Louis Rogers era um menino saudável e cheio de energia.
No verão passado, sua mãe, Julia, o botou na cama como de costume para dormir. Uma hora depois, foi dar uma olhada nele. Ele havia morrido, a seis semanas do seu aniversário de 2 anos, sem gritar por socorro ou emitir qualquer som.
Só depois disso é que que a profissional de marketing de Londres recebeu um folheto sobre morte súbita inexplicável na infância (SUDC, na sigla em inglês), uma categoria rara de morte em crianças com mais de um ano, na qual a causa permanece desconhecida mesmo após uma investigação completa, incluindo autópsia.
Assim como acontece com a síndrome de morte súbita do lactente (SMSL) ou síndrome da morte súbita infantil (SMSI), condição que afeta bebês com menos de um ano e é conhecida como “morte do berço”, muitos casos envolvem a morte de crianças durante o sono. Ao contrário da SMSL, porém, não há campanhas de conscientização.
Julia, de 41 anos, conta a seguir com suas prmeóprias palavras o que aconteceu com Louis e sua frustração em relação à falta de pesquisas sendo realizadas sobre a SUDC – e principalmente pelo fato de não ter sido avisada sobre uma possível ligação entre a SUDC e as várias convulsões que seu filho teve antes.
‘Ele aproveitava tudo ao máximo’
Ele era pura alegria, o menininho mais carinhoso. Tinha um sorriso lindo, sua risada era tão engraçada.
Ele ia ao parque e só queria saber do balanço, não se interessava por mais nada. Quando íamos ao playground, ele só descia no escorregador amarelo, várias vezes. Aproveitava tudo ao máximo, até mesmo uma poça — parecia ‘a melhor coisa do mundo!’
Louis era saudável, um menino muito forte. Seu desenvolvimento foi bom.
Quando estava com 13 meses, teve sua primeira convulsão. Estávamos na lago para ver os barcos quando aconteceu. Só me lembro dele fazendo um barulhinho e dos seus braços se erguerem no ar.
Comecei a gritar porque ele estava tremendo e começou a espumar pela boca. Achei que estava morrendo. Depois de alguns minutos, pensei que isso tinha acontecido porque ele ficou azul. A ambulância chegou muito rápido. Eles mediram sua temperatura, e ele não tinha uma, então levaram o caso muito a sério.
Fomos para o hospital de ambulância, com as luzes de emergência acesas. Ele estava sonolento, mas respirava. Todo mundo correu para dentro do hospital, e ele foi conectado a monitores. Mediram sua temperatura novamente e, desta vez, ele tinha uma. Literalmente desconectaram tudo e saíram da sala. Eu não sabia o que estava acontecendo.
‘Ele nunca mais disse tchau’
Entendi depois que eles chegaram à conclusão que era uma convulsão febril e, portanto, não havia absolutamente nada para se preocupar.
O pediatra foi bastante informal, dizendo: “Não há nada para se preocupar, muitas crianças têm isso”.
Fui informada então que se ele tivesse outra (convulsão febril) eu provavelmente não precisaria chamar uma ambulância — mas poderia, já que ele é pequeno. Não pensei em perguntar o que poderia acontecer se ele tivesse uma (convulsão) enquanto estivesse dormindo, e crianças pequenas dormem mais da metade do dia. Eles tampouco mencionaram isso.
Depois daquela primeira convulsão, senti como se algo tivesse sido tirado dele. Quando buscávamos minha filha na escola, ele dizia “tchau” para todo mundo, era muito fofo, e depois da convulsão, ele parou de fazer isso, nunca mais disse tchau. Estava aprendendo mais palavras, e eles disseram para não me preocupar, mas me preocupei. Só sabia que algo não estava bem.
‘A falta de conscientização é impressionante’
Quando estava com 18 meses, ele teve outra convulsão.
Ele estava na creche, eu estava em casa. Corri direto para lá. Eles haviam chamado uma ambulância, e quando chegamos ao hospital, não poderiam estar menos preocupados. Disseram que era uma convulsão febril novamente, porque ele estava com uma infecção no ouvido.
Assim que decidem que é isso, é como se fossem treinados para pensar que não é sério. Não há compaixão, nenhum tipo de roteiro para o que acontece a seguir, e não me senti ouvida.
Então, quando chegamos em casa, ele teve outra.
A ambulância chegou, e o paramédico disse que, como já havíamos consultado um médico, não precisávamos levá-lo para o hospital, porque tudo o que fariam era examiná-lo e provavelmente nos mandariam para casa novamente. Louis tinha passado por muita coisa naquele dia, e estava muito cansado, então concordei em deixá-lo descansar em casa.
