- Tulip Mazumdar
- Da BBC News
Sentados à mesa da cozinha, muitas vezes levando as mãos à cabeça, Laura Brody e Lawrence White contaram à BBC como viveram um “inferno” no dia em que perderam seu bebê. A morte da criança em um aborto espontâneo levou o casal a fazer algo inimaginável até então.
“Levei um pote de plástico com os restos mortais do meu bebê para casa em um táxi, abri um espaço em nossa geladeira e coloquei a caixa lá”, diz Lawrence.
Horas antes, o casal foi correndo para a emergência do Hospital Universitário de Lewisham, no Reino Unido, depois que Laura teve um aborto espontâneo e tardio em casa.
Mas o casal foi avisado de que não havia lugar seguro para guardar os restos mortais do feto — eles sentiram que sua única opção era levar o corpo para casa.
O órgão responsável pelo sistema de saúde pública britânico afirma que uma investigação foi aberta para apurar o episódio, que aconteceu há alguns meses. Mas o caso levantou preocupações mais amplas sobre os cuidados com o aborto espontâneo no Reino Unido.
Laura e Lawrence sabiam que havia algo errado quando Laura começou a sangrar por volta do quarto mês da gravidez.
Eles correram para a maternidade do Hospital Universitário de Lewisham e foram informados que estava tudo bem, pois o bebê ainda tinha batimentos cardíacos.
Mas dias depois, após outro exame, os médicos confirmaram que o bebê havia morrido – ele ainda estava na barriga da mãe. O casal, mandado para casa, foi instruído a esperar um leito disponível para Laura dar à luz ao bebê morto.
Dois dias depois, Laura acordou sentindo dores fortes. Ela correu para o banheiro, e foi lá que deu à luz ao bebê.
Ela disse que a princípio não tinha entendido o que havia acontecido. Mas, quando removeu o que havia caído no vaso sanitário, percebeu que eram os restos mortais de seu bebê.
“E foi então que vi que era um menino”, disse ela.
Ela gritou e, em pânico, saiu correndo do banheiro, fechou a porta e disse ao parceiro: “Não entre aí”.
O casal ligou para o serviço de emergência, mas foi informado de que o caso “não se tratava de uma emergência”. Então, a dupla embrulhou os restos mortais de seu filho pequeno em um pano úmido, colocou o corpo na caixa e seguiu para o pronto-socorro.
Eles dizem que, quando chegaram, “foi um caos total.”
“Fomos colocados na sala de espera geral e disseram para nos sentarmos nos fundos”, disse Laura.
“Eu estava lá segurando meu bebê em uma caixa de tupperware, chorando, com 20 ou 30 outras pessoas na sala de espera.”
Depois, eles foram levados para outra sala, onde Laura foi informada de que precisaria de uma cirurgia para remover a placenta.
Durante todo esse tempo, segundo o casal, o bebê permaneceu na caixa, e os funcionários diziam que não havia lugar seguro para guardá-lo.
“Ninguém sequer abria a caixa e olhava para o nosso bebê”, disse Laura.
“Era quase como se ninguém quisesse reconhecer o que estava acontecendo. Porque se o fizessem, teriam que lidar com o problema”, acrescentou Lawrence.
À meia-noite, o casal decidiu que não tinha outra opção a não ser levar os restos mortais do feto para casa.
“Não havia ninguém no hospital disposto a cuidar de nosso bebê. Ninguém parecia saber o que estava acontecendo”, disse Lawrence.
“Nosso bebê estava em uma caixa quente havia quase cinco horas. Então decidimos juntos que eu o levaria para casa.”
Eles voltaram para casa de táxi. “Foi um momento solitário e surreal: eu abrindo espaço na minha geladeira para colocar a caixa. Parecia tão grotesco”, diz Laura.
Em um comunicado, o NHS (sistema de saúde pública britânico) afirmou que lamenta o episódio.
“Lamentamos profundamente e oferecemos nossas mais sinceras condolências à Sra. Brody e seu parceiro pela trágica perda de seu bebê e essas experiências traumáticas”.
“Uma investigação completa está em andamento para entender onde ocorreram as falhas no atendimento para que as mudanças e melhorias necessárias possam ser feitas”.
A entidade diz que se reuniu com Laura para discutir as ações de reparação por sua experiência com o serviço.
“Isso inclui a criação de uma clínica para pessoas que tiveram abortos espontâneos com o objetivo de discutir suporte contínuo. Também estamos revisando nossos processos para sempre oferecermos suporte compassivo e oportuno a pessoas que tiveram aborto espontâneo, além de tornar mais fácil o acesso ao sistema de saúde a pacientes que têm problemas urgentes no início da gravidez”, disse o NHS.
‘Atirado para o inferno’
Laura e Lawrence entraram em contato com a BBC depois de ver algumas reportagens especiais sobre cuidados com abortos espontâneos em todo o mundo. Eles dizem que decidiram contar sua história para tentar garantir que casos como o deles não aconteçam mais.
“Parece que não há uma rede de segurança quando as coisas dão errado com a gravidez”, disse Laura. “E, mesmo com toda a equipe e especialistas trabalhando muito duro, os processos são muito falhos. Parecia que fomos jogados no inferno.”
Existem diretrizes para todas as quatro nações do Reino Unido sobre a melhor forma de cuidar de mulheres que sofrem abortos espontâneos. Mas, para especialistas, há preocupações de que os funcionários não tenham tempo nem treinamento suficientes para entender e colocar os procedimentos em prática.
O Departamento de Saúde diz que novas diretrizes devem ajudar os hospitais a fornecer atendimento personalizado em casos de aborto espontâneo.
A professora Dame Lesley Regan, ginecologista e porta-voz do Royal College of Obstetricians and Gynaecologists, disse que o aborto tardio costuma ser raro – acontece uma vez em cada 100 gestações. Muitos funcionários do NHS podem não saber como responder a emergências como essa, diz.
“Acho que os abortos tardios são muito menos compreendidos, e alguns profissionais de saúde acham isso muito assustador”, afirma Regan.
Ruth Bender Atik, chefe da The Miscarriage Association (grupo de mulheres que sofreram aborto e que oferece apoio a pacientes), descreveu o caso de Laura e Lawrence como “insuportável”.
“Simplesmente deveria haver um local frio disponível no pronto-socorro para que esses pequenos corpos possam ser armazenados com segurança, respeito e cuidado”, disse Atik.
No entanto, Zoe Clark-Coates, da instituição de caridade Saying Goodbye, e co-presidente da Pregnancy Loss Review, disse que problemas semelhantes não são raros e que alguns casais foram instruídos a armazenar os restos mortais de seus bebês durante um fim de semana até que os hospitais pudessem aceitá-los.
Muitas vezes, mulheres são aconselhadas a levar seu bebê ou resquícios da gravidez para que sejam realizados testes para tentar entender por que o aborto aconteceu.
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