• Giulia Granchi
  • Da BBC News Brasil em São Paulo

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Por muito tempo, as cólicas dos bebês em fase de amamentação ficaram consagradas pelo nome “regra dos 3”.

“Era definida assim por começar com 3 semanas de vida, ocorrer em pelo menos 3 horas no dia, em 3 dias da semana, com duração mínima de 3 semanas e máxima de 3 meses, tudo isso em uma criança absolutamente saudável”, explica Tadeu Fernando Fernandes, pediatra do departamento Científico Ambulatorial da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

A máxima ainda é considerada válida, apesar de agora a ciência já ter mostrado que um período sutilmente mais longo ou mais curto também acontece.

Por que bebês têm cólicas?

As cólicas acontecem por causa da imaturidade do sistema digestivo do bebê, que nos primeiros meses de vida ainda não consegue processar de forma completa os alimentos, mesmo que seja só o leite materno, como é recomendado até os seis meses de idade.

“Por isso, se o nascimento for prematuro, é comum que a ocorrência de cólicas seja ainda maior”, diz Fernandes.

Mas há também determinados fatores que podem aumentar as chances de cólica, segundo especialistas. Alguns deles têm a ver com a microbiota intestinal, também conhecida como flora intestinal, que tem papel importante nos processos digestórios, absorção de nutrientes e desenvolvimento do sistema imune.

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Não há um remédio mágico para curar cólicass, ressaltam especialistas ouvidos pela BBC News Brasil

Tipo de parto

“Quando a criança nasce de parto normal, por passar pela vagina, entra em contato com a flora vaginal da mãe. Já se o parto é cesariana, já está bem comprovado cientificamente que o bebê tem mais risco de sofrer de cólicas. Isso porque o ambiente em que ele nasce é estéril e, sem o contato com bactérias benéficas, o intestino nasce pobre em termos de microbiota”, explica Fernandes.

Em um estudo publicado na revista científica Nature em 2019, cientistas analisaram amostras das fraldas de quase 600 bebês durante o primeiro mês de vida, e algumas amostras fecais de bebês durante o primeiro ano de vida. Os resultados apontam que os nascidos por parto normal recebem a maioria das bactérias da mãe.

Amamentação

O leite materno, dentre todos os leites de mamíferos, é o que tem maior teor de lactose, um tipo de açúcar que pode causar as cólicas durante o processo de fermentação, especialmente pelo sistema digestivo ainda ser imaturo.

“O leite materno tem três fases: uma mais aguada, depois a branca, e por fim o leite fica mais amarelado, com maior teor de proteínas e gordura. É nessa última que tem enzimas que quebram a lactose, importante para diminuir o desconforto para o bebê, e é por isso que recomendamos que todo o leite de uma mama seja esvaziado antes que a mãe ofereça o outro lado, ao contrário do que era sugerido antigamente”, diz o pediatra.

Outro fator que aumenta o risco é a alimentação por fórmula. “Enquanto o leite materno tem prebióticos (substâncias que estimulam a atividade de bactérias no cólon) e probióticos (micro-organismos vivos que contribuem para manter a microbiota intestinal saudável), a maioria das fórmulas só contêm prebióticos, o que não auxilia tanto na digestão”.

Para mães que não podem amamentar, a recomendação é conversar com o pediatra para buscar fórmulas específicas que contenham ambos ou discutir a possibilidade de “suplementar” com probióticos, segundo o especialista.

Entre outros fatores que podem influenciar, estão os hábitos da grávida durante a gestação. Se ela toma muitos remédios antibióticos por qualquer motivo, por exemplo para curar infecção de urina, os medicamentos contribuem para matar as “bactérias do bem” que povoam a flora intestinal. Por isso, é indicado que gestantes façam uso desses medicamentos somente com acompanhamento médico.

“O mesmo acontece se a mulher passa muito estresse. Como o cérebro e o intestino estão interligados, os efeitos nocivos aparecem, e o bebê não ‘herda’ uma microbiota rica”, aponta o pediatra.

Isso ocorre porque o intestino é “governado” pelo chamado sistema nervoso entérico, que faz parte do sistema nervoso autônomo do corpo, responsável por controlar diretamente o sistema digestivo. Esse sistema nervoso se estende pelo tecido que reveste o estômago e o sistema digestivo, e possui seus próprios circuitos neurais. Embora funcione de maneira independente, há uma comunicação com o sistema nervoso central, através dos sistemas simpático e parassimpático (divisões do sistema nervoso). Assim, se qualquer uma das partes não vai bem – tanto por estresse ou outras emoções negativas ou, no caso do intestino, por falta de bactérias ou alimentação pobre em nutrientes, por exemplo – o outro lado tende a ser afetado.

Ambiente familiar

Também por conta do eixo cérebro-intestino, se a criança cresce em ambiente familiar estressante, seus níveis de cortisol (conhecido como o hormônio do estresse) aumentam, podendo causar cólica. “É também por isso que o carinho e o aconchego dos parentes têm o poder de reduzir a incidência da cólica em lactantes”, comenta Fernandes.

Além disso, a angústia e ansiedade maternas podem gerar inquietação no bebê, interferindo no momento da amamentação. “Isso ocasiona maior ingestão de ar durante a mamada e consequentemente mais gases, que também podem causar dor”, aponta a pediatra Caroline Peev, médica do Sabará Hospital Infantil.

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É importante que pais e cuidadores saibam que a dor sentida pelos bebês faz parte de um processo natural e fisiológico, explica médica

“A cólica lactente [bebê que está sendo alimentado via amamentação] tem a característica de ser vespertina ou noturna. Pela manhã, o ideal é procurar outras causas”, explica Fernandes.

Embora a característica mais marcante para reconhecer as cólicas seja o horário do choro, a médica Caroline Peev indica que os bebês podem emitir outros sinais, como por exemplo encolher e esticar as pernas, arquear as costas e fechar mãozinhas e estar com a barriga inchada e solta gases.

Existem remédios para tratar cólicas em bebês?

Não há um remédio mágico para curar cólicas. É importante, segundo especialistas, que pais e cuidadores saibam que a dor sentida pelos bebês faz parte de um processo natural e fisiológico do sistema digestório e não oferecem riscos, somente incômodos.

Há, no entanto, algumas medidas que podem ajudar – as cólicas não cessarão, mas podem durar por menos horas. “Nos casos de flora intestinal pobre, há probióticos específicos para a idade e que devem ser recomendados por um médico que ajudam a colonização intestinal a se tornar mais diversificada”, diz o pediatra da SBP.

Segundo o especialista, remédio para gases como a simeticona – se recomendada por um especialista – pode ajudar, mas trata a consequência, não a causas da cólica.

Para a segurança do bebê, misturas com ervas e fitoterápicos não devem ser utilizadas, segundo os pediatras ouvidos. Já o uso de bolsas e panos com água quente oferece risco de queimaduras se não forem administrados com muito cuidado.

A pediatra Carolina Peev explica, ainda, que o maior risco são as intoxicações geradas por medicação sem orientação ou uso de medicamentos caseiros, que não tem dosagens pré-estabelecidas. Podem ocorrer vômitos, engasgos, diarreias e até intoxicação.

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