Descobri mais tarde que se uma criança tem duas convulsões febris dentro de 24 horas, isso é chamado de convulsão complexa, e ela deve ser encaminhada a um pediatra para fazer um eletroencefalograma.
Eles deveriam ter prestado atenção nisso. Há tão pouca conscientização sobre o risco; todo mundo é tão casual e superficial. Não acho que seja intencionalmente — ninguém está ignorando — só é impressionante, a falta de conscientização.
Morte súbita inexplicável na infância e convulsões febris:
– A SUDC afeta crianças de um ano ou mais;
– Embora o número de mortes seja difícil de determinar, estima-se que cerca de 40 crianças com mais de um ano morrem subitamente a cada ano (na Inglaterra e País de Gales) — mais do que mortes de crianças pequenas provocadas por acidentes de trânsito, incêndios ou afogamento;
– Assim como acontece nas “mortes do berço”, a maioria dos casos de SUDC ocorre durante o sono;
– Cerca de 12 mil estudos científicos foram publicados sobre as “mortes do berço” — apenas 50 sobre a SUDC;
– Estima-se que cerca de um terço dos casos de SUDC envolvem crianças que tiveram convulsões febris;
– Estas convulsões (convulsões febris) são ataques que podem ocorrer quando uma criança tem febre. Acontecem com mais frequência entre os seis meses e três anos de idade;
– A alta temperatura causada por uma infecção pode estimular a liberação de citocinas, proteínas que afetam as partes do corpo responsáveis pela regulação da temperatura. Para algumas crianças, altos níveis de citocinas podem temporariamente “embaralhar” o funcionamento do cérebro e do sistema nervoso, desencadeando uma convulsão.
Fonte: NHS England / SUDC UK / Neurologista Orrin Devinsky.
Alguns meses depois, ele caiu na porta de casa; foi apenas uma queda de criança, então continuamos e fomos nadar. Na época, não pensei que pudesse estar ligado às convulsões dele.
No final daquela semana, a creche ligou e disse que era como se ele estivesse tendo várias miniconvulsões, como se seus olhos estivessem oscilando. Levei ele ao médico naquela tarde e contei toda a história, então o médico também poderia ter prestado atenção ao fato de que ele havia tido duas (convulsões) em 24 horas.
O médico perguntou se eu poderia andar com Louis pela sala, eu fiz isso, e ele disse: “Não consigo ver nenhum problema”. Me lembro de dizer a ele: “O que eu devo fazer? Devo registrar todos estes episódios em um diário?” “Ah, sim, se você quiser”, ele respondeu.
Louis morreu no mês seguinte.
‘Não ouvi nada, não vi nada’
Não sei se é assim com outros pais ou pessoas que tiveram uma perda repentina, mas você fica preso naquele momento, e é como uma tortura. Você apenas dá replay.
Ele teve febre naquele dia, então não levei para a creche. Ele ficou mais animado à tarde, e eu pensei que estava melhorando; ele só estava com enterovírus, que aparentemente é uma doença leve e bastante comum.
Louis tomou banho, e botei ele na cama para dormir, antes de subir para ler uma história de ninar para sua irmã. Eu estava no quarto ao lado, com o monitor de vídeo da babá eletrônica ligado. Não ouvi nada, não vi nada.
Senti que precisava dar uma olhada nele. Não consigo me lembrar em que momento foi, mas isso simplesmente veio à minha cabeça e foi o que disparou o alarme, porque eu não vi ele se mexer no monitor depois que o botei para dormir.
Lembro de entrar no quarto, e havia um silêncio — no caso de crianças, você pode ouvi-las respirando —, mas estava assustadoramente silencioso. Chamei seu nome e acariciei seu cabelo, mas ele não se mexeu, então eu o virei, e ele já havia morrido.
Não sei se ele morreu imediatamente quando foi dormir ou depois. Você acha que se seu filho estiver doente, você vai ter a chance de ajudá-lo porque ele vai estar chorando, ou você vai ouvir ele passando mal — acontecerá algo para que você possa ajudá-lo.
A hipótese na autópsia de Louis é que ele teve uma convulsão e não acordou da fase pós-ictal (de recuperação), mas como isso não deixa marcas no cérebro, eles não podem provar. Acaba sendo SUDC.
Desde então, assisti a um seminário online, e isso me machucou muito porque eles estavam dizendo que pode haver dificuldades em respirar durante a fase de recuperação, quando você está de bruços, então eles falaram: ‘Apenas virem (a criança)’. Isso era tudo que eu tinha que fazer.
‘Parecia bastante conspiratório’
Depois que ele faleceu, uma enfermeira me deu um folheto sobre SUDC. Eu nunca tinha ouvido falar nisso.
Entrei em contato com a instituição de caridade SUDC UK e comecei a conversar com outros pais que haviam passado pela mesma situação. Fiquei horrorizada porque muitos contaram que seus filhos tiveram convulsões febris.
Parecia bastante conspiratório. As pessoas deviam saber que existe uma ligação porque tem todas estas outras famílias. É mais do que uma vez a cada 15 dias que isso está acontecendo, mas ninguém está reconhecendo isso além do NHS Scotland (sistema de saúde público da Escócia), que colocou em seu site que existe uma potencial ligação entre convulsões febris e SUDC, mas no NHS England (sistema de saúde público da Inglaterra) não há nada.
Há muito pouca conscientização, ou uma quantidade bem variada de conscientização, na comunidade médica. Ele não estava sob os cuidados de ninguém, não foi encaminhado para um pediatra nem teve nenhum acompanhamento; foram apenas vários eventos isolados. Eu só sinto que ele foi realmente abandonado.
Senti como se fôssemos pais ansiosos demais que vão ao médico e depois são dispensados. Durante todo esse tempo, ninguém me levou a sério.
Os médicos devem conversar com os pais, mesmo que eles não tenham todas as respostas. Eu teria um monitor de respiração no colchão se soubesse.
Mas não há nada para deixar você ciente. Não há nada que diga que há uma ligação entre convulsões febris e SUDC — é muito raro, mas pode haver uma relação. Não foi provado, mas tampouco há pesquisas suficientes para fazer esta conexão. É óbvio, no entanto, para qualquer pai que perde seu filho com um histórico de convulsões febris.
Isso realmente dói porque me faz sentir como se fosse aceitável? A morte do meu filho é aceitável porque é rara? Quais são as estatísticas que fariam as pessoas prestarem mais atenção?
Não entendo. São muitas. Mesmo uma é demais. Se é algo que não sabemos o suficiente a respeito, então devemos querer descobrir. Essa é a coisa mais difícil.
Consigo aceitar, infelizmente, que ele faleceu, mas não posso aceitar que nada vai mudar. Não posso fazer isso.
Ele estava a apenas seis semanas do aniversário de 2 anos quando morreu. Perdeu todo o seu futuro.
Eu sinto falta dele a cada momento. Isso nunca vai me deixar, e eu nunca quero que isso aconteça.
Conforme relatado a Rebecca Cafe.
O NHS Digital disse que “revisa rotineiramente o site em consulta com especialistas clínicos para mantê-lo alinhado com as evidências e diretrizes mais atualizadas”.
E acrescentou que quaisquer atualizações estariam alinhadas com as orientações do National Institute for Health and Care Excellence (NICE) e a política do NHS England.
O NICE afirmou, por sua vez, que não tem uma diretriz específica para convulsões febris e o vínculo com a SUDC, mas acrescentou que suas diretrizes dizem com que urgência as crianças menores de cinco anos que têm convulsões e febre devem ser examinadas.
O Medical Research Council confirmou que não financiou nenhuma pesquisa que investigou diretamente a ligação entre convulsões febris e SUDC, mas disse que “encoraja a comunidade científica a apresentar suas melhores ideias para financiamento”.
O Royal College of Emergency Medicine (RCEM) disse que todos os alunos são ensinados sobre convulsões febris e que os médicos estão cientes de que complicações raras podem ocorrer em qualquer doença, no entanto, “isso não é algo que é normalmente ensinado especificamente no contexto de convulsões febris”.
Rob Stafford, presidente do Paediatric Emergency Medicine Professional Advisory Group, disse que o RCEM não encomendou nenhuma pesquisa para comprovar uma ligação definitiva entre convulsões febris e SUDC ou produziu um folheto de informações ao paciente que aconselharia especificamente os pais sobre o que fazer se seu filho tivesse um convulsão febril durante o sono.
“A ressuscitação para convulsões em crianças, conforme descrita nas diretrizes do Advanced Paediatric Life Support, é o padrão de atendimento aceito no Reino Unido”, disse Stafford. “Isso normalmente inclui conversar e educar os pais sobre o que fazer se elas (as crianças) não estiverem bem ou tiverem uma convulsão, incluindo quando retornar ao hospital. Seria uma prática normal dar aos pais um folheto informativo sobre convulsões febris no momento da alta.”
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