• Andrea Díaz Cardona
  • BBC News Mundo

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A família teme por suas vidas se eles retornarem ao México

Notícias como estas começaram a surgir com mais frequência em 2009:

“México: nove corpos desmembrados são encontrados”

“Polícia mexicana encontra 14 corpos em cova”

Naquele ano, a violência havia aumentado no México, por ação dos cartéis de drogas, e houve crescimento nos assassinatos em diferentes regiões do país.

Cadáveres decapitados expostos publicamente em passarelas se tornaram frequentes em meio ao conflito entre os grupos que disputavam controle do narcotráfico.

A população civil começou a ser afetada, especialmente aqueles que tinham renda que poderia atrair a atenção dos cartéis. Isso fez com que muitos mexicanos começassem a fugir para se proteger.

E foi nesse contexto que a família Pérez (sobrenome fictício) temeu por seu futuro e decidiu fugir.

Mas como essa família acabou abrigada por meses em uma igreja protestante no Canadá? A BBC conta essa história.

A viagem

Em 2009, quando consideraram que a situação no México começou a ficar muito perigosa, os Pérez, como muitos outros mexicanos, decidiram emigrar.

Eles chegaram primeiro aos EUA e de lá tentaram atravessar para o Canadá pela fronteira terrestre. O que eles não sabiam na época é que, desde 2005, existe entre o chamado acordo de terceiro país seguro.

A lei diz que, com algumas exceções, se alguém já passou pelos EUA, não pode solicitar asilo ao chegar no Canadá. E foi isso que as autoridades canadenses disseram aos Pérez, que então foram enviados de volta para os EUA.

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A família tentou atravessar por terra para o Canadá a partir dos EUA

Eles acabaram voltando ao México e tendo que lidar com a situação local. Eles abriram um negócio de alimentos perto de um campus educacional e, como outros, começaram a perceber a violência como parte da paisagem.

Até que, nove anos depois, a situação se tornou insustentável. Os cartéis começaram a forçar os civis a colaborar com suas atividades ilícitas. Aqueles que se recusavam eram mortos.

E isso aconteceu com os Pérez. Em 2018, “tentaram forçá-los a vender drogas no negócio da família e, como eles se recusaram, receberam fortes ameaças”, explica à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC) Stewart Istvanffy, o advogado que hoje representa a família.

A família nunca concordou em ser cúmplice ou pagar extorsão. E as intimidações se tornaram realidade. Uma noite, o cartel incendiou seus negócios.

Os Pérez sabiam que tinham que fugir. Algum conhecido havia recomendado que fossem a uma cidade em Quebec, província francófona do Canadá. Eles planejaram a viagem em pouco tempo e desta vez voaram diretamente para o Canadá.

Ao chegarem ao aeroporto, eles receberam uma autorização de residência temporária por seis meses, à qual têm direito como cidadãos mexicanos.

Algumas semanas depois, quando já estavam instalados, eles contataram uma advogada que lhes havia sido recomendada e, com seu conselho, apresentaram um pedido oficial de asilo.

Mas então houve uma surpresa: os Pérez não sabiam que, em 2009, quando retornaram aos EUA, havia sido registrada uma rejeição de seu pedido de asilo e que, na lei canadense, isso os impede de fazer um novo pedido.

“O que eles tinham direito era a algo chamado Avaliação de Risco Antes do Retorno (ERAR, na sigla em francês)”, explica Istvanffy.

Eles enviaram documentos para essa avaliação, mas não incluíram as provas mais importantes e evitaram falar sobre o cartel que os ameaçava. Eles estavam com medo de retaliações a seus parentes que ficaram no México.

O Canadá concedeu uma autorização de trabalho temporário enquanto analisava o caso.

Durante quase três anos a família conseguiu ter uma vida normal. Eles conseguiram emprego, casa, escola, aprenderam o idioma e pagaram seus impostos.

Durante esse tempo, outro membro da família que havia ficado no México tentou retomar o negócio.

Mais de um ano havia se passado desde o incêndio, mas quando o cartel descobriu a retomada dos negócios, as ameaças e intimidações recomeçaram.

Como eles se recusaram novamente a pagar aos criminosos, “eles [um casal e uma criança] foram trancados no banheiro da casa, amarrados”.

“Jogaram gasolina por todos os lados e atearam fogo na casa. Tentaram queimá-los vivos”, conta Istvanffy.

Eles não morreram porque uma das pessoas conseguiu se soltar e libertar os outros. A casa foi incendiada e “eles ficaram com estresse pós-traumático e ansiedade”, diz Istvanffy.

Hoje, essa parte da família também está no Canadá e espera receber asilo.

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Canadá, EUA e México compartilham o T-MEC, um acordo de livre comércio que em julho de 2020 substituiu o Nafta

A decisão

A avaliação do caso coincidiu com a chegada da pandemia e tudo foi adiado. Os Pérez receberam a resposta oficial ao seu pedido de asilo no final de 2021.

