Questionado sobre a fonte da sua genialidade, Albert Einstein (1879-1955) não teve dúvidas para responder.
“Acredito em intuições e inspirações. Às vezes, sinto que estou certo. Eu não sei se estou”, disse ele à revista norte-americana Saturday Evening Post em 1929. Einstein afirmou que era muito mais fácil confiar nessas intuições e verificá-las mais tarde do que descartá-las logo de saída.
O físico estava longe de ser o único a adotar essa filosofia. Aparentemente, era também grande parte da estratégia de Coco Chanel. “A moda está no ar, nasceu aos ventos. Nós a intuímos”, disse ela.
Você pode reconhecer essa sensação por si próprio. Seja visitando um novo apartamento, avaliando um possível novo emprego ou analisando a honestidade de alguém, você pode ter um palpite indescritível se algo está certo ou errado — e não conseguir definir as razões do seu julgamento.
Pode ser tentador observar nossas intuições como uma espécie de “sexto sentido” misterioso, mas não é preciso apelar à paranormalidade para explicar a intuição. Nas últimas duas décadas, psicólogos e neurocientistas fizeram enormes progressos na identificação das fontes das nossas intuições e do seu papel essencial na nossa vida.
Nesse processo, as pesquisas identificaram situações específicas em que a nossa intuição provavelmente nos leva pelo caminho certo e os momentos em que ela nos desorienta — e esse conhecimento pode nos ajudar a tomar decisões melhores.
A mente no corpo
A compreensão científica da intuição começa com um jogo de laboratório conhecido pelo nome em inglês Iowa Gambling Task (“Jogo de Tarefas de Iowa”, em tradução livre).
Os participantes recebem quatro montes de cartas na tela de um computador. A cada vez que uma carta é virada, eles recebem uma recompensa monetária ou uma penalidade.
Dois dos montes tendem a oferecer recompensas relativamente maiores, mas também penalidades ainda maiores — o que significa que, após várias rodadas, eles causarão prejuízo. Os outros dois montes fornecem recompensas relativamente pequenas, mas penalidades menores, o que significa que eles são a opção mais segura.
Os participantes não sabem quais montes serão lucrativos, mas, após cerca de 40 tentativas, muitas pessoas começam a formar uma ideia de quais deles trarão os maiores lucros. Aparentemente, o inconsciente dos participantes começa a observar os padrões de ganhos e perdas, mesmo se eles não conseguirem explicar a razão das suas escolhas, exceto pela “intuição”.
É importante observar que o melhor desempenho muitas vezes acompanha alterações fisiológicas sistemáticas à medida que os participantes tomam suas decisões. Por exemplo: quando as pessoas começam a observar os montes com maior risco, a maioria começa a demonstrar reações de estresse, com leves alterações dos batimentos cardíacos e suor da pele.
Essas mudanças, conhecidas como “marcadores somáticos”, aparentemente agem como advertências para evitar que o participante faça a escolha errada e podem fundamentar a sensação de ter uma intuição.
Sem esse tipo de intuição, as pessoas podem sofrer problemas sérios na vida real. Alguns pacientes neurológicos são incapazes de formar marcadores somáticos, por exemplo. Sem as intuições para orientá-los, eles muitas vezes ficam presos em uma “paralisia analítica” quando precisam fazer uma escolha.
E, quando finalmente tomam uma decisão, eles não conseguem ver os riscos que estão correndo. Eles podem investir todo o seu dinheiro em uma proposta de negócios ruim, enquanto outros teriam tido a forte intuição de desconfiar da empreitada, por exemplo.
Essas observações indicam que as intuições são uma parte essencial do nosso conjunto de ferramentas para tomada de decisões — que às vezes ignoramos por nossa conta e risco.
O olhar dos especialistas
A evidência da importância da intuição é mais forte nos estudos de detecção de mentiras.
As pessoas tendem a ser mais precisas ao analisar a honestidade de uma pessoa — e se ela está mentindo sobre um evento específico — quando solicitadas a confiar na sua intuição e não quando se pede que elas analisem e verbalizem suas razões.
Em outras situações, a força das nossas intuições dependerá da quantidade das nossas experiências. A mente inconsciente percorre seu conhecimento armazenado para encontrar a melhor resposta para os nossos problemas, sem que nós relembremos conscientemente as memórias exatas que alimentam essas sensações.
