Quando o “potencial” define a ascensão na carreira, as mulheres parecem perder a disputa para os homens. Por quê?
No seu livro Lean In: Women, Work and the Will to Lead (Faça acontecer: mulheres, trabalho e a vontade de liderar, na edição em português), a CEO (diretora-executiva) do Facebook Sheryl Sandberg afirma que a maioria dos homens se candidataria a cargos mesmo que atendessem a apenas 60% das exigências, enquanto as mulheres somente se candidatariam se atendessem a 100% delas.
A afirmação de Sandberg foi desmentida posteriormente, por ter se baseado em episódios isolados, não em dados reais — mas essas estatísticas incompletas não desapareceram sozinhas.
A frase já foi mencionada em dezenas de postagens virais, artigos e livros e é usada com frequência para comprovar que o potencial dos homens, de alguma forma, é mais valorizado que o das mulheres. Alguma coisa sobre a ideia ressoou tão profundamente nas pessoas que a sua falta de comprovação factual parece não importar — ela abordou um fenômeno que as pessoas vêm observando na própria vida.
Surgem agora pesquisas indicando por que a ideia de que o potencial das mulheres é analisado de forma diferente com relação aos homens soa tão real para tantas mulheres. Um novo estudo demonstrou que as mulheres são frequentemente julgadas como tendo menos potencial de liderança que os homens, fazendo com que elas tenham 14% menos probabilidade de serem promovidas todos os anos.
A pesquisa analisou uma grande cadeia de varejo norte-americana e demonstrou que, embora as mulheres atinjam melhores avaliações de desempenho, elas tendem a receber baixas “avaliações de potencial” — uma medida de como seus chefes acreditam que elas poderão crescer e desenvolver-se no futuro.
Decidir quem deve ser promovido pode ser algo complicado. Os candidatos precisam demonstrar forte desempenho no seu nível atual e seus chefes também devem acreditar que eles possuem a capacidade de ter bons resultados no nível seguinte.
Mas o potencial não é facilmente demonstrado. As medições subjetivas que o determinam abrem a porta para o viés — e o resultado é que as mulheres muitas vezes saem prejudicadas.
Alguns argumentam que os gerentes responsáveis estão simplesmente errados e suas inclinações inerentes tornam difícil imaginar mulheres como líderes. Outros afirmam que as mulheres também estão ficando para trás por não se autopromoverem.
Mas a questão do mérito versus potencial simplesmente não aparece no ambiente de trabalho — e a solução dessa questão profundamente enraizada está longe de ser algo evidente.
Afunilamento
Nos últimos anos, surgiram mais evidências de que as pessoas simplesmente não veem potencial nas mulheres da mesma forma que veem nos homens.
Em um estudo de 2019, quase 200 participantes receberam uma seleção de currículos para um cargo de diretor em uma companhia de tecnologia fictícia. Metade deles salientava os sucessos atingidos pelos candidatos e a outra metade ressaltava o seu potencial.
Os pesquisadores facilmente observaram um padrão: os participantes frequentemente avaliavam bem os candidatos homens se eles se concentrassem no seu potencial. Para as candidatas mulheres, valia o oposto — elas eram submetidas a padrões muito mais altos e seu potencial de liderança geralmente era menosprezado.
“As características tipicamente associadas pelas pessoas ao sucesso de liderança, como assertividade e força, são também tipicamente associadas à masculinidade”, segundo Felix Danbold, professor da Faculdade de Administração do Universidade College London, que estuda como os membros de grupos dominantes reagem ao aumento da diversidade no ambiente de trabalho.
“Isso, aliado à cultura em que os homens já detêm a maior parte dos cargos de liderança, faz com que as pessoas imaginem mais facilmente que os homens têm sucesso para liderar. Eles também contam com o benefício da dúvida quando assumem um papel de liderança, enquanto as mulheres enfrentam o ceticismo permanentemente”, afirma ele.
As mulheres compõem quase a metade dos trabalhadores que entram no mercado de trabalho nos Estados Unidos, mas ainda preenchem apenas cerca de 21% dos cargos de diretoria. Os motivos desse afunilamento são complexos.
As mulheres estão mais sujeitas a interromper suas carreiras que os homens, particularmente para priorizar responsabilidades com cuidados familiares. Elas também apresentam menos propensão a candidatar-se a cargos superiores, mesmo na própria empresa.
Mas o viés inconsciente e a questão de mérito versus potencial permanecem sendo uma dificuldade significativa para as mulheres que esperam por uma promoção.
“Os gerentes responsáveis pelas contratações podem fingir que estão analisando profundamente, mas provavelmente estão decidindo com base na sua intuição”, afirma Danbold. “Isso se resume ao fato de que as mulheres não formam o protótipo dos cargos de liderança, o que significa que os gerentes provavelmente têm mais dificuldade para imaginá-las sendo bem sucedidas.”
As mulheres se restringem?
Muitas vezes, as empresas menosprezam o potencial de suas funcionárias mulheres, mas muitos especialistas também acreditam que as próprias mulheres se subestimam. A afirmação de Sandberg pode não ser totalmente verdadeira, mas certamente existem dados que indicam que as mulheres são menos propensas a candidatar-se a promoções.
Dados indicam que as mulheres tendem a promover menos o seu trabalho, avaliando seu desempenho como se fosse 33% inferior ao dos seus colegas homens com igual desempenho. Gerentes mulheres também são mais propensas a ter menos autoconfiança e menos expectativas de atingir níveis de diretoria ao longo da carreira.
Os gerentes responsáveis por contratações podem estar deixando de ver potencial entre suas funcionárias mulheres, mas também é possível que as mulheres não estejam divulgando seu potencial da mesma forma que fazem seus colegas homens.
“Comportamentos sociais enraizados fizeram com que as mulheres hesitassem mais para candidatar-se a cargos profissionais”, afirma Suki Sandhu, especialista em diversidade e CEO da consultoria de inclusão e diversidade Audeliss and INvolve, com sede no Reino Unido.
“Elas são mais propensas a autodepreciar-se e mencionam pontos onde não têm capacidades, em vez de destacar onde são capazes”, afirma ele. “Elas também tendem a preocupar-se mais com questões como comprovar suas capacidades, enquanto seus colegas homens são mais confiantes nesse ponto.”
A questão de mérito versus potencial não aparece apenas no ambiente de trabalho tradicional. Zoë Chance, professora da Faculdade de Administração de Yale, nos Estados Unidos, indica a política como um exemplo de como o potencial das mulheres muitas vezes é subestimado.
É comum vermos candidatos homens mais jovens nas eleições, mas as candidatas mulheres tendem a entrar na política com mais idade. Chance afirma que isso ocorre porque as mulheres passam anos acumulando experiência, realizações e reconhecimento antes de considerar-se — e serem consideradas — candidatas confiáveis.
Os eleitores e os políticos poderão também agir de forma muito similar aos gerentes responsáveis por contratações. “As mulheres se sentem forçadas a competir com base no seu histórico, enquanto os homens podem competir com sua visão”, afirma ela. “Não é coincidência que os políticos jovens que elegemos tendem a ser homens.”
Solucionando o problema
A falha em ver o potencial das mulheres é consequência de décadas de comportamentos socioculturais profundamente enraizados. Mas é realista imaginar que isso pode ser desfeito?
“O importante é concentrar-se em retirar o viés do sistema e não confiar que as pessoas eliminem suas orientações sozinhas, o que levaria muito mais tempo”, afirma Chance. “As mulheres são menos dispostas a pedir aumentos e promoções — menos propensas a perceber que elas podem pedir — e é importante que os chefes das mulheres não esperem até que elas peçam alguma coisa.”
A ideia de que as mulheres não se apresentam suficientemente para promoções ou para falar sobre o seu potencial coloca sobre elas, injustamente, o ônus da solução do problema. Na verdade, nós deveríamos estar nos concentrando em resolver por que as mulheres não se sentem capazes de candidatar-se a promoções — e como as empresas podem garantir que elas sejam avaliadas com justiça quando estiverem concorrendo.
Para que essa mudança ocorra, é fundamental desafiar nossas crenças sobre o que é a liderança, mas este pode ser um processo lento e intangível.
Sophie Milliken, especialista britânica em recursos humanos e autora do livro The Ambition Accelerator (“O acelerador da ambição”, em tradução livre), afirma que também existem medidas práticas que as empresas podem tomar para apoiar suas funcionárias mulheres e reescrever definitivamente a narrativa do mérito versus potencial.
“É preciso sempre considerar o apoio específico de que as mulheres precisam no início da carreira”, afirma ela. “Mentores podem funcionar bem, além de programas de desenvolvimento dedicados especificamente às mulheres.”
“Pode-se oferecer treinamento aos gerentes responsáveis por contratações, para incentivá-los a contestar suas próprias predisposições e ter critérios de avaliação robustos”, prossegue Milliken. “Facilitadores independentes para contratar e promover funcionários podem [também] ajudar a contestar tendências de forma construtiva.”
Atualmente, a questão do mérito versus potencial é um círculo vicioso problemático. Quando as pessoas não veem mulheres suficientes em cargos de comando, pode parecer difícil acreditar que elas têm o necessário para liderar.
Impulsionando mais mulheres para cargos de diretoria, as empresas podem provar que suas colegas, de fato, têm potencial. E o que elas fizerem quando chegarem lá também poderá ajudar a próxima geração de mulheres a atingir o topo das organizações.
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