Para as autoridades canadenses, a documentação da família não mostrava que eles estavam em risco no México, então eles enviaram uma ordem de extradição.

“O governo canadense argumenta que eles não são obrigados a retornar àquele local específico, mas a realidade é que os cartéis são muito fortes e estão presentes em todo o território mexicano. Infelizmente, existe um narcoestado lá”, diz Istvanffy.

“É muito triste. Estamos correndo um grande risco se voltarmos ao México, um grande risco de que nos matem, que nos assassinem”, disse um dos familiares à rede CBC.

Essa é uma das críticas que a comunidade canadense faz ao governo: por que o governo está dizendo a essa família que eles não correm risco no México, mas ao mesmo tempo recomenda que cidadãos canadenses não viajem ao país por causa da insegurança?

A igreja como última opção

Em meio à angústia de ter que voltar e enfrentar o cartel que os atacou, a família tomou a decisão de se refugiar em uma igreja e pedir “santuário”, tradição que não está inscrita no código legal, mas que remonta “ao direito canônico antes do Canadá ser estabelecido como país, quando a igreja tinha o poder de proteger aqueles que se refugiavam lá”, explica Istvanffy.

Conforme relatado pela Agência de Serviços de Fronteiras do Canadá à CBC: “Embora não haja restrição legal para entrar em um local de culto para executar um mandado de prisão, a agência prefere se envolver com indivíduos sujeitos ao cumprimento da imigração e a instituição que fornece santuário com o objetivo de alcançar o cumprimento voluntário.”

Os Pérez foram acolhidos por uma igreja protestante.

“Não queremos contrariar as leis de imigração de nosso país, mas aproveitar a antiga e canônica prática de oferecer refúgio a pessoas ameaçadas ou perseguidas. Queremos dar à família o tempo necessário para permanecer neste país legalmente e protegendo-os de uma ameaça muito real às suas vidas e segurança se eles retornarem ao seu local de origem”, disse a congregação em comunicado.

Existe uma comissão da comunidade local que os acompanha, garantindo que não falte o necessário, inclusive apoio psicossocial. A comissão os colocou em contato com Stewart Istvanffy, advogado de defesa de direitos humanos, que assumiu o caso desde novembro de 2021.

Istvanffy diz que os Pérez têm provas suficientes para demonstrar o perigo que correm em seu país, mas que havia falhas em seu caso: “havia um problema e é que no processo ERAR, a família não apresentou todas as evidência do perigo”.

O advogado que os aconselhou antes não anexou toda a documentação e agora, quando a situação é ainda mais crítica, eles esperam que essas provas sejam levadas em consideração, bem como que a família seja ouvida. Até agora eles nunca tiveram a possibilidade de dar seu testemunho às autoridades.

“O que esperamos é que o Ministro da Imigração canadense dê a eles status temporário e depois residência permanente. Isso é baseado no apoio que eles receberam da comunidade canadense”, diz o advogado.

A família vem recebendo manifestações de solidariedade em Quebec. Houve, por exemplo, uma marcha de solidariedade à família da qual participaram mais de 200 pessoas. Eles também receberam o apoio de alguns políticos locais. A prefeita da cidade onde estão os Pérez disse à imprensa canadense que está comovida com a história.

A deputada federal que representa a cidade no parlamento se reuniu com a família e lamentou sua situação dramática. Ela também disse à CBC que, embora não possa comentar detalhes do caso, está em comunicação com o ministro da Migração.

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Cidadãos mexicanos podem passar seis meses no Canadá

Antecedentes

O Canadá é conhecido por acolher refugiados de várias regiões do mundo.

Embora tenha recebido refugiados da Europa, África e Ásia, sua proximidade com a América Latina o torna um destino viável para essa população. Por exemplos: depois do Equador e da Espanha, o Canadá é o terceiro país que mais recebeu colombianos como refugiados durante o conflito interno da Colômbia.

Há também uma população significativa de chilenos que fugiram do regime militar de Pinochet, bem como salvadorenhos, guatemaltecos e venezuelanos.

Mas o maior desafio é o México.

“O problema é que há uma discriminação muito forte contra os mexicanos porque, para o sistema canadense, o México representa um desafio importante: eles podem entrar sem visto, são membros do acordo de livre comércio com os EUA e o Canadá. Eles são nossos vizinhos mais próximos na América Latina”, explica Istvanffy. “Há dez, 12 anos, mais de um quarto das pessoas que pediam refúgio no Canadá eram mexicanos. Então eles criaram um sistema de barreiras para impedir que mexicanos entrassem facilmente no Canadá.”

Os Pérez já completaram seis meses abrigados na igreja e, embora estejam seguros, sua vida cotidiana não tem sido fácil em meio ao confinamento.

O medo que eles sentem é tanto que não querem dar entrevistas porque temem ataques do cartel no México.

“Provavelmente, eles vão morrer no México. Eles não têm para onde ir. Um dos cartéis mais perigosos os ameaçou. É um grupo muito violento, é a morte que os espera”, diz Istvanffy.

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