- Nassos Stylianou, Steve Swann e Will Dahlgreen
- Da BBC News e BBC Panorama
Mansões no sul da Inglaterra e apartamentos de luxo nas áreas mais caras de Londres estão entre os imóveis de milionários russos ligados ao presidente Vladimir Putin e agora alvos de sanções econômicas.
Uma investigação da BBC aponta que, juntas, essas pessoas acumulam um patrimônio imobiliário no Reino Unido avaliado em 800 milhões de libras, equivalente a quase R$ 5 bilhões na cotação atual.
Alguns dos indivíduos negam a posse dessas mansões, de forma que elas podem não entrar no escopo das sanções.
Para realmente entender quem é dono do quê, a BBC fez um detalhado rastreamento de documentos offshore vazados, cruzados com registros imobiliários e documentos judiciais – além de investigações prévias.
As descobertas reforçam o status do Reino Unido como um destino comum para super-ricos russos estabelecerem residência e investirem no mercado imobiliário, comumente por intermédio de empresas em paraísos fiscais.
Em resposta às descobertas da BBC, a ONG anticorrupção Transparência Internacional destaca como é complexo descobrir a posse de um imóvel no Reino Unido.
“O sistema de sigilo no Reino Unido (…) faz com que seja muito fácil que as pessoas escondam seus bens e fundos no país, e nem mesmo a polícia tem noção de quais esses bens sejam”, afirma à BBC Rachel Davies, porta-voz da organização.
Juntos, Reino Unido, EUA e União Europeia sancionaram mais de mil indivíduos e companhias russos, incluindo ricos empresários – os chamados oligarcas – considerados próximos ao Kremlin.
A maioria das pessoas listadas abaixo foi sancionada depois da invasão da Ucrânia por parte da Rússia, em fevereiro, embora alguns já fossem alvos de sanções prévias.
Entre as propriedades ligadas a eles estão:
– Os imóveis de 230 milhões de libras (R$ 1,4 bilhões) de Roman Abramovich, empresário dono do time de futebol Chelsea.
– Uma mansão vitoriana no norte de Londres estimada em 65 milhões de libras (quase R$ 400 milhões).
– Uma mansão no condado de Surrey alvo de disputa judicial e atribuída a um antigo parceiro de judô de Vladimir Putin.
A seguir, os detalhes desse império imobiliário bilionário:
No início de março, o governo britânico impôs sanções ao bilionário de 55 anos. Na semana anterior, ele havia colocado à venda o Chelsea FC.
Abramovich tem um vasto portfólio imobiliário no Reino Unido: são mais de 50 residências de luxo, a maioria delas nas áreas mais nobres e caras da cidade, o oeste. Por meio de sua empresa, Fordstam Limited, ele possui dezenas de apartamentos em Chelsea Village, mais o hotel e complexo residencial em torno do estádio de Stamford Brige (o estádio do Chelsea), segundo o Land Registry, agência oficial do governo britânico de registro imobiliário.
Seu imóvel mais caro em Londres é uma casa de 15 quartos em uma área apelidada de “Rua dos Bilionários”, onde moram integrantes da realeza, embaixadores e também oligarcas.
Abramovich comprou o imóvel londrino por meio de uma offshore em 2011, pagando estimados 90 milhões de libras (R$ 543 milhões na cotação atual). Em 2016, ele recebeu autorização para uma reforma de 28 milhões de libras (R$ 169 milhões), para acrescentar uma piscina subterrânea – embora a reforma não tenha ido adiante.
Em documentos submetidos às instâncias oficiais, a piscina pré-existente foi descrita como um “lugar triste” que era “pequena demais para permitir um nado confortável e significativo”.
Em 2017, Abramovich usou a mesma Fordstam Limited para comprar um apartamento de 8,7 milhões de libras (R$ 52,5 milhões atualmente). Em 2019, pagou 22,3 milhões de libras (R$ 134,5 milhões) por uma cobertura de três andares em Chelsea.
Abramovich não respondeu aos questionamentos da BBC.
Em 3 de março, o governo britânico impôs um veto a viagens e um congelamento total nos ativos de Alisher Usmanov, citando os “elos próximos” entre o Kremlin e o bilionário russo. A UE já havia adotado medida semelhante.
Nascido no Uzbequistão, o empresário é ex-acionista do clube Arsenal e próximo do acionista majoritário do clube Everton, o britânico-iraniano Farhad Moshiri – este, por sua vez, preside a holding de Usmanov, USM. O clube Everton suspendeu suas negociações com o conglomerado de Usmanov, incluindo um patrocínio da USM a seu campo de treinamentos.
