- Cristina J. Orgaz
- BBC News Mundo
Zeitenwende significa “ponto de virada”. Essa é a palavra que explica a histórica decisão alemã após a invasão da Ucrânia pela Rússia. Uma decisão que levará à mudança da constituição alemã.
Depois de modificar as regras do país para exportação de armas, uma política mantida por décadas e que prometia não fornecer equipamento militar a nenhuma parte em conflito, a Alemanha aprovou agora o maior gasto para o seu Departamento de Defesa nos últimos 83 anos.
Juntas, as duas medidas representam a maior mudança na política externa e de segurança do país desde a Segunda Guerra Mundial.
O líder alemão, o chanceler Olaf Scholz, que substituiu Angela Merkel em dezembro, conseguiu algo que parecia impossível há alguns anos.
O parlamento concordou em modificar a constituição alemã e criar um fundo de 100 bilhões de euros (R$ 477 bilhões) para destinar 2% do PIB do país à área de defesa.
O fundo será distribuído ao longo de cinco anos. Servirá para aumentar os gastos anuais de defesa da Alemanha dos atuais 50 bilhões para 70 bilhões de euros por ano.
Um rearmamento maciço.
A maior da história da Alemanha moderna, que em breve se tornará a maior potência militar da Europa e a terceira maior do mundo, atrás da China e dos Estados Unidos.
Exército mal das pernas
Antes da invasão da Ucrânia pela Rússia, um avanço militarista do tipo seria inaceitável, mas, nos últimos meses, políticos alemães em todo o arco parlamentar começaram a dizer que o exército não está bem preparado.
Muitos de seus equipamentos estão desatualizados ou em más condições.
O chanceler afirmou que a Bundeswehr – as forças armadas alemãs – tem sido subfinanciada desde 2010.
Isso “restringiu nossa capacidade geral de defesa”, disse ele.
“Ao atacar a Ucrânia, [o presidente russo Vladimir] Putin não só quer erradicar um país do mapa, mas está destruindo a estrutura de segurança europeia”, disse ele em uma sessão parlamentar.
“Está claro que precisamos investir significativamente mais na segurança de nosso país para proteger nossa liberdade e nossa democracia”, acrescentou.
Especialistas acreditam que o problema não é apenas da Alemanha, mas que a guerra fez países europeus repensarem suas condições de segurança.
“A guerra na Ucrânia serviu à Europa para redescobrir suas necessidades de segurança há muito subestimadas”, explicaram Olgerd Eichler e Alexander Lippert, economistas e gerentes da empresa MainFirst.
“Em nossa opinião, a preservação do sistema de valores ocidental também está em jogo. Os estados europeus estão prontos para fazer maiores esforços agora”, acrescentaram em uma análise de mercado.
Diplomacia e diálogo
Como condição dos acordos que encerraram a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha ficou desmilitarizada e sem exército .
Uma situação que permaneceu até a criação das Bundeswehr (forças armadas alemãs) em 1955.
Em 1999, o Exército Alemão participou de uma missão estrangeira pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, quando a Alemanha enviou caças como parte de uma missão da Otan na guerra do Kosovo.
Após o fim do conflito, Berlim sempre buscou a diplomacia e o diálogo e abriu mão de seu poderio militar em muitas ocasiões.
Até hoje.
“O diálogo e a cooperação com a Rússia não funcionaram… entramos em uma nova era de segurança europeia”, disse Nils Schmid, do Partido Social Democrata (SPD), o mesmo do chanceler Olaf Scholz.
“É amargo admitir que por 30 anos enfatizamos o diálogo e a cooperação com a Rússia”, acrescentou Schmid. “Agora temos que admitir que não funcionou.”
A verdade é que desde a reunificação alemã, Berlim e Moscou mantinham uma relação histórica muito próxima.
Mas desde 2014, quando a Rússia invadiu e anexou a província da Crimeia, a percepção da Alemanha sobre o gigante da área da energia vem mudando .
O processo alemão foi mais lento do que de outros países vizinhos, como o Reino Unido ou os países bálticos, que tendem a ter uma postura mais dura contra a Rússia.
Detalhe importante é que a Alemanha, juntamente com a Itália, é um dos membros da União Europeia mais dependentes do gás russo.
Um fator que, segundo analistas, atrasou o rompimento de seus importantes laços com Moscou.
“A Alemanha e a Itália provavelmente estarão entre os mais afetados no espaço da UE. Eles têm uma maior dependência direta do gás russo e um setor industrial maior, onde o consumo de energia é maior do que no setor de serviços”, explicam Evelyn Herrmann e Ruben Segura-Cayuela, economistas do Bank of America, em uma análise.
Gastos militares turbinados
De acordo com o acordo, o plano será implementado imediatamente para acelerar as aquisições necessárias para equipar melhor as forças armadas.
Esse objetivo de modernização do exército também segue a ideia da Otan de gastar 2% do PIB nacional em defesa. Nos últimos anos, o investimento alemão em defesa tem girado em torno de 1,5% do PIB.
O Ministério da Defesa já elaborou uma lista do equipamento necessário, que inclui dispositivos de visão noturna, equipamentos de rádio e helicópteros de transporte pesado.
“Os 100 bilhões de euros aumentarão nossas capacidades defensivas e nossas responsabilidades com nossos aliados”, disse a ministra alemã das Relações Exteriores Annalena Baerbock, do Partido Verde, à revista Der Spiegel.
“Isso inclui a compra de 35 caças F-35 americanos, helicópteros que realmente voam, munições no valor de bilhões, rádios seguros e compatíveis com nossos aliados e muito mais para fornecer às nossas forças armadas equipamentos de última geração”, disse Baerbock na entrevista.
Os Verdes, parceiros do governo liderado pelo SPD, solicitaram que parte dos fundos seja usada para ajuda humanitária e segurança cibernética.
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