- Peter Jegwa
- Lilongwe, Maláui
A polícia prendeu um cinegrafista chinês sob acusação de racismo e exploração de crianças do Maláui, no sudeste da África. Lu Ke morava no país quando o programa Africa Eye da BBC revelou que ele usava crianças locais para vídeos de felicitações personalizados, muitos com conteúdo racista em um idioma que elas não entendem.
Esses vídeos eram vendidos por até R$ 350 em plataformas de rede social da China.
O acusado nega que tenha produzido vídeos com conteúdo degradante, e afirma que os produzia a fim de espalhar a cultura chinesa na comunidade local.
Mas em um deles, por exemplo, um grupo de crianças é orientado pelo cinegrafista a repetir em mandarim insultos racistas como “Sou um monstro negro! Tenho um QI baixo”.
Enquanto era filmado com uma câmera escondida por um jornalista (não identificado como tal), Lu Ke admitiu a produção dos vídeos, mas imediatamente depois ele nega.
Durante a conversa, ele afirma: “Nunca tenha pena deles, você tem que se lembrar disso. Nunca tenha pena deles. Não importa sua situação familiar, nunca tenha pena deles. É assim que você deve tratar os negros”.
Em uma das conversas gravadas com a câmera escondida, ele aparece se gabando de gravar mais de 380 vídeos em um único dia, algo que representaria um rendimento de pelo menos US$ 11 mil em menos de 24 horas.
O caso começou a ser investigado pela polícia do Maláui na semana passada, depois que a BBC publicou o material, mas o cinegrafista chinês esteve foragido por dias, até ser localizado em um país vizinho, a Zâmbia, na cidade de Chipata.
Segundo o porta-voz do Departamento de Imigração e Cidadania Pasqually Zulu, os dois países estão negociando a deportação de Lu Ke para o Maláui, a fim de dar prosseguimento à investigação.
Quando o caso veio à tona, um diplomata chinês de alto escalão, Wu Peng, disse ter discutido o assunto com colegas do Maláui, reforçando que a China era contrária a qualquer tipo de discriminação e informando que o país estava tomando providências para derrubar esse tipo de conteúdo das redes sociais.
“A China tem combatido esses atos online ilegais nos últimos anos”, tuitou ele. “E nós vamos continuar combatendo esses vídeos racistas no futuro também.”
As pistas que levaram ao responsável pelos vídeos
Esses vídeos degradantes, ligados a uma categoria popular de conteúdo na China, começaram a surgir nas redes sociais em fevereiro de 2020.
Após meses de investigações meticulosas e análises forenses do vídeo, os repórteres Runako Celina e Henry Mhango, da equipe do programa de TV Africa Eye, da BBC, conseguiram encontrar algumas respostas para tentar revelar a história por trás da gravação.
Por meio de elementos geográficos, topográficos e de sinalização, os especialistas (com apoio do repórter investigativo Henry Mhango) conseguiram identificar que o vídeo do QI havia sido gravado em uma pequena cidade rural do Maláui, no sudeste da África.
Mhango descobriu que Lu Ke chegara para viver na região havia alguns anos e que tinha gravado centenas de vídeos com a população local.
Segundo contaram moradores da cidade, eles o receberam acreditando que tinha vindo ensinar os pequenos a falar mandarim.
Além disso, dizem os repórteres, não é incomum ver hoje cidadãos chineses no Maláui.
Devido ao crescente esforço de Pequim para expandir sua influência na África — por meio de investimentos em infraestrutura e a presença de empresas e tecnologias chinesas —, os moradores locais começaram a se acostumar com a presença de estrangeiros no país.
Isso também levou alguns residentes a acreditar que, por meio dos vídeos, Lu Ke conseguiria trazer ajuda econômica da China para melhorar as condições da população empobrecida. Mas acabaram frustrados ao saberem pela BBC da real intenção do produtor.
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