- Joseph P. Laycock
- The Conversation*
Em setembro de 2021, uma criança com três anos de idade foi morta durante uma sessão de exorcismo em uma pequena igreja pentecostal em San José, na Califórnia (Estados Unidos).
Alguém supostamente apertou a garganta da criança e manteve sua cabeça abaixada durante a cerimônia, o que provavelmente a asfixiou. Em maio de 2022, três familiares da vítima foram acusados de crime de abuso infantil.
Diversas mortes famosas ocorreram em rituais de exorcismo no passado. Em 1976, a alemã Anneliese Michel morreu de desidratação e desnutrição depois de cerca de 10 meses de exorcismos católicos. E, em 2005, a freira ortodoxa romena Maricica Irina Cornici morreu na ambulância depois de uma sessão de exorcismo na qual ela foi acorrentada a uma cruz.
O exorcismo é praticado na maior parte das culturas do planeta, mas, no imaginário ocidental, ele é mais associado ao catolicismo. Essa associação vem sendo um ativo ou um passivo da igreja, ao longo de diversos períodos da história.
Na maior parte do século 20, o exorcismo foi incrivelmente raro nas nações ocidentais e, muitas vezes, observado com constrangimento pelas autoridades católicas.
Após o lançamento do filme O Exorcista, de William Friedkin, em 1973, o padre jesuíta e professor de psicologia da Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos, Juan Cortez declarou à revista Newsweek que não acreditava na existência de demônios.
Nos dias atuais, a Igreja Católica alterou completamente sua posição sobre a discussão do exorcismo.
Em 1991, autoridades eclesiásticas permitiram o televisionamento de uma sessão de exorcismo no programa 20/20, da rede de TV norte-americana ABC. O padre Richard P. McBrien, que compareceu ao programa Nightline para questionar a sensatez da decisão, declarou ao jornal The Catholic Courier que o exorcismo estava sendo apresentado daquela forma para fazer avançar uma agenda política e não para salvar almas.
Para McBrien, “o objetivo real desse projeto, afirmo, foi de ajudar a trazer de volta aquela religião antiga, em que todos, especialmente as mulheres, conheciam o seu lugar, quando os católicos obedeciam sem questionar todas as ordens vindas de cima e estava fora de questão que a Igreja Católica era a única igreja verdadeira, com todas as respostas para todas as perguntas importantes que temos sobre a vida, tanto aqui como depois [da morte].”
Como acadêmico de estudos religiosos, escrevo sobre o exorcismo do ponto de vista histórico. Acredito que a mudança de postura da igreja sobre o exorcismo tem pouco a ver com a compreensão das doenças mentais pela nossa cultura ou com outro avanços científicos. Ela tem mais a ver com visões em disputa na própria igreja, conforme descrito por McBrien.
Superstição e estigmatização
Historicamente, a maioria protestante dos Estados Unidos estigmatizou os católicos como “imigrantes supersticiosos”.
Após o Concílio Vaticano 2° (uma reunião mundial de bispos católicos realizada entre 1962 e 1965), houve um esforço para minimizar os elementos mais sobrenaturais da tradição católica. Eram especialmente controversas as tradições relativas ao que o historiador norte-americano Robert Orsi chama de “presença” – a crença de que forças sobrenaturais operam entre nós, e não em algum reino transcendente.
Muitas autoridades da igreja acreditavam que, se não se “modernizassem”, eles perderiam a geração mais jovem. A romancista católico Flannery O’Connor descreveu a tendência predominante em 1962 desta forma: “O sobrenatural é um constrangimento”.
Ironicamente, à medida que a igreja tentava se modernizar, crescia o interesse da contracultura pelo ocultismo, popularizando livros e filmes que formaram o caminho até O Exorcista. O filme tornou-se um fenômeno social e os padres subitamente foram inundados por pedidos de exorcismo.
William O’Malley, padre jesuíta que participou do filme como ator, descreveu esse ressurgimento para o sociólogo canadense Michael Cuneo:
“Eu lecionava em uma escola jesuíta em Rochester [Estados Unidos] naquela época e, em uma certa época, o telefone não parava de tocar”, relatou ele. “Eles ligavam em busca de uma solução instantânea, implorando que eu retirasse seus demônios, os demônios dos seus filhos e até os demônios dos seus gatos.”
“Não é que eu elimine a possibilidade de possessão demoníaca. Como se diz, ‘há mais coisas entre o céu e a terra, Horácio, do que sonha a nossa vã filosofia’. Mas esse filme parece ter detonado algumas vibrações realmente estranhas”, segundo O’Malley.
Muitos católicos conservadores adoraram O Exorcista. Os tradicionalistas (católicos conservadores que questionaram as reformas do Concílio Vaticano 2°) capitalizaram essa nova procura por exorcismo, defendendo que a modernização havia deixado os católicos vulneráveis a ataques demoníacos.
