• Darío Brooks
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Na fronteira entre Estados Unidos e México, cada imigrante tem um preço para os contrabandistas.

Aqueles com menos recursos são os que fazem uma viagem mais arriscada, embarcando em caminhões de carga para percorrer centenas de quilômetros em condições desumanas.

Tragicamente, em algumas ocasiões, esse tipo de viagem — várias horas em um lugar lotado, sem ventilação ou água — leva à morte, como aconteceu na segunda-feira (27/6) perto de San Antonio, no Texas, onde mais de 50 migrantes morreram dentro de um caminhão.

“Existe toda uma cadeia na economia do contrabando de imigrantes. As pessoas que viajam deste jeito [em caminhões] são as que estão pagando o menor valor pedido pelos contrabandistas”, explica Gabriella Sánchez, pesquisadora de contrabando de pessoas em fronteiras da Universidade de Massachusetts em Lowell, nos EUA.

No outro extremo, há imigrantes que pagam grandes somas para entrar com menos riscos nos EUA.

Mas nos últimos meses, o desespero de muitos na fronteira devido às políticas restritivas promovidas pelo governo dos EUA depois da pandemia fez com que eles estivessem dispostos a correr mais riscos.

“É uma consequência direta de políticas que tornaram a viagem mais longa, mais difícil ou mais cara. E o desespero das pessoas que estão nos abrigos de fronteira agora é tão grande que elas estão dispostas a morrer, porque para elas a morte já está no horizonte”, diz Dulce García, diretora da organização de defesa dos imigrantes Angeles de la Frontera, à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC.

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Autoridades encontraram dezenas de mortos em um caminhão abandonado perto de San Antonio, no Texas

A rota do caminhão e muito mais

Sánchez diz que para explicar os inúmeros métodos que migrantes e traficantes usam para atravessar a fronteira ela precisaria “do dia todo”.

Mas o método dos caminhões lotados de homens, mulheres e até crianças é muito usado pelos chamados “coiotes”, porque é mais provável que eles não sejam detectados.

A fronteira entre México e EUA tem trânsito muito intenso de mercadorias. Veículos de carga circulam nas fronteiras e também nas rodovias da Califórnia, Arizona, Novo México e Texas.

“Todos os dias são milhares deles. A CBP [Customs and Border Protection, autoridade de imigração dos EUA] não está equipada e nem é seu trabalho inspecionar todos os veículos”, explica Sánchez.

“Por isso os ‘coiotes’ utilizam muito desses tipos de veículos, pois sabem que a probabilidade de serem fiscalizados é muito baixa”, diz.

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Trânsito de carga é muito intenso na região da fronteira entre o México e os Estados Unidos

E ao levar mais pessoas em uma única viagem, os contrabandistas conseguem um lucro maior.

“Existe uma correlação muito clara entre as pessoas que viajam com mais segurança e o dinheiro que elas têm para cobrir os custos”, diz Sánchez.

Uma das formas de atravessar a fronteira sem os próprios documentos é usando um cartão de passagem de fronteira válido, mas que pertence a outra pessoa que o obteve legalmente. Mas existe o risco de isso ser descoberto pelas autoridades.

Outros pagam para se esconderem em veículos pequenos, com menos perigo em relação aos caminhões.

“Os contrabandistas não cobram o mesmo para todos. Não importa se você vem com alguém da mesma cidade, isso varia de acordo com muitos fatores: se você é homem, se é mulher, sua idade… “, diz Sánchez.

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Os imigrantes viajam em caminhões pela América Central e México

Para os “coiotes”, os lucros são o seu principal objetivo — e não a garantia de trazer os migrantes sãos e salvos.

A ativista dos direitos dos imigrantes Jenn Budd, ex-chefe da unidade da Patrulha da Fronteira dos EUA, disse à BBC que os contrabandistas costumam colocar o maior número possível de imigrantes nos veículos.

Ela lembra de um caso em que interceptou um velho caminhão Ford dirigindo em uma estrada montanhosa perto da fronteira. Na carga do veículo havia cerca de 30 pessoas — deitadas e empilhadas uma em cima da outra.

“Elas estavam deitadas lá como sardinhas. É perigoso. Esses caminhões podem tombar. As pessoas no fundo dos veículos muitas vezes sofrem asfixia. É muito comum.”

A última etapa

Veículos não são usados apenas para cruzar a fronteira. Muitas vezes eles são usados para levar os imigrantes para as cidades grandes, onde é mais fácil para um migrante se dispersar.

Como o Texas é mais próximo das regiões de onde vem a maioria dos migrantes mexicanos, o Estado americano virou a rota mais popular dos “coiotes”. Nas cidades de Laredo e McAllen, os caminhões costumam seguir em direção a San Antonio.

Nessa região ocorreram tragédias como a de segunda-feira ou a de 2017, quando oito pessoas de um grupo de 39 migrantes morreram sufocadas em um caminhão.

No caso mais recente, diz Sánchez, “provavelmente, as pessoas já estavam do lado dos EUA quando entraram em um caminhão como esse”.

“Em rotas como a de Laredo, por exemplo, quase todos os caminhões passam por um detector. Então eu especulo — isso terá que ser confirmado mais tarde — que muitas das pessoas já estavam do lado dos EUA e lá entraram naquele veículo.”

Em muitos casos, observa Jenn Budd, os imigrantes já estão debilitados depois de terem cruzado a fronteira a pé em terrenos acidentados.

“Os contrabandistas dizem que a caminhada dura 15 ou 30 minutos. Mas na verdade ela pode levar dias. E as pessoas já estão desidratadas.”

“Uma travessia pode custar cerca de US$ 5 mil (mais de R$ 25 mil). Mas, e isso é muito importante saber, os custos variam muito e muitas vezes esse valor não foi pago ainda”, diz Sánchez.

As pessoas costumam fazer um acordo com os “coiotes” para pagá-los assim que chegarem ao seu destino.

‘Se passarão alguns dias até a próxima tragédia’

Apesar dos perigos, o número de migrantes que chegam à fronteira EUA-México é o maior de todos os tempos.

Em maio deste ano, foram registradas 239.416 prisões de migrantes em uma das maiores ondas dos últimos anos.

Dulce García diz que há pessoas em abrigos na fronteira mexicana que esperam há quase dois anos para terem seus pedidos de refugiado aceitos nos EUA.

“Não posso falar por toda a fronteira, mas em 17 pontos que apoiamos, os migrantes estão tão desesperados que tentaram o suicídio”, diz Garcia.

Antigamente, pagar um contrabandista custava algumas centenas de dólares, mas agora o valor chega a uma média entre US$ 8 mil e US$ 10 mil (de R$ 40 mil a R$ 50 mil), explica a diretora da Angeles de la Frontera. E arriscar a viagem mais barata é a opção acessível para a maioria.

Sánchez diz que existe um padrão após incidentes como o de San Antonio.

“Nos próximos dias, as coisas podem se acalmar um pouco, porque vai haver muitas inspeções, batidas, mais gente vigiando à noite. Mas vão se passar alguns dias até que venha a próxima tragédia.”

Para a especialista, a “única solução” é que os governos ofereçam “mecanismos para viajar legalmente, independentemente de nacionalidade, raça ou situação social”.

“Só assim não haverá demanda para os contrabandistas. Parece muito simples, eu sei, mas se não houver essa liberdade de acesso, haverá outro ‘San Antonio’ daqui a algumas semanas.”

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