O aumento do preço da gasolina, como resultado da invasão russa da Ucrânia, tem gerado preocupação em todo o mundo e está aprofundando o problema inflacionário que afeta várias economias do planeta.
Mas há outro combustível derivado do petróleo que ficou ainda mais caro — em junho atingiu seu preço máximo histórico — e está causando dores de cabeça ainda maiores do que a gasolina.
Trata-se do óleo diesel.
No fim de maio, o preço médio do litro do óleo diesel comum chegou a quase R$ 7, o maior valor registrado na série histórica da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Isso causou grande insatisfação entre caminhoneiros, que criticam a política de preços da Petrobras.
Na quarta-feira (15/6), o plenário da Câmara dos Deputados aprovou de novo o projeto de lei que limita a 17% a cobrança de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre combustíveis. A proposta já havia sido aprovada na noite de terça-feira, mas teve de ser refeita após o painel do plenário apresentar problemas técnicos. O texto também limita o imposto para energia elétrica, transporte coletivo e telecomunicações.
Como o projeto de lei já havia sido aprovado na segunda-feira no Senado, ele seguirá agora para sanção do presidente Jair Bolsonaro (PL), defensor da proposta.
O governo vem pressionando a Petrobras para evitar aumentar o preço do óleo diesel — a estatal, por outro lado, alertou recentemente sobre o risco de desabastecimento do combustível se não houver reajuste.
O que mais preocupa é que a subida do preço do óleo diesel se deve ao fato de existir uma escassez global desse combustível, algo que, asseguram, dificilmente será revertido a curto prazo.
E os efeitos disso afetam o bolso de todos, mesmo que seu carro não seja movido a diesel.
Por quê?
Porque o óleo diesel é o combustível utilizado pela maioria dos veículos de carga, dos caminhões que transportam os nossos alimentos, medicamentos e até a gasolina que abastecemos nos postos, aos navios que transportam mercadorias pelo mundo.
É também o que muitos ônibus e trens usam.
E é desse combustível que muitas indústrias dependem para alimentar suas máquinas — e que produtores agrícolas precisam para operar seus tratores e poder semear e colher.
Por isso, a falta de diesel está gerando sérios problemas em todo o mundo, que ameaçam se espalhar se a demanda continuar superando a oferta.
Crise global
A escassez deste combustível está causando problemas de mobilidade em lugares tão dispersos como Sri Lanka, Iêmen e vários países africanos.
Além do Brasil, o aumento dos preços do diesel também gerou protestos de comunidades indígenas e camponeses no Equador.
Outra região onde a crise causou enorme preocupação é a Europa.
Isso porque — ao contrário do que acontece em muitas outras partes do mundo — no velho continente muitos dos motoristas de carros particulares usam diesel, porque é uma fonte de energia mais eficiente e menos poluente do que a gasolina.
Antes da guerra na Ucrânia, a Europa importava da Rússia cerca de dois terços do petróleo bruto que refinava para produzir diesel.
Mas, após as sanções econômicas impostas a Moscou pelo Ocidente, a Europa passou a depender dos Estados Unidos para grande parte desse combustível.
Embora isso tenha evitado a escassez, o impacto nos bolsos foi notório, com preços recordes nos dois lados do Atlântico.
Enquanto os britânicos hoje pagam mais de 100 libras (US$ 125 ou R$ 629) para abastecer seu carro — no valor de cerca de US$ 2,30 por litro — os caminhoneiros nos EUA pagam US$ 1,50 o litro, o valor mais alto já registrado naquele país.
“Os aumentos de preços são tão altos em alguns Estados que os caminhoneiros estão tendo que pagar do próprio bolso para fazer o transporte de mercadorias, e muitos estão sendo mais seletivos sobre as viagens que fazem”, informou a revista Fortune em meados de maio.
“Algumas empresas de transporte rodoviário menores estão lutando para pagar os salários e estão considerando reduzir ou até fechar as operações devido aos altos custos.”
Por sua vez, o jornal americano Wall Street Journal observou que “os custos estão afetando particularmente as frotas de caminhões menores que compõem a maior parte do mercado de caminhões dos EUA altamente fragmentado”.
Escassez na Argentina
No outro extremo do continente americano, a escassez de diesel também está gerando caos nos vizinhos do Brasil.
