- Carlos Serrano (@carliserrano)
- BBC News Mundo
Você tem um minuto para falarmos sobre o segundo?
A unidade fundamental do tempo, da qual depende a maioria das demais grandezas do nosso sistema de medidas, não sofreu alterações em mais de 70 anos.
Mas o avanço da tecnologia indica que está na hora de atualizar e tornar mais precisa a definição do que é um segundo.
Esta é a opinião dos pesquisadores do Escritório Internacional de Pesos e Medidas (BIPM, na sigla em francês). Com sede em Paris, na França, o BIPM é o organismo responsável pelo estabelecimento dos padrões internacionais dos sistemas de unidades de medida.
Os metrologistas do BIPM, em conjunto com especialistas de vários países, estão se preparando para alterar a forma de medição do segundo. É uma operação bastante delicada, cujo resultado pode ser fundamental para mudar a forma como compreendemos o universo.
O que é um segundo?
O segundo é a unidade básica de medição do tempo no sistema internacional de medidas.
Mas, na verdade, outras unidades básicas como o metro (comprimento), o quilograma (massa), o ampere (corrente) e o kelvin (temperatura) são definidas com base no segundo.
O BIPM define o metro, por exemplo, como “o trajeto percorrido pela luz no vácuo durante um período de 1/299.792.458 de segundo”.
Por milênios, a humanidade se valeu da astronomia para definir suas unidades de tempo. Mas, desde 1967, utiliza-se a observação dos átomos para definir o segundo. Isso porque os átomos se comportam de forma mais precisa que a rotação da Terra, que não é perfeitamente uniforme.
Os cientistas observaram que, por milhões de anos, a Terra vem girando mais lentamente. Com isso, os dias vêm ficando em média 1,8 milissegundos maiores a cada século.
Assim, por exemplo, há 600 milhões de anos, o dia terrestre durava apenas 21 horas. E, para piorar as coisas, diversos estudos demonstraram em 2020 que, nos últimos 50 anos, o planeta começou a girar mais rápido.
Por isso, embora seja imperceptível, o “segundo astronômico” nem sempre é igual, enquanto as partículas atômicas se movem de forma mais precisa e previsível.
O segundo atômico
Desde 1967, o segundo começou a ser definido com base na oscilação das partículas de átomos de césio 133, quando expostas a um tipo especial de micro-ondas. O dispositivo empregado para fazer esta medição é chamado de relógio atômico.
Quando são expostos a estas micro-ondas, os átomos de césio 133 comportam-se como um pêndulo que “oscila” 9.192.631.770 vezes por segundo.
Até então, o segundo tomado como referência para contar as oscilações era baseado na duração de um dia do ano de 1957, determinado a partir do comportamento da Terra, da Lua e das estrelas. Agora, o BIPM definiu que a medida oficial do segundo seria calculada a partir da quantidade de oscilações das partículas de átomos de césio 133.
Assim, resumidamente, o segundo hoje é definido como o tempo que o césio leva para oscilar 9.192.631.770 vezes. Mas esta definição parece estar com os dias contados.
O novo segundo
Há cerca de uma década, existem os relógios ópticos atômicos, com capacidade de observar o “tique-taque” de átomos que oscilam com muito mais rapidez que o césio.
Alguns deles contam o tique-taque do itérbio, do estrôncio, do mercúrio ou do alumínio, por exemplo. É como se o relógio atômico tivesse uma lupa que permitisse detectar mais oscilações e definir o segundo com maior precisão.
E existem atualmente dezenas destes relógios ópticos em vários países. Espera-se com eles, como já demonstraram alguns experimentos, que as diversas medições possam ser comparadas para comprovar os resultados obtidos.
O BIPM planeja usar os relógios ópticos atômicos para medir o segundo, mas ainda está definindo os critérios para fazer esta medição. O mais importante é comprovar a precisão prometida pelos relógios ópticos, segundo Gérard Petit, pesquisador da equipe de tempo do BIPM.
Até o momento, as melhores comparações foram realizadas entre relógios ópticos de um mesmo laboratório. Mas Petit afirmou à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, que o objetivo é comparar diversos relógios de diferentes laboratórios. E também é necessário definir o elemento da tabela periódica que substituirá o césio como referência.
Além disso, os relógios ópticos atômicos são dispositivos tremendamente complexos, muitos deles exigem todo um laboratório para sua operação.
Alguns desafios enfrentados por estes aparelhos são, por exemplo, emitir o tipo de radiação laser com precisão exata para fazer com que os átomos oscilem de forma correta, ou tenham pulsos de laser ultravelozes com intervalos mínimos, para não perder as oscilações que devem ser contadas, segundo explica ao portal Live Science o pesquisador Jeffrey Sherman, do departamento de tempo e frequência do Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia dos Estados Unidos (NIST, na sigla em inglês).
Gérard Petit indica que, se tudo sair conforme o planejado, os critérios devem começar a ser definidos em junho de 2022, e o novo segundo deve entrar em vigor a partir de 2030.
“São operações e comparações complexas”, diz ele.
Revelando mistérios
O que vai acontecer quando mudar a definição do segundo?
“Nada”, afirma Petit, rindo.
A principal razão para atualizar o segundo é manter as coisas em ordem, pois a estrutura de medidas do mundo depende do segundo.
“É possível viver por algum tempo com uma definição que não seja a mais precisa, mas, depois de um certo tempo, ela se torna ininteligível”, diz Petit.
“Na prática, na vida diária, talvez não mude nada, mas, na ciência, é necessária uma definição baseada na melhor medição possível.”
Além disso, medir o tempo de forma ultraprecisa pode nos ajudar a entender fenômenos que atualmente não são compreendidos.
O NIST explica, por exemplo, que os relógios ópticos já foram empregados para medir a distorção do espaço-tempo descrita pela teoria da relatividade de Einstein.
Os relógios ópticos são tão precisos que podem demonstrar uma diferença entre dois relógios com diferença de altitude de apenas um centímetro. Isso acontece porque, devido à gravidade, o tempo corre mais lentamente no nível do mar que em grandes altitudes, como no Monte Everest, por exemplo.
Estes relógios ultraprecisos também poderão servir para detectar a enigmática matéria escura, que compõe 25% do universo, mas da qual pouco se sabe. Com a nova tecnologia, os cientistas poderão detectar essa matéria desconhecida que influencia a matéria comum e o espaço-tempo.
E poderão também fornecer pistas sobre as ondas gravitacionais primordiais, que são ecos do Big Bang que deformam o espaço-tempo, como uma pedra lançada sobre um lago. Os relógios atômicos poderão ser capazes de detectar estas deformações e fornecer mais pistas sobre a formação do universo.
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