A fortuna de Usmanov é estimada em 14 bilhões de libras (R$ 84,5 bilhões), incluindo mansões em Londres (Beechwood House, veja na foto abaixo) e no sul da Inglaterra (um local chamado Sutton Place, no condado de Surrey).
Mas um porta-voz de Usmanov afirmou que a maioria das propriedades britânicas do bilionário, incluindo um iate de 456 milhões de libras (R$ 2,75 bilhões), já foram transferidos para fundos, potencialmente isentando-os das sanções.
É bastante difícil rastrear a posse dessas duas propriedades inglesas atribuídas a Usmanov. Elas foram mantidas sob uma complexa rede de fundos e empresas registrados em locais como as Ilhas Virgens Britânicas – que, até recentemente, não exigiam que a posse de imóveis fosse plenamente revelada.
A Beechwood House, em particular, foi comprada por Usmanov por 48 milhões de libras em 2008 ((R$ 289,5 milhões atualmente) por intermédio de uma offshore. Como parte de uma investigação com o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, a BBC acessou um documento mostrando que Usmanov fez uma hipoteca em 2005 para financiar parcialmente os pagamentos da propriedade de Sutton Place por meio de duas empresas localizadas no Chipre.
Cada um de seus dois sobrinhos possui imóveis multimilionários no norte de Londres.
Quando o governo britânico sancionou Oleg Deripaska, descreveu-o como dono de uma fortuna de 2 bilhões de libras (R$ 12 bilhões) e como alguém que já foi sócio de Roman Abramovich.
No início de março, chegou ao conhecimento da Justiça que ele tem um portfólio imobiliário de milhões de libras, incluindo uma mansão em art déco chamada Hamstone House, em Surrey, comprada por 7,1 milhões de libras (R$ 42,9 milhões) por uma companhia sediada no Chipre, a Edenfield Investments Limited, em 2001.
Deripaska também é dono de uma mansão no centro de Londres que em março foi ocupada por manifestantes, reivindicando-a para refugiados russos. No entanto, um porta-voz do bilionário disse na ocasião que a propriedade pertencia não a ele, mas a parentes.
Há evidências indicando que Deripaska é dono de um edifício do século 17 localizado a cinco minutos a pé do Palácio de Buckingham e comprado em 2004 por 4,7 milhões de libras (R$ 28.4 milhões), por intermédio da Astibe Limited – uma empresa offshore nas Ilhas Virgens Britânicas.
Um juiz congelou as contas bancárias operadas por um empresário britânico sob a suspeita de que essas contas sejam ligadas a Deripaska. Investigadores da Agência Anti-Crimes britânica acreditam que as transações bancárias seriam usadas pelo oligarca para evadir as sanções.
Um porta-voz de Deripaska afirmou que as sanções são “profundamente equivocadas” e baseadas em “acusações infundadas e vazias”.
“O senhor Deripaska nunca se envolveu com política. É errado sugerir que ele é próximo ao governo da Rússia ou a Vladimir putin”, diz o comunicado.
“A decisão de sancioná-lo não tem nada a ver com lei e justiça, e o mesmo vale para o congelamento de bens dele e sua família”.
Morador do Reino Unido, o bilionário oligarca Mikhail Fridman teve suas ações congeladas na empresa de investimentos LetterOne, dona da cadeia de produtos de saúde Holland & Barrett, depois de ele ser alvo de sanções europeias por conta da invasão ucraniana.
Em 15 de março, ele também foi sancionado pelo governo britânico, que afirmou que ele é “proximamente associado a Vladimir Putin”.
Fridman disse à BBC que ficou “chocado” com as sanções e que é “absolutamente incorreto” que ele tenha laços com Putin.
Junto com Petr Aven (veja abaixo), Fridman tem quase 50% da LetterOne, a qual anunciou que seus sócios “deixaram de ter qualquer envolvimento com a empresa”.
Fridman, de fortuna avaliada em cerca de US$ 12 bilhões, é dono de uma enorme propriedade (Athlone House, veja abaixo) no norte de Londres, pelo qual pagou 65 milhões de libras em 2016 (R$ 392 milhões atualmente).
Fridman certa vez disse ao jornal da região, o Hampstead and Highgate Express, que o local foi projetado originalmente para um industrial vitoriano. E acrescentou: “Pareceu ser o destino que eu, como homem de negócios, fosse ser igualmente atraído anos mais tarde para esse mesmo imóvel”.
