• Giulia Granchi
  • Da BBC News Brasil em São Paulo

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Os mosquitos Anopheles são os transmissores do protozoário causador da malária

Predominante na região amazônica, a malária é uma doença infecciosa que se manifesta cerca de 15 dias após a picada de um mosquito contaminado por um protozoário.

Há tratamentos simples e efetivos atualmente, mas se o diagnóstico não é feito de forma precoce, o que acontece de forma frequente em Estados onde a doença não é comum, o quadro pode evoluir para febres altas, cansaço extremo, alteração da consciência, hemorragias e outros sintomas preocupantes.

Em 2020, foram notificados nos Estados da região amazônica 144.911 casos e 39 mortes. Nas demais regiões do país, foram 319 casos e 11 mortes, representando, proporcionalmente, 132 vezes mais mortes fora das regiões amazônicas, onde a doença é menos comum.

Por falta de familiaridade com a malária, pacientes que vieram infectados de outros Estados ou países demoram para ter os sintomas reconhecidos corretamente por profissionais de saúde fora dos centros de referência da doença.

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Izabella durante viagem ao Pará: por causa da demora no diagnóstico, estudante teve febre de mais de 40°C

5 médicos diferentes até começar tratamento

Para a carioca Izabella Delfino Ramos, o diagnóstico demorou a chegar, mesmo após ela avisar os profissionais de saúde que havia estado em uma área endêmica da malária.

Estudante de direito da Universidade Federal Fluminense, em Niterói, no Rio de Janeiro, Izabella passou 2018 muito interessada em estudar como a tecnologia interferia na sua área.

“Como era ano eleitoral e fake news estavam surgindo, desenvolvemos um projeto sobre isso e por ele eu fui convidada a conhecer o Polo Avançado José Veríssimo em Oriximiná, município no Pará e realizar uma pesquisa sobre informações e cidadania nos quilombos da Calha Norte”, diz ela.

Antes da viagem, ela precisou checar se estava em dia com a vacina contra a febre amarela, mas nada além disso.

“Como meu pai é paraense e minha mãe é do Pantanal, eu já conhecia alguns cuidados, como tentar usar calças e blusas de manga compridas para evitar picadas de insetos. Viajamos em um grupo de cerca de 20 pessoas e subimos o Rio Trombetas e afluentes por cerca de 15 dias, ida e volta, com professores, e pós-graduandos”, lembra ela, que na época tinha 21 anos.

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‘Usávamos repelentes constantemente e eu não descia do barco para me molhar no rio – acreditava estar protegida sempre’, conta Izabella

No quilombo da Tapagem, a agente comunitária de saúde e líder do quilombo informou de um surto de malária na área e pediu para que, caso os visitantes apresentassem sintomas, realizassem o “teste da lâmina”, um exame rápido pelo qual, com uma gota de sangue colocada em um microscópio, consegue-se localizar o protozoário.

“Ela explicou que o tratamento era simples e que não havia mortes, e o grupo encarou a informação tranquilamente. Usávamos repelentes constantemente na pele e eu não descia do barco para me molhar no rio, ou seja, acreditava estar protegida sempre”, diz Izabella.

Duas semanas depois da volta, Izabella assistia a apuração dos votos do segundo turno das eleições presidenciais quando sentiu um calafrio forte, algo que nunca havia experimentado antes. Horas depois, notou que também estava com febre.

“Enviei uma mensagem para o diretor da minha faculdade, que vai para Oriximiná regularmente há muitos anos, para perguntar se ele pensava que poderia ser malária e ele duvidou, porque nunca teve”, relata.

Como a febre da malária se manifesta em ciclos e pode cessar por mais de um dia antes de voltar, a estudante imaginou que pudesse estar com virose ou dengue.

“Mas procurei hospitais no SUS, e em todos eles eu informava: ‘Eu vim de uma zona endêmica de malária’. Passei por quatro médicos do SUS em datas diferentes e a doenças seguia progredindo muito, até que decidi buscar um médico particular, que também informou que não acreditava se tratar de malária.”

Izabella já apresentava sintomas bastante assustadores quando recebeu a ligação de um técnico de enfermagem, que, mesmo sem conseguir entrar em contato com o médico responsável, avisou à jovem que os resultados eram graves e que ela deveria dar entrada no setor de emergências.

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Estudante passou por cinco médicos até conseguir dar início ao tratamento

“Além da febre alta, eu vi meus dedos azuis ‘tampa de caneta’ e senti o sangue parar de fluir para a minha cabeça. Tive muitos vômitos e dificuldade para me manter em pé.”

No mesmo dia ela teve a notícia de que um professor da pós-graduação apresentou sintomas da malária, mas, por já ter sofrido com a doença durante uma viagem para a África, percebeu os sinais rapidamente, foi até o ambulatório da Fiocruz no Rio, pegou os medicamentos e voltou pra casa.

