• Margarita Rodríguez
  • BBC News Mundo

Crédito, VESA MOILANEN/Lehtikuva/AFP via Getty Images

Legenda da foto,

Maryna Viazovska com a medalha Fields

Maryna Viazovska é a segunda mulher na história a ganhar a Medalha Fields, considerada o Prêmio Nobel de matemática. Até então, apenas uma mulher, a iraniana Maryam Mirzakhani, havia recebido essa medalha, que começou a ser concedida em 1936 para os maiores feitos matemáticos do mundo.

“Viazovska é uma matemática brilhante”, disse Christian Blohmann à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC. “Eu a admiro porque sua solução para o problema de empacotamento de esferas é muito bonita e extremamente inesperada.”

O pesquisador do Instituto Max Planck de Matemática, na Alemanha, refere-se ao fato de que em 2016 Viazovska resolveu dois casos do famoso problema geométrico que o grande cientista alemão Johannes Kepler propôs no século 17.

Por esse feito, ela recebeu vários prêmios, mas sua contribuição não parou por aí.

“Como resultado da resolução de Viazovska, nos últimos cinco anos, foram abertas linhas de pesquisa em diferentes partes do mundo”, disse Pablo Hidalgo, pesquisador do Instituto de Ciências Matemáticas do Conselho Superior de Pesquisa Científica da Espanha.

A matemática ucraniana recebeu a medalha no Congresso Internacional de Matemáticos, numa cerimônia na Finlândia. Os outros três ganhadores do prêmio, que é entregue a cada quatro anos a matemáticos com menos de 40 anos, foram: o francês Hugo Duminil-Copin, o americano June Huh e o britânico James Maynard.

O nome de Viazovska era fortemente cotado para vencer. A BBC News Mundo explica o porquê.

Filha de Euclides

Albert Einstein (1879-1955) disse: “Se Euclides falhou em inflamar seu entusiasmo juvenil, você não nasceu para ser um pensador científico”.

O matemático grego é justamente um dos heróis de Viazovska, que diz admirar as figuras extraordinárias que foram capazes de “mudar a Matemática ou a forma de pensar sobre ela”.

Crédito, Science Photo Library

Legenda da foto,

Euclides era admirado por Einstein

Viazovska nasceu em Kiev, capital da Ucrânia, e é fascinada por matemática desde criança. Quando chegou a hora de decidir que curso fazer na universidade, ela não teve dúvidas.

A ucraniana diz que gosta do fato de que, na Matemática, é possível determinar onde está “a verdade”, distinguir o que está errado do que está certo. Depois de se formar na Universidade Nacional Taras Shevchenko, ela foi para a Alemanha para estudos de pós-graduação.

Durante seu pós-doutorado em Berlim, um dos problemas que incluiu em sua proposta de pesquisa foi o das esferas que Kepler formulou em 1611.

Viazovska se concentrou nisso por cerca de dois anos, até que chegou o momento “mágico” de encontrar a solução. “Acabou sendo mais fácil do que eu pensava.” O problema que ela resolveu pode ser simplificado nesta pergunta: quantas bolas é possível colocar numa caixa muito grande? Mas a matemática usada para chegar à resposta é de imensa complexidade.

Pensando em laranjas

Para Hidalgo, esse problema “tem uma certa importância para o mundo real no sentido de que pessoas sem estudos matemáticos podem entender do que se trata” e podem até ter tido que enfrentar essa questão em algum momento.

Qual é a maneira ideal de ocupar um espaço com um certo número de esferas, por exemplo, laranjas?

Kepler colocou o problema em três dimensões.

“Com certeza, os verdureiros já haviam percebido que a melhor forma de organizar as laranjas era em forma de pirâmide”, diz o pesquisador espanhol.

“Mas há uma diferença substancial entre: ‘parece que esta forma ocupa bem o espaço’ e ter a certeza de que ‘realmente esta forma é imbatível em ocupar o espaço da melhor maneira'”.