Nas rotas do centro e norte da Argentina, há longas filas de caminhões esperando para abastecer com esse combustível, cuja venda foi limitada em muitos lugares a 20 litros por veículo (uma pequena fração do tanque).
Dezenove das 23 províncias argentinas têm problemas de abastecimento, segundo um estudo realizado no início de junho pela Federação Argentina de Entidades Empresariais de Transporte de Carga (Fadeeac).
“A falta de diesel ameaça prejudicar um dos momentos mais importantes para a debilitada economia argentina: a colheita e posterior plantio de grãos e oleaginosas, como soja, milho e girassol, que são o maior bem de exportação do país”, diz Veronica Smink, correspondente da BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC, em Buenos Aires, a capital argentina.
Smink explica que a falta de diesel se agravou na Argentina porque fatores locais se somaram à escassez de oferta em todo o mundo, o que complicou ainda mais o quadro.
“Quase um terço do diesel consumido no país é importado e as empresas petrolíferas não só têm mais dificuldade de obter (o combustível), devido aos efeitos da guerra na Ucrânia, como também importá-lo a preços correntes não é lucrativo para elas, devido aos baixos preços locais impostos pelo governo”, diz.
Causas da crise
Mas a invasão russa não é a única razão pela qual o diesel está faltando.
Mesmo antes de Vladimir Putin ordenar a ofensiva russa, no fim de fevereiro, a demanda mundial por diesel já superava a oferta.
O principal motivo desse descompasso, segundo especialistas, foi a pandemia do coronavírus.
A paralisação econômica causada pelas quarentenas em 2019 e 2020 fez com que o uso de combustível despencasse, levando as refinarias a reduzir sua produção de diesel.
Algumas até fecharam as portas permanentemente e outras decidiram converter-se para refinar combustíveis renováveis, como parte de uma transição do setor energético para fontes mais limpas e ecológicas.
À medida que o mundo se reabriu, a partir de 2021, a demanda por diesel rapidamente ultrapassou a oferta.
Além disso, houve a rápida retomada dos voos comerciais, já que o combustível de aviação é feito da mesma quantidade de petróleo bruto que o diesel.
O analista de mercado da Reuters John Kemp alertou que esse aumento da demanda levou muitos países da América do Norte, Europa e Ásia a esgotar grande parte de seus estoques de diesel.
Na Europa e nos EUA, as ações caíram para seus níveis mais baixos desde a crise financeira de 2008, assinala ele.
Um funcionário do governo dos Estados Unidos disse a jornalistas no fim de maio que o presidente americano Joe Biden está discutindo a possibilidade de usar um estoque emergencial de diesel, criado no nordeste do país há mais de duas décadas, e até agora só usado uma vez para aliviar os efeitos do furacão Sandy, em 2012.
O objetivo seria aumentar a oferta de combustíveis para baixar os preços, o que contribuiu para os EUA registrarem sua maior inflação em quatro décadas, algo que pode manchar o desempenho do governista Partido Democrata nas eleições parlamentares de novembro.
No entanto, analistas alertam que os efeitos da liberação da reserva de emergência do Nordeste serão limitados, já que os milhões de barris de diesel despejados no mercado não seriam suficientes para impactar os preços.
Impacto econômico
Para Kemp, a falta global de diesel “anuncia uma desaceleração econômica iminente”.
“A escassez global de diesel indica que o ciclo econômico está chegando ao seu pico e que um período de crescimento mais lento ou mesmo de recessão é iminente para trazer o consumo de volta à produção”, diz ele.
O último relatório econômico do Banco Mundial, apresentado nesta semana, confirma que o mundo passa por “uma forte desaceleração do crescimento”, e alerta que isso poderá gerar “estagflação”, a combinação de baixo crescimento econômico e inflação elevada.
“Para muitos países será difícil evitar a recessão”, diz o americano David Malpass, presidente do Banco Mundial, ao lançar o relatório em 7 de junho.
O Banco Mundial estima que o crescimento da economia mundial em 2022 será de 2,9%, cerca de metade do que atingiu em 2021 (5,7%). Para o Brasil, a previsão é de crescimento de 1,5%.
Por sua vez, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) reduziu sua previsão de crescimento econômico global para este ano de 4,5% para 3%, e estimou que em seus 37 países membros haverá uma inflação média anual de 8,5%.
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