“Quando a febre baixou, consegui, com um cansaço indescritível, organizar minha ida sozinha para o atendimento de emergência da Fiocruz. No táxi, tive a pior febre da minha vida, era como se eu estivesse congelando mesmo com muito calor dentro do carro. Cheguei ao local com pressão arterial 80×40 [o normal é por volta de 80×120], frequência cardíaca em 152 [considerada alta para uma pessoa em repouso] e quase 41ºC de febre”, lembra Izabella.

Na Fundação, um profissional de saúde realizou o teste para malária com sangue arterial colhido por meio do acesso à pelve de Izabella e ela recebeu as medicações: cloroquina, primaquina e artusanato, que atuam contra o protozoário causador da malária, o plasmodium.

“Nos primeiros dias, eu não aguentava ficar com nenhuma delas no corpo, vomitava tudo.”

Depois de cinco dias de internação, Izabella recebeu autorização para continuar o tratamento em casa e um atestado de um mês em casa em repouso porque baço e fígado estavam inchados, outra sequela, geralmente temporária, da doença.

“Retornei à Fiocruz para mais alguns exames depois, e à eles sou eternamente grata por terem me dado auxílio. Ainda no primeiro dia lá, acessei o manual/guia do Ministério da Saúde que relata que morrem mais pessoas de malária fora da zona endêmica do que na zona endêmica em si. Acredito que eu não consegui ter lido ele antes por causa do intenso cansaço. Na Fiocruz me mostraram o quão simples é o teste da lâmina que ninguém fez durante os 10, 15 dias que eu passei mal em casa.”

“Eu quase morri, mas aprendi a ser muito mais cuidadosa com atendimentos médicos em geral e mal posso esperar para voltar à Amazônia”, completa a jovem.

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Ilustração mostra hemáceas infectadas por parasita da malária

O que é a malária

A malária é causada por protozoários que infectam a fêmea do mosquito Anopheles darlingi. O mosquito vetor costuma picar no fim da tarde, durante todo o período noturno e ao amanhecer.

Existem cinco tipos diferentes da doença, de acordo com as espécies do protozoário Plasmodium: falciparum, vivax, ovale, malariae e knowlesi.

“O vivax e o falciparum são os mais comuns. Este último representa somente 15% dos casos no Brasil, mas é predominante na África e consideravelmente mais perigoso, oferecendo risco aumentado de complicações cerebrais, renais, pulmonares e também de morte. É por isso que a gente não vê tanta gente morrendo aqui. Mas à medida que o paciente fica doente mais tempo, pode desenvolver anemia grave em ambos os tipos”, explica o infectologista Marcus Lacerda, especialista em Saúde Pública pela Fiocruz-Amazonas e pesquisador da malária.

Dados do Programa Nacional de Prevenção e Controle da Malária (PNCM) mostram que, no ano de 2019, o Brasil notificou 157.454 casos de malária, uma redução de 19,1% em relação a 2018, quando foram registrados 194.572 casos da doença no país. Em relação à malária falciparum e à malária mista, a redução foi de 18,9%, sendo notificados 21.126 casos em 2018 e 17.139 em 2019.

‘Os médicos diagnosticam aquilo que veem’

De acordo com o guia de tratamento da malária do Ministério da Saúde, nas regiões em que a malária não é endêmica tem-se observado manifestações graves da doença, possivelmente pelo retardo da suspeita clínica, do diagnóstico e do tratamento.

“Aqui no Sudeste e até em outras regiões fora da área amazônica, o diagnóstico é mais difícil, já que os médicos não costumam fazer diagnóstico daquilo que eles não veem”, diz Lacerda.

É aí que entra o papel da prática conhecida por “medicina do viajante”, de acordo com o infectologista. “A pessoa precisa ter um bom grau de informação e ela mesma sinalizar para o médico que teve em uma área de malária. É uma co-responsabilidade do paciente.”

Sintomas da malária

Os sintomas costumam aparecer entre 14 e 21 dias após a picada do mosquito infectado. A principal manifestação é febre que dura mais de sete dias.

“Isso deve ascender no profissional de saúde a suspeita de passagem por área endêmica”, aponta o infectologista.

Outros sinais, são:

  • Febre alta e dor de cabeça
  • Calafrios
  • Tremores
  • Náuseas e vômitos
  • Pressão baixa
  • Cansaço extremo
  • Convulsões
  • Hemorragia
  • Alteração da consciência

As gestantes, as crianças e as pessoas infectadas pela primeira vez estão sujeitas a maior gravidade da doença, principalmente por infecções pelo P. falciparum, que, se não tratadas adequadamente e de forma rápida, podem ser letais.

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Imunizante aprovado no ano passado age contra protozoário pouco comum no Brasil

Luta para a erradicação da malária no Brasil

Com exceção do Rio Grande do Sul, a malária esteve presente em todos os Estados brasileiros até o início das primeiras campanha de erradicação, em 1960, que visavam essencialmente o controle de mosquito.