Considere o experimento conduzido por Erik Dane, professor de administração da Universidade Rice, no Texas (Estados Unidos). Em 2012, sua equipe de pesquisa pediu aos estudantes que observassem uma série de bolsas da moda, algumas das quais eram produtos autênticos e outras eram falsificações realistas.
Pediu-se à metade dos participantes que ignorassem suas intuições e relacionassem todas as características que eles procurariam para determinar se a bolsa era real ou falsificada. Aos demais, solicitou-se que seguissem sua intuição, permitindo que seus sentimentos orientassem o julgamento. Os pesquisadores também questionaram os participantes sobre seus hábitos de compra e se eles possuíam muitos produtos de moda.
Entre os participantes que utilizaram a abordagem analítica, sua experiência anterior fez pouca diferença: todos eles tiveram aproximadamente o mesmo desempenho.
Mas, entre os participantes que foram solicitados a usar sua intuição, a experiência fez enorme diferença, aumentando imensamente a precisão das suas intuições. De fato, os participantes que empregaram suas intuições foram cerca de 20% mais precisos que aqueles que utilizaram apenas a análise.
Em outro estudo, Vinod Vincent, professor da Universidade Estadual Clayton, na Geórgia (Estados Unidos), encontrou resultados muito similares ao examinar decisões de seleção de pessoal pelos empregadores.
Ele apresentou aos participantes amostras de respostas de uma série de candidatos a cargos em assistência médica e pediu que eles escolhessem o mais adequado. Como no experimento de Dane, solicitou-se a alguns que seguissem suas intuições (a instrução foi “sua decisão deverá basear-se na sua primeira impressão sobre os candidatos”), enquanto a outros pediu-se que usassem deliberação, lógica e análise (“analise cuidadosamente todas as informações disponíveis antes de tomar a decisão; ignore qualquer decisão com base na sua intuição ou primeira impressão”).
Entre os estudantes sem experiência em seleção de pessoal, foi possível definir quais candidatos se destacavam, mas eles precisaram realizar uma avaliação ponderada, analisando os prós e os contras de cada um deles. Quando tentaram utilizar sua intuição, de forma geral, eles foram menos precisos.
Já entre os especialistas que haviam trabalhado como recrutadores em companhias de assistência médica, ocorreu o contrário. Vincent concluiu que eles tinham intuições muito precisas sobre quais candidatos seriam mais adequados, sem que precisassem pensar e analisar, um a um, todos os diferentes critérios. E, quanto mais experiência eles tinham, melhor eles se saíam.
“Se você for um especialista, você conhecerá todas as idiossincrasias que podem fazer com que um candidato seja bom para o cargo, mesmo que seja difícil descrevê-las com palavras”, afirma Vincent.
Mas ele enfatiza que a intuição das pessoas não deverá substituir o pensamento analítico e que devemos estar cientes de que, às vezes, as pessoas podem ser influenciadas por orientações inconscientes. E, se houver a possibilidade de que o seu julgamento seja prejudicado por preconceito de raça, idade ou gênero, você precisará estar mais atento sobre o que a sua intuição está lhe dizendo.
Mas, de forma geral, sua pesquisa confirma que as sensações intuitivas dos especialistas podem ser fontes importantes de informação e têm um papel a desempenhar no processo de tomada de decisões.
Não pense demais
O poder da tomada de decisões intuitiva pode ser especialmente importante quando estamos processando uma grande quantidade de informações complexas e difíceis de lembrar com precisão. Nestes casos, pode haver benefício em deixar nosso cérebro vaguear por outra atividade não relacionada, enquanto a mente inconsciente remói as informações e toma a decisão por nós.
Em uma série de experimentos, os pesquisadores apresentaram aos participantes longos detalhes sobre uma série de apartamentos. Após formarem suas primeiras impressões, alguns dos participantes foram incentivados a ponderar conscientemente as diferentes opções antes que tomassem suas decisões.
Já aos demais, solicitou-se que resolvessem uma série de jogos de palavras — uma distração projetada para evitar que os participantes utilizassem o processamento analítico para chegar a uma decisão sobre os apartamentos.