Kepler não conseguiu provar isso e não foi o único, matemáticos extraordinários também não tiveram sucesso. Foi no final da década de 1990 que o matemático americano Thomas Hales fez a demonstração para três dimensões.

Mas o fascinante dessa conjectura é que ela pode ser transportada para círculos (duas dimensões) ou para esferas de qualquer dimensão. “O que Viazovska conseguiu em 2016 foi generalizar o problema”.

Ela encontrou a maneira ideal de empacotar esferas de oito dimensões.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Qual é a melhor forma de organizar laranjas?

“Não é que os matemáticos tenham se complicado inventando uma maneira estranha de empacotar esferas, é o mesmo problema, mas em uma dimensão que, como humanos, não podemos visualizar”, diz Hidalgo.

E embora esse empacotamento de esferas de dimensão superior seja difícil de visualizar, “eles são objetos eminentemente práticos”, escreveu a matemática Erica Klarreich em um artigo da revista Quanta de 2016.

“Eles estão intimamente relacionados aos códigos de correção de erros que os telefones celulares, as sondas espaciais e a internet usam para enviar sinais através de canais ruidosos”.

25 páginas

De acordo com Hidalgo, a solução matemática que Hales encontrou “foi muito longa e muito complicada”. Seu resultado foi apresentado em cerca de 250 páginas e exigiu muitos cálculos com computadores.

“Levou quase 20 anos para verificar se esses cálculos com computadores estavam corretos. Já Viazovska fez, para o problema da dimensão oito, um artigo de 25 páginas”, ressalta Hidalgo.

“Se retirarmos a introdução, as referências bibliográficas e outros aspectos da forma, ela tem 10 ou 15 páginas de matemática, nada mais, e com isso ela demonstra um problema em uma dimensão superior, então poderíamos dizer que é mais difícil do que o que Hales demonstrou”.

Ele destaca que o trabalho da ucraniana foi “tão meticuloso, tão exato, que é uma demonstração mais fácil de entender que a anterior, que ocupou dezenas de páginas”. “Isso não quer dizer que suas páginas de matemática sejam simples, elas são complexas”, observa ele. Mas, para especialistas, são 10 páginas de pura matemática.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Trabalho da ucraniana foi ‘meticuloso’ e ‘exato’

Da Suíça, Özlem Imamoglu, professor do Departamento de Matemática do Instituto Politécnico Federal de Zurique (ETH Zürich), observa que a solução a que Viazovska chegou “construindo as chamadas funções mágicas foi uma conquista espetacular”:

“A existência de tais funções foi conjecturada por (Henry) Cohn e (Noam) Elkies em 2003, mas permaneceu indefinida apesar dos esforços de muitos matemáticos brilhantes”, disse ele à BBC News Mundo.

“A simplicidade e elegância de sua demonstração é incrível e admirável.”

Para completar, depois de resolver o problema do empacotamento das esferas de oito dimensões, apenas uma semana depois – desta vez com outros colegas – ela resolveu o problema na dimensão 24.

A primeira demonstração de Viazovska é considerada uma obra-prima, que permitiu a seus companheiros “entender bem o problema e generalizá-lo para resolver uma equação similar, mas ainda mais difícil”, disse Hidalgo.

Ele esclarece que o problema dos empacotamentos ideais em muitas dimensões segue em aberto, pois só encontraram as configurações para as dimensões 8 e 24.

Os especialistas destacam que a beleza da solução a que chegou Viazovska é que ela se conecta com diferentes áreas da Matemática. O resultado do empacotamento das esferas tem muito a ver com a análise de sinais ou análise de Fourier, matemático e físico francês do século 19.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Os cálculos de Fourier podem ser aplicados em diferentes disciplinas e foi útil na descoberta de Viazovska.