“Agíamos com o veneno, borrifando nas casas, e com esse controle dos mosquitos, ficou restrita à região amazônica, onde o controle é difícil por umidade e temperatura alta. No Sul e Sudeste, por exemplo, quando tem o inverno, você tem um controle natural do mosquito. Já a região amazônica não tem inverno bem definido e há muita umidade”, aponta Lacerda.

Hoje, usam-se mosquiteiros impregnados com inseticida e há a tentativa constante de realizar o diagnostico e tratamento precoce para quebrar o ciclo da doença. Como o ciclo de vida do mosquito é de um mês, se todos os que estiverem infectados morrerem, não há mais transmissão.

“A maior dificuldade é que as pessoas migram, viajam. Hoje o objetivo não é acabar com os mosquitos, mas sim com aqueles que têm o parasita. E isso é possível, em teoria, com tratamento precoce.”

Como é feito o diagnóstico da malária?

O diagnóstico da malária é feito pela observação dos parasitas no sangue. O método mais utilizado é a microscopia de gota espessa de sangue.

Quais são os medicamentos usados para o tratamento de malária no Brasil?

Pelo baixo risco de os infectados morrerem, o Ministério da Saúde e as sociedades brasileiras de Infectologia e de Medicina Tropical não recomendam o uso de medicamentos preventivos.

Quando usadas de forma correta, as medicações têm alta taxa de cura. Elas são gratuitas e estão disponíveis nos centros de referência da doença e em alguns postos de saúde nos municípios onde o número de casos é alto.

“O tratamento da malária no Brasil, quando causada pelo Plasmodium vivax, que é a maioria dos casos, envolve a combinação de dois antimaláricos, primaquina e cloroquina — que já não é usada em países africanos por causa da resistência adquirida pelos parasistas” explica Luiz Carlos Dias, professor do Instituto de Química da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e colaborador da organização da MMV (Medicines for Malaria Venture).

Há, ainda, um outro medicamento, chamado de Kozenis, o qual o professor classifica como o mais revolucionário para tratar a malária causada pelo parasita mais comum no Brasil.

“O tratamento envolve dose única que elimina o parasita Plasmodium vivax e previne recaídas. Essa droga pode ajudar muito na adesão dos pacientes ao tratamento, que seria um passo enorme nos esforços de controle e eliminação da malária. A tafenoquina (substância do remédio) não combate a malária causada pelo Plasmodium falciparum e só é recomendada para pessoas acima de 16 anos ou mais, além de ser necessário um teste rápido para verificar a deficiência da enzima Glicose-6-Fosfato Desidrogenase, que determina a aptidão do paciente para o tratamento.”

Existe vacina para malária, mas ela não é tão útil para os brasileiros

A aprovação da primeira vacina da história contra a malária, chamada de mosquirix, foi dada pela OMS (Organização Mundial de Saúde) em outubro de 2021, após 34 anos em desenvolvimento. Ela combate de forma eficiente o parasita mais letal da doença, o Plasmodium falciparum — que é raro no Brasil, onde a vacina não será assim tão útil, apesar de ser um grande marco para a ciência.

Há, ainda uma outra candidata em desenvolvimento. Trata-se da vacina R21, que funciona de forma semelhante àquela que já existe: sua plataforma envolve o uso de um fragmento da proteína do Plasmodium falciparum em uma proteína da hepatite B para estimular o sistema imunológico.

“A tecnologia da R21 é mais eficiente e parece fornecer uma resposta mais robusta contra o Plasmodium falciparum. Para saber se haverá proteção cruzada e apresentar eficácia também contra o Plasmodium vivax, precisamos esperar os resultados de eficácia e segurança de fase 3 envolvendo as cerca de 5 mil pessoas sendo realizados em Burquina Fasso, no Quênia, em Mali e na Tanzânia”, aponta Dias.

Desafios para desenvolvimento de medicamentos e vacinas contra a malária

Para o professor Luiz Carlos Dias, são muitos os desafios que explicam por que a primeira vacina demorou mais de três décadas para ser aprovada.

“Compromisso político, apoio e investimento em pesquisas, mas também temos enormes desafios científicos e tecnológicos”, aponta.

Um deles é o fato de que doença afeta populações vulneráveis em países de renda mais baixa e, por isso, não atrai investimento nem interesse por parte de grandes farmacêuticas.

Outro obstáculo diz respeito aos estágios de vida dos diferentes parasitas Plasmodium no corpo humano, que são complexos.

“Quando a fêmea do mosquito pica uma pessoa e se alimenta do sangue humano, os parasitas do Plasmodium presentes na saliva do mosquito podem ser transferidos para a corrente sanguínea da pessoa sendo picada. Em poucos minutos, esses parasitas saem da corrente sanguínea, se instalam no fígado, iniciam um processo de reprodução, voltam ao sangue e infectam os glóbulos vermelhos, causando seu rompimento.”

“É preciso saber em que momento as vacinas devem induzir uma resposta de proteção, o que traz enormes desafios, pois uma candidata vacinal pode não funcionar em todos os estágios de vida do parasita”, explica o professor da Unicamp.

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