Fridman obteve autorização para uma ampla reforma, incluindo a adição de uma adega de vinhos, sala de cinema, piscina, sala de ioga e sala de tabacaria.
Petr Aven foi citado nas sanções europeias como “um dos oligarcas mais próximo de Putin” e como alguém que “não opera de modo independente das demandas do presidente (russo)”.
Junto a Mikhail Fridman, o bilionário teve suas ações na LetterOne congeladas.
Registros oficiais britânicos mostram que uma empresa com sede no Chipre pagou 8 milhões de libras (R$ 48,3 milhões) pela sua casa, Islington House, no condado de Surrey.
Acredita-se que Aven seja dono de uma extensa coleção particular de arte, que inclui obras de Kandinsky, Louise Bourgeois e Henry Moore. Ele foi fotografado pelo jornal britânico Financial Times em sua casa ao lado de algumas obras.
Após ser alvo de sanções europeias, Aven renunciou de seu cargo na Academia Real de Artes britânica, que devolveu uma doação feita por ele.
Aven também disse à BBC ser dono de um apartamento de dois quartos e um estúdio no centro de Londres.
Ele disse “discordar veementemente” da descrição feita pelo governo britânico, de que ele seria “um oligarca pró-Kremlin”, e afirmou que as sanções contra si são “compreensíveis, mas injustas, acrescentando que nunca operou sob as demandas de Vladimir Putin.
“Meus sócios e eu sempre tentamos ficar longe da política”, disse.
Nascido em Kiev, na Ucrânia, quando esta era parte da União Soviética, Khan é “uma pessoa próxima de Vladimir Putin que esteve envolvida na desestabilização da Ucrânia”, segundo autoridades britânicas, que o sancionaram em março.
Ele e sua mulher, Anzhelika, são donos de diversos imóveis na Inglaterra.
O vazamento de documentos offshore Panamá Papers revelou que o casal tem ações na empresa Apilosa Corporation, sediada nas Ilhas Seychelles. Registros imobiliários mostram que a empresa pagou 62 milhões de libras (R$ 374,2 milhões) em 2008 por dois apartamentos perto do Palácio de Buckingham.
German Khan já havia comprado outros dois apartamentos na mesma região em 2005. Em 2018, os imóveis foram transferidos para o nome de sua mulher.
O casal também tem uma mansão em Surrey, comprada por 26 milhões de libras em 2014 (R$ 157 milhões atualmente). Registros mostram que a mansão foi vendida em dezembro de 2021 para a empresa Ravenmorrow Limited por 31 milhões de libras.
Não está claro quem é o atual dono do imóvel atualmente. A Ravenmorrow Limited foi criada em dezembro do ano passado e nenhum indivíduo é identificado como beneficiário nos registros britânicos.
Khan não respondeu às consultas da BBC.
O governo britânico afirmou que Igor Shuvalov é “parte essencial do círculo íntimo de Putin” quando o sancionou, em março.
As autoridades confirmam que os bens dele no Reino Unido incluem dois apartamentos de luxo estimados em 14 milhões de libras (R$ 84,5 milhões). Isso foi inicialmente reportado pela Fundação AntiCorrupção, criada pelo líder da oposição russa Alexei Navalny.
Registros imobiliários mostram que as propriedades são de posse da empresa russa Sova Real Estate LLC – que, segundo documentos obtidos pela Fundação AntiCorrupção, seriam de posse de Shuvalov e sua mulher.
Um porta-voz do empresário confirmou que a posse dos apartamentos havia sido transferida para uma empresa russa “controlada pela família Shuvalov” em 2014.
O valor dos imóveis supera imensamente o patrimônio de 634 mil libras declarado por Shuvalov e sua mulher ao Parlamento russo naquele mesmo ano.
O porta-voz do empresário disse à BBC que seu patrimônio foi “sujeitado a competentes auditorias governamentais” e que “nunca nenhuma queixa foi prestada”.
Em agosto de 2021, Gutseriev foi sancionado pelo Reino Unido por causa de sua relação próxima com o presidente de Belarus, Alexander Lukashenko.
Gutseriev é fundador do Safmar Group, um conglomerado russo, mas não está mais envolvido nesse negócio – que hoje tem como um de seus donos o filho de Gutserviev, Said, um cidadão britânico que não foi alvo das sanções.