Surpreendentemente, os pesquisadores concluíram que os participantes que haviam pensado mais cuidadosamente sobre suas escolhas tiveram dificuldade consideravelmente maior para escolher o apartamento que, objetivamente, tinha a maior quantidade de atributos atrativos.
Suas tentativas de analisar as diferentes opções haviam prejudicado seu julgamento, levando-os a escolher uma das opções menos desejáveis. Já as pessoas que haviam se distraído com os jogos de palavras foram forçadas a confiar nas suas impressões intuitivas — que acabaram sendo mais precisas.
Embora alguns estudos tenham sugerido que podemos seguir imediatamente com nossa primeira impressão, muitas vezes parece haver uma vantagem em atrasar a decisão enquanto nos concentramos em alguma outra atividade.
Segundo Marlène Abadie, psicóloga cognitiva da Universidade de Aix-Marselha, no sul da França, essa pausa permite que a mente inconsciente elabore um resumo preciso das informações complexas que foram apresentadas, o que, por sua vez, aumenta a precisão do nosso julgamento intuitivo.
Essa orientação pode ser útil em muitos cenários similares, nos quais estamos formando nossas impressões após uma sobrecarga de informações, segundo ela. “Poderá ser relevante sempre que precisarmos escolher entre diversos produtos de consumo descritos por atributos diferentes — como telefones celulares, computadores, televisores, sofás, geladeiras ou fogões.”
Ao comprar esses produtos, você poderá preferir tomar um café e folhear uma revista, por exemplo, antes de tomar sua decisão.
Inteligência emocional
Segundo as pesquisas mais recentes, a qualidade da intuição de uma pessoa pode depender da sua inteligência emocional (IE) geral. E, quando aprendemos a aumentar nossa IE, podemos fortalecer nossa tomada de decisões intuitiva.
Os psicólogos determinam a IE utilizando uma série de questões que medem, por exemplo, a capacidade das pessoas de identificar as emoções expressas nos rostos dos demais e prever as mudanças de humor de outra pessoa, conforme as circunstâncias.
Jeremy Yip, professor de administração da Universidade Georgetown em Washington, DC (Estados Unidos), comparou recentemente as avaliações de IE das pessoas com seu desempenho no Iowa Gambling Task. Embora a maioria dos participantes parecesse exibir maior reação de estresse ao considerar escolher os montes “ruins”, as pessoas com menor IE frequentemente interpretavam erroneamente os seus próprios sinais corporais.
Para esses participantes com IE mais baixa, a maior reação de estresse pareceu agir como incentivo para tomar as cartas com maior risco — e, por consequência, não lucrativas. Eles simplesmente não pareciam reconhecer a sensação como uma advertência. “Eles podem ter interpretado mal seu estímulo psicológico como sendo excitação e acabaram assumindo maiores riscos”, afirma Yip.
Felizmente, é possível treinar a IE. Anna Alkozei, da Universidade do Arizona em Tucson, nos Estados Unidos, projetou recentemente um curso online com módulos que incentivam as pessoas a pensar com mais cuidado sobre as formas de perceber as diferentes emoções e como as sensações, como estímulos psicológicos, podem influenciar a tomada de decisões.
Com duas aulas por semana, os participantes do curso de Alkozei exibiram melhoria significativa em um teste de IE após três semanas, o que se traduziu em melhor desempenho no Iowa Gambling Task. Já os participantes em um grupo controle (que tiveram um curso online sobre meio ambiente) não apresentaram as mesmas melhorias.
Por isso, para sintonizar sua intuição, você poderá primeiro tentar entrar em contato com suas emoções de forma mais geral — questionando cuidadosamente o que está sentindo e quais as fontes daquele estado de espírito. Com o passar do tempo, você poderá achar mais fácil distinguir quando está recebendo um sinal preciso e genuíno. As suas intuições nunca serão totalmente à prova de falhas, mas a prática pode fazer com que elas se tornem um guia importante.
*David Robson é escritor de ciências e autor do livro “O efeito da expectativa: como o seu pensamento pode transformar a sua vida” (em tradução livre do inglês), publicado no início de 2022 no Reino Unido pela editora Canongate e, nos EUA, pela Henry Holt. Sua conta no Twitter é @d_a_robson.
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