- Daniel González Cappa
- BBC News Mundo
Se parássemos alguns minutos para pensar sobre o que é a física quântica, o que você diria?
Muitas pessoas podem responder que são fórmulas complicadas que explicam processos muito complexos relacionados a partículas subatômicas, gravidade, energia, movimento de galáxias, buracos negros e tudo o que tenha a ver com espaço-tempo e tamanho do universo.
Algo mais ou menos como as ideias de Albert Einstein. Mas essa não seria uma resposta muito distante da realidade.
Afinal, o pai da Teoria da Relatividade lançou as bases para a física estatística e a mecânica quântica, parte da física moderna e que é muito diferente daquela levantada por Isaac Newton séculos atrás.
Mas há um ramo menos explorado que não nos obriga a ir muito longe para entender do que se trata. Na verdade, está aqui, em nosso planeta, entre nós.
O físico teórico iraquiano-britânico Jim Al Khalili levantou a questão em 2015 com uma pergunta durante uma palestra: “E se o mundo quântico desempenhasse um papel importante no funcionamento de uma célula viva?”
Algo tão pequeno pode nos ajudar a entender por que estamos vivos?
Por muitos anos, a comunidade científica foi direta: a biologia era uma ciência tão complexa que não tinha nada a ver com o mundo quântico.
Hoje, essa ideia é vista como equivocada. Na verdade, a mecânica quântica desempenha um papel tão importante nos processos biológicos que é vital para a fotossíntese das plantas ou a respiração celular.
Este ramo da ciência é conhecido como biologia quântica.
E entendê-lo abriria as portas para inúmeras respostas e processos que ainda não entendemos completamente, desde compreender como funcionam as mutações até a criação de novos medicamentos ou melhorias na computação quântica.
“De certa forma estamos resolvendo um mistério importante”, disse Vladimiro Mujica, químico da Universidade Central da Venezuela e doutor em Química Quântica pela Universidade de Uppsala, na Suécia.
Recentemente, a Arizona State University, nos Estados Unidos, onde Mujica trabalha atualmente, recebeu uma bolsa de US$ 1 milhão da Keck Foundation em conjunto com a Universidade da Califórnia em Los Angeles e a Northwestern University em Chicago. O objetivo é estudar biologia quântica pelos próximos três anos.
A ideia é entender ao máximo o alcance desse ramo, que está revolucionando a forma como entendemos a relação entre os processos quânticos e a própria vida.
Mas o que é biologia quântica?
Para responder à pergunta, vamos começar pela mecânica quântica:
A física moderna se baseia principalmente em dois ramos que estudam a relatividade e o mundo quântico. O primeiro estuda campos como o movimento de galáxias e planetas; já segundo tenta explicar os sistemas atômicos e subatômicos que são tão pequenos que não podemos vê-los a olho nu.
Um mundo gigante e um mundo pequeno.
O lado óbvio é que química, biologia e bioquímica fazