta para a crescente violência em operações policiais, como no Jacarezinho, em 2021, e na Vila Cruzeiro, neste ano, consideradas as duas mais letais da história do Estado do Rio de Janeiro.

“Não precisa de muita sofisticação para a gente ver as conexões entre esses eventos. Eu não trataria esse evento (do assassinato de Marcelo Arruda) como um algo isolado. Como um episódio de um maluco que decidiu ir lá e dar um tiro numa outra pessoa que ele não conhecia. Não se trata disso, ao contrário. Para mim, a gente tem que encadear os eventos de violência que vêm acontecendo no Brasil, no quadro social, no quadro político, no quadro econômico.”

Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!