“Todo o poder do resultado de Viazovska surge da junção, de uma maneira até então inédita, de duas áreas da Matemática: a teoria dos números e a análise de Fourier”, explica Hidalgo.

E é aí, em sua opinião, que reside a força da Matemática atual. Há áreas que evoluíram separadamente, e “o que é difícil e realmente interessante nas últimas décadas é construir pontes entre elas”.

“Pode ser extremamente proveitoso se alguém for capaz de estabelecer uma ponte robusta entre duas áreas diferentes da matemática, e foi exatamente isso que Viazovska fez.”

“É preciso muito conhecimento e compreensão de quais são as propriedades importantes de cada área para realmente poder juntá-las. Dessa união, é que veio o resultado do cálculo de Viazovska.”

“Graças ao fato de ter estabelecido contato entre as duas áreas, já se sabe para onde vão as relações entre elas. Isso abriu uma nova matemática que ainda está sendo explorada e produzindo resultados, e isso certamente continuará a acontecer no futuro”.

De fato, Imamoglu observa que, embora Viazovska seja “mais famosa” por sua solução para o problema do empacotamento de esferas, “seu trabalho em fórmulas de interpolação de Fourier e questões de minimização de energia”, que ela fez ao lado de outros matemáticos distintos, “merecem o mesmo reconhecimento “.

Colaboração

Quando recebeu o prêmio New Horizons, Viazovska agradeceu a seus professores, colegas e coautores, “já que sem eles nenhuma de minhas investigações seria possível”.

Crédito, CARL DE SOUZA/AFP via Getty Images

Legenda da foto,

A Medalha Fields é considerada o prêmio Nobel da matemática

“A ciência é um esforço colaborativo, e o progresso rápido é possível quando as pessoas compartilham abertamente seus conhecimentos e ideias”, disse ela.

Atualmente, a ucraniana é professora da prestigiosa Escola Politécnica Federal de Lausanne (EPFL), Suíça. Blohmann a conheceu quando era estudante de doutorado na Alemanha.

“Maryna é uma pessoa extremamente gentil e modesta. Os reconhecimentos e posições que conquistou não a mudaram em nada”, diz ela.

Em 16 de março, o departamento de Matemática da ETH Zürich, onde Einstein estudou, ofereceu a primeira das Alice Roth Lectures, criadas em homenagem ao grande matemático suíço.

O objetivo com essas sessões é homenagear as mulheres que alcançaram conquistas notáveis ​​em matemática.

Viazovska foi a convidada e sua apresentação foi intitulada: “Pares de interpolação de Fourier e suas aplicações”. Antes de mergulhar na matemática de sua apresentação, ela lembrou de uma colega e compatriota.

‘Reconstruiremos a paz’

“Faz três semanas que minha vida mudou para sempre de uma maneira muito dramática e que eu nunca imaginava. Me preparar para essa apresentação foi muito difícil”, contou.

Crédito, Cortesía: ETH Zürich

Legenda da foto,

Antes de iniciar apresentação em conferência, Viazovska homenageou uma matemática ucraniana que morreu atingida por um míssil após a invasão da ucrânia.

“Hoje, eu gostaria de celebrar a vida e as conquistas de Alice Roth, mas também há outra matemática que eu gostaria de lembrar. Quero dedicar minha conferência a Yulia Zdanovska, uma matemática e cientista da informática de 21 anos cuja vida terminou tragicamente no dia 8 de março na cidade de Járkif.”

Zdanovska ficou para defender a cidade diante da invasão russa, mas “infelizmente morreu em um ataque com míssil.” “Os ucranianos estão pagando o preço mais alto possível por nossas crenças e nossa liberdade”, disse Maryna Viazovska.

Ela também agradeceu o apoio recebido nesses “momentos obscuros”. “Creio reconstruiremos a paz, reconstruiremos nosso mundo e, com certeza, a ciência e o pensamento criativo terão um papel importante nisso.”

Depois, começou a expor a magia de sua matemática.

Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!