Um estudo conduzido por cientistas ligados aos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) alertou em 2018 que o “ressurgimento da varíola dos macacos na Nigéria” era “uma preocupação global de segurança sanitária”.
“A Nigéria está atualmente enfrentando o maior surto documentado de varíola humana na África Ocidental. Durante a última década, mais casos humanos de varíola foram relatados em países que não relataram a doença em várias décadas. Desde 2016, casos foram confirmados na República Centro-Africana (19 casos), República Democrática do Congo (> 1.000 notificados por ano), Libéria (dois), Nigéria (> 80), República do Congo (88) e Serra Leão (um)”, escreveram os especialistas na época.
Segundo eles, o aumento aparente de casos de varíola dos macacos humana em uma ampla área geográfica, o potencial de disseminação e a falta de vigilância confiável “aumentaram o nível de preocupação com essa zoonose emergente”.
No estudo, os cientistas lembraram que, em novembro de 2017, a Organização Mundial da Saúde (OMS), em colaboração com o CDC, organizou uma consulta informal sobre a varíola com pesquisadores, parceiros globais de saúde, ministérios da saúde e especialistas em ortopoxvírus para revisar e discutir a varíola de macacos humana em países africanos “onde os casos tinham sido detectados e também identificar componentes de vigilância e resposta que precisam ser melhorados”.
Eles também destacaram que a varíola dos macacos endêmica em humanos foi notificada em mais países “na última década do que nos 40 anos anteriores”.
“Desde 2016, casos confirmados de varíola dos macacos ocorreram na República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Libéria, Nigéria, República do Congo e Serra Leoa e em chimpanzés cativos em Camarões. Muitos países com varíola endêmica carecem de experiência recente e conhecimento específico sobre a doença para detectar casos, tratar pacientes e impedir a propagação do vírus.”
“Melhorias específicas na capacidade de vigilância, diagnóstico laboratorial e medidas de controle de infecção são necessárias para lançar uma resposta eficiente.”
“Além disso, as lacunas no conhecimento sobre a epidemiologia e a ecologia do vírus precisam ser abordadas para projetar, recomendar e implementar as medidas de prevenção e controle necessárias.”
No surto atual, Grã-Bretanha, Portugal, Espanha, Estados Unidos e Canadá estão entre os países com casos suspeitos ou já identificados.
A Agência de Segurança da Saúde do Reino Unido (UKHSA, na sigla em inglês) detectou dois novos casos da doença, um em Londres e outro no sudeste da Inglaterra, elevando o total para nove desde 6 de maio, quando o surto foi inicialmente notificado.
Cinco casos também foram confirmados em Portugal e mais de 20 estão sendo analisados na Espanha. Nos Estados Unidos, um caso foi confirmado no Estado de Massachusetts em um homem que recentemente viajou ao Canadá, mas ainda não se sabe se ele está ligado ao surto na Europa.
‘Avaliação rápida’
Em 2018, a varíola dos macacos foi identificada como uma doença emergente que “demanda avaliação rápida das possíveis contramedidas disponíveis” na lista de doenças prioritárias daquele ano para o Projeto de Pesquisa e Desenvolvimento da OMS.
Apesar de não ter sido incluída nessa compilação, como o vírus da zika, especialistas da agência da ONU para saúde destacaram os riscos que a varíola dos macacos representava, assim como a leptospirose.
“Houve concordância quanto à necessidade de: avaliação rápida das possíveis contramedidas disponíveis; o estabelecimento de vigilância e diagnósticos mais abrangentes; e acelerada pesquisa e desenvolvimento e ação de saúde pública”, diz o documento da OMS sobre o tema.
Nesse sentido, os cientistas do CDC afirmaram, em seu estudo, que “vacinas e terapias médicas desenvolvidas para a varíola podem ser validadas para uso contra a varíola humana em estudos clínicos por meio de pesquisa operacional em países com doenças endêmicas para otimizar seu impacto potencial”.
Atualmente, não há tratamento específico para a infecção, mas é sabido que a vacinação contra a varíola, erradicada na década de 80, oferece proteção cruzada contra outros ortopoxvírus, incluindo a varíola dos macacos.
“Após a erradicação da varíola em 1980 e a cessação da vacinação contra a varíola no início da década de 1980, a diminuição da imunidade da população induzida pela vacina e a falta de proteção entre as faixas etárias mais jovens podem ter contribuído para o ressurgimento da doença”, disseram os cientistas do CDC no estudo.
A varíola dos macacos humana é uma zoonose viral que ocorre na África Ocidental e na África Central.
‘Sem interesse’
Em entrevista ao site de notícias de saúde STAT, Chikwe Ihekweazu, ex-diretor geral do Centro de Controle de Doenças da Nigéria, disse que seu país procurou ajuda para tentar decifrar o que estava acontecendo em 2017, quando foi atingido por um surto incomum e de longa duração de varíola dos macacos em humanos, mas sem sucesso.
“Não havia muito interesse em apoiar esse trabalho até agora — infelizmente”, disse ao Statnews Ihekweazu, que foi recentemente nomeado para chefiar o novo centro da OMS com sede em Berlim para inteligência pandêmica e epidêmica. “Nunca tivemos o interesse necessário para responder a algumas dessas perguntas.”
A Nigéria detectou 558 casos suspeitos — 241 deles confirmados — desde o início do atual surto em 2017.
“Quando vimos isso surgir de repente na Nigéria em 2017, literalmente, ficamos todos muito surpresos”, disse ele ao STAT. “De certa forma, é semelhante à surpresa ao redor do mundo agora, porque é um cenário semelhante. De repente, do nada, tivemos muitos casos na parte sul do Delta do Níger, na Nigéria.”
Segundo Ihekweazu, investigações posteriores revelaram casos em todo o país.
“Muito interessante que um vírus que não víamos há cerca de 40 anos na Nigéria apareça de repente e em vários lugares ao mesmo tempo.”
O CDC nigeriano tentou — até agora sem sucesso — descobrir como as pessoas estavam sendo infectadas com o vírus. Acredita-se que alguns pequenos mamíferos sejam as espécies hospedeiras do vírus, mas os esforços para encontrar o vírus na natureza fracassaram até agora.
Ihekweazu disse que antes da pandemia de covid-19 tentou conscientizar sobre o problema que a varíola dos macacos poderia representar.
Transmissão sexual?
Em 2019, o centro de estudos Chatham House, com sede em Londres, convocou uma reunião para discutir os riscos da varíola dos macacos, segundo David Heymann, professor de epidemiologia de doenças infecciosas da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, na Inglaterra, que presidiu o evento.
Entre elas estava a possibilidade de transmissão sexual da varíola dos macacos, pois algumas pessoas que contraíram o vírus desenvolveram lesões nos órgãos genitais ou na região genital.
O vírus não é transmitido pelo sexo propriamente dito; não há evidências, por exemplo, de que seja passado pelo sêmen ou pelos fluidos vaginais. Mas o contato pele a pele durante o sexo pode levar à transmissão, se um dos parceiros tiver lesões de varíola.
Apesar disso, o CDC dos EUA destacou em um comunicado que “qualquer pessoa, independentemente da orientação sexual, pode espalhar a varíola dos macacos por contato com fluidos corporais, lesões ou itens compartilhados (como roupas e roupas de cama) contaminados”.
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