O vazamento Pandora Papers revelou que Said Gutseriev é dono de uma quadra de edifícios de escritórios na região financeira de Londres, a City, comprada por mais de 41 milhões de libras (R$ 247,5 milhões) por meio de uma empresa offshore secreta.
Representantes de Said Gutseriev disseram à BBC que ele não tem “nenhuma relação de negócios com seu pai”. Seu pomposo casamento virou tema de notícias em 2016, por ter tido shows de celebridades como Jennifer Lopez e Enrique Iglesias.
Yuri Soloviev foi um executivo de alto escalão do banco russo VTB (alvo de sanções) e foi sancionado pelo governo britânico em 15 de março. O executivo de 51 anos tem cidadanias russa e britânica e, segundo um porta-voz do banco, “deixou o grupo VTB em 24 de fevereiro de 2022”, dia da invasão russa.
Segundo autoridades do Tesouro americano, a mulher dele, Galina Ulyutina, “esteve implicada em um esquema de passaportes dourados” (em que a concessão de passaporte é feita mediante pagamentos de grandes somas) na Bulgária. Esses passaportes permitem que cidadãos de um país adquiram cidadania em outro por meio de investimentos.
Soloviev tem dois imóveis londrinos em seu nome, todos em áreas nobres da cidade. Um é uma cobertura na região de Hampstead e o outro é em Westminster. Um terceiro apartamento, perto do Palácio de Kensington, foi comprado no nome de um parente dele por 2,2 milhões de libras (R$ 13,3 milhões) em 2006 e revelado uma década depois nos vazamentos do Panamá Papers.
O presidente do conselho do estatal Gazprombank, Andrey Akimov, foi sancionado pelos EUA em 2018 e pelo Reino Unido no início deste mês.
Segundo a autora Catherine Belton no livro Putin’s People (As pessoas de Putin, em tradução livre), Akimov pe um ex-agente de inteligência e “um dos mais importantes financiadores por trás do regime de Putin”.
Com o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, a BBC encontrou nos Pandora Papers evidências que ligam Akimov ao mercado imobiliário de Londres.
Registros oficiais mostram que a parceira de Akimov, Marianna Chaykina, possui um apartamento na região nobre de Knightsbridge, comprado por 15 milhões de libras (mais de R$ 90,5 milhões hoje) por uma empresa nas Ilhas Virgens Britânicas Inma Investments, em 2012.
Chaykina é listada como coproprietária em diversas empresas de Akimov, segundo documentos vazados.
A BBC consultou Akimov mas não recebeu resposta.
Polina Kovaleva é enteada do ministro russo de Relações Exteriores, Sergei Lavrov, segundo o governo britânico.
Lavrov foi sancionado pelo governo do Reino Unido junto com Vladimir Putin. Algumas semanas depois, em 24 de março, Kovaleva também foi alvo de sanções – sob o argumento de que ela seria dona de uma propriedade no valor de 4,4 milhões de libras (R$ 26,5 milhões) em Londres.
Registros oficiais mostram que Polina Kovaleva comprou o apartamento na região nobre de Kensington em 2016, quando tinha apenas 21 anos, sem precisar de hipoteca (financiamento).
Kovaleva não respondeu à consulta da BBC.
Arkady Rotenberg é um dos amigos mais próximos de Vladimir Putin – eles treinavam na mesma academia de judô em São Petersburgo.
EUA e União Europeia sancionaram Rotenberg em 2014, após a anexação russa da Crimeia. Ele também é alvo de sanções no Reino Unido, por conta de “seus laços pessoais próximos com Putin”. Seu irmão Boris e seu filho Igor tamém entraram na lista de sancionados no mês passado.
Em julho de 2020, uma investigação do Senado americano acusou irmãos de Rotenberg de usarem compras sigilosas de obras de arte para evadir as sanções.
Em 2012, uma propriedade foi comprada nos arredores de Londres por 27,5 milhões de libras (hoje R$ 166 milhões) pela Ravendark Holdings Limited, empresa registrada nas Ilhas Virgens Britânicas. A compra recebeu um empréstimo de mais de 30 milhões de libras por uma empresa cuja posse é atribuída a Rotenberg.
Em novembro de 2021, a Justiça britânica decidiu que o imóvel fosse mantido em um fundo para o benefício de Rotenberg. Houve um recurso, e o caso ainda não foi decidido. Rotenberg não respondeu aos questionamentos da BBC.
A dificuldade de altas cortes judiciais em estabelecer a posse de uma mansão localizada no Reino Unido ilustra os entraves em rastrear os bens de oligarcas sancionados.
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