• Michael Clarke
  • Analista de defesa e professor do King’s College London

Crédito, AFP

Seja o que for que representa para os russos o desfile do Dia da Vitória, comemorado nesta segunda-feira (9/5), uma coisa é certa: o desfile não serve como nenhum tipo de comemoração de vitória sobre a Ucrânia, independentemente da forma como o presidente Vladimir Putin e o Kremlin tentam distorcer os fatos, escreve neste artigo de opinião o analista de defesa Michael Clarke.

Esta guerra não pode ser considerada uma vitória para a Rússia, em nenhum sentido.

Os sucessos militares de Putin fora de suas fronteiras após 2008 foram todos alcançados usando pequenas unidades de forças de elite, mercenários e grupos de milícias locais aliados ao poderio aéreo russo.

Isso deu a Moscou uma influência considerável a baixo custo durante intervenções na Geórgia, Nagorno-Karabakh, Síria, Líbia, Mali e duas vezes na Ucrânia em 2014 — primeiro na anexação ilegal da Crimeia e depois na criação dos autodenominados Estados russos em Luhansk e Donetsk.

Em todos esses exemplos, a Rússia agiu rápida e implacavelmente de maneiras que o mundo ocidental não conseguiu combater, exceto por meio de sanções graduais — nada que pudesse reverter a realidade. Putin é especialista em criar “novos fatos”.

Em fevereiro, ele repetiu a mesma estratégia na maior escala possível na Ucrânia: conquistar o poder em cerca de 72 horas em um país de 45 milhões de pessoas que ocupa a segunda maior área terrestre da Europa. Foi uma aposta surpreendente e imprudente que fracassou completamente logo na primeira semana, que era crucial.

Putin agora tem poucas opções, a não ser seguir em frente e aumentar ainda mais a escala desta guerra — aumentá-la na Ucrânia ou aumentá-la avançando além de suas fronteiras. A escalada é parte do contexto atual, e a Europa atingiu um momento muito perigoso em sua história recente.

Tendo fracassado com seu Plano A de tomar o governo em Kiev antes que as forças do presidente Zelensky, ou o mundo exterior, pudessem reagir, Moscou então mudou para um Plano B. Esta foi uma abordagem militar baseada em manobras: cercar Kiev e avançar para outras cidades ucranianas — Chernihiv, Sumy, Kharkiv, Donetsk, Mariupol e Mykolaiv — e simplesmente extinguir a resistência armada ucraniana enquanto Kiev seria ameaçada de destruição caso não se rendesse.

Esse plano também fracassou. Kherson foi a única grande cidade que caiu para os russos e desde então vem resistindo à administração russa. O fato é que as forças russas eram pequenas demais para dominar um país tão grande; eles tiveram um desempenho muito ruim por causa de uma série de razões; eles foram mal liderados e dispersos em torno de quatro frentes separadas, de Kiev a Mykolaiv, sem comandante geral.

E eles acabaram enfrentando um exército ucraniano determinado e bem treinado que lutou em uma demonstração clássica de “defesa dinâmica” — não mantendo uma linha, mas atingindo os agressores em pontos de vulnerabilidade máxima.

Frustrada, a Rússia mudou agora para seu Plano C, que é desistir de Kiev e do norte, concentrando todas as suas forças para uma grande ofensiva na região de Donbas e no sul da Ucrânia, provavelmente até o porto de Odessa no sudoeste — tirando da Ucrânia a sua saída para o mar.

Esta é a campanha que agora vemos sendo realizada no leste ao redor de Izyum e Popasne, Kurulka e Brazhkivka.

As forças russas estão tentando cercar a Operação de Forças Conjuntas da Ucrânia (JFO) — cerca de 40% de seu exército, que está posicionado em frente às “repúblicas” separatistas de Luhansk e Donetsk desde 2014. Os principais objetivos russos são tomar Slovyansk e, um pouco mais além sul, Kramatorsk. Ambos são pontos estratégicos cruciais para o controle de toda a região de Donbas.

E a guerra passou para uma fase militar diferente — uma luta em campo mais aberto, em melhor clima, com tanques, infantaria mecanizada e, acima de tudo, artilharia, que é projetada para arrasar as linhas de defesa do oponente antes que as forças blindadas cheguem.

Mas o processo não é tão simples.

A ofensiva da Rússia teve um início cambaleante e o JFO da Ucrânia manteve a ofensiva russa bem longe das linhas que os comandantes russos esperavam já ter alcançado a essa altura. Os ucranianos ganharam um tempo precioso. Uma “corrida pesada” está em andamento, enquanto cada lado tenta trazer seu equipamento de combate pesado antes que a batalha seja totalmente iniciada. Poderemos observar isso nas próximas semanas.

O que acontece no Donbas, no entanto, oferece a Putin apenas uma escolha entre diferentes tipos de derrota.

Se a batalha chegar a um impasse no outono (que começa em setembro no hemisfério norte), Putin terá muito pouco para mostrar ao público russo que justifique tanta perda e dor. Se o ímpeto militar mudar e suas forças forem empurradas para trás, será ainda pior para ele. E mesmo que os russos consigam invadir todo o Donbas e todo o sul, eles ainda terão que manter esses territórios por um futuro indefinido diante de vários milhões de ucranianos que não os querem lá.

Qualquer sucesso militar russo significativo provavelmente criará uma grande insurgência aberta que ficará maior para cada distrito que as forças russas possam invadir. Putin fracassou em fevereiro com o Plano A. O fracasso desse esquema significa que os planos B, C ou quaisquer planos subsequentes ainda deixam a Rússia fracassada — precisando suprimir parte de um país muito grande, ou todo ele.

De um jeito ou outro, a Rússia terá que continuar lutando na Ucrânia, seja contra a população, seja contra o exército ucraniano, e possivelmente contra ambos simultaneamente. E enquanto Kiev se mantiver em sua posição atual que exige a retirada russa antes que qualquer concessão possa ser contemplada, não há muito que Putin possa fazer a não ser seguir em frente.

As potências ocidentais continuarão fornecendo armas e dinheiro para Kiev e não suspenderão sanções poderosas contra a Rússia tão cedo. Assim que a dependência energética da Europa for bastante reduzida, os EUA e a Europa poderão manter sanções duras em vigor com pequeno custo para suas próprias economias.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Projéteis russos não detonados perto de Kiev

Não há caminho de volta para Vladimir Putin pessoalmente e ele pode até vir a ser indiciado como criminoso de guerra. Sua única estratégia política é transformar a guerra na Ucrânia em outra coisa — parte de uma luta pela sobrevivência da Rússia contra os “nazistas” e “imperialistas” do Ocidente que gostam da ideia de derrubar a Rússia.

É por isso que lhe convém brincar com a perigosa ideia de que a Rússia está enfrentando uma “Grande Guerra Patriótica 2.0” com o resto da Europa. Provavelmente ouviremos muito mais sobre isso no Dia da Vitória. O presidente Putin alegará ver luz no fim de um túnel muito escuro e longo no qual ele conduziu seu próprio país.

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