E a Igreja Católica também enfrentava concorrência. As pessoas que não conseguiam uma sessão de exorcismo dos católicos agora tinham diversas opções. Os pentecostais vinham expulsando demônios há décadas. E havia também um sem-número de curadores da Nova Era oferecendo sessões de exorcismo.
A volta dos exorcistas
O Código de Direito Canônico de 1917 foi a primeira codificação oficial abrangente das leis da igreja. Ele exigia que todos os bispos nomeassem um exorcista oficial. Mas, na realidade, a maioria das dioceses não obedecia essa exigência, que acabou sendo retirada na atualização do código em 1983.
Em 1990, foi fundada a Associação Internacional de Exorcistas, para tentar convencer o Vaticano a levar o exorcismo mais a sério. Já em 2004, a Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano pediu às dioceses de todo o mundo que voltassem a nomear exorcistas.
Esses novos exorcistas precisavam ser treinados. Por isso, o seminário do Vaticano – o Ateneu Pontifício Regina Apostolorum – ofereceu um curso especial em 2005.
Um dos que passaram pelo treinamento foi o padre Gary Thomas, cujas experiências foram descritas pelo jornalista norte-americano Matt Baglio e serviram de base para o filme O Ritual, de 2011. No filme, um padre com pouca fé é enviado a Roma para aprender exorcismo, culminando em uma batalha dramática contra o demônio Baal.
Em 2014, a Associação Internacional de Exorcistas recebeu finalmente o reconhecimento formal do Vaticano.
O papa Francisco, que assumiu em 2013, tem sido considerado favorável ao exorcismo. Em 2017, ele incentivou os padres a encaminhar paroquianos a um exorcista, se o seu discernimento determinasse que era realmente necessário.
Paradoxalmente, a abertura do papa Francisco ao exorcismo pode estar relacionada com a sua agenda progressista.
Francisco é o primeiro papa jesuíta. A ordem dos jesuítas – a mesma a que pertencia o padre Karras em O Exorcista – enfatiza a educação e os jesuítas são conhecidos de longa data por serem livres pensadores. Teorias da conspiração da extrema-direita acusam os jesuítas de apoiar o comunismo ou tentar corromper a igreja do lado de dentro.
Como papa, Francisco fez declarações relativamente tolerantes sobre a homossexualidade e criticou o capitalismo – mudanças de rumo que poderiam afastar a ala conservadora da igreja. Mas os tradicionalistas podem pelo menos ter o consolo de saber que o papa Francisco é aberto ao exorcismo e à realidade demoníaca.
Historicamente, o exorcismo também tem sido uma forma de atrair a conversão de novos fiéis. Algumas das pessoas que acreditavam terem sido possuídas depois de assistirem a O Exorcista interessaram-se pelo catolicismo e começaram a comparecer às missas.
No ano da estreia do filme, a imprensa noticiou que um exorcista católico de São Francisco, nos Estados Unidos, ajudou uma família que acreditava estar sob ataque demoníaco. Em consequência, um dos membros da família converteu-se do judaísmo ortodoxo ao catolicismo.
Para uma igreja com números decrescentes de fiéis e que ainda enfrenta a sombra dos escândalos de abuso por sacerdotes, qualquer possibilidade de novas conversões deve exercer um certo apelo.
Exorcismo e política
O exorcismo tornou-se mais presente na cultura católica, evangélica e pentecostal.
Um estudo da empresa de pesquisas YouGov, realizado em 2013, concluiu que 51% dos americanos acreditam em possessão demoníaca. Mas, ao mesmo tempo, a frequência dos fiéis nas igrejas católicas continua a cair.
Essa tendência reflete um padrão maior de polarização cultural nos Estados Unidos, entre o secularismo crescente e uma cultura religiosa cada vez mais conservadora. E, de fato, o exorcismo vem desempenhando um papel cada vez mais importante na guerra cultural.
Em 2018, um padre de Chicago, nos Estados Unidos, foi afastado do cargo pelo seu bispo por fazer uma oração exorcista enquanto queimava uma bandeira do arco-íris, símbolo do movimento LGBTQIA . E, em 2020, um arcebispo em São Francisco realizou uma sessão de exorcismo em um local onde manifestantes haviam derrubado uma estátua do missionário espanhol Junípero Serra em uma igreja. Serra foi canonizado em 2015, mas os nativos americanos o acusam de ter incentivado e auxiliado o genocídio dos povos indígenas pelos espanhóis.
Enquanto essas tendências continuarem, será difícil dizer por quanto tempo figuras como o papa Francisco conseguirão manter o comando. E, enquanto isso, é provável que o exorcismo encontre apelo cada vez maior entre os católicos e também em outras denominações religiosas.
*Joseph P. Laycock é professor de estudos religiosos da Universidade Estadual do Texas, nos Estados Unidos.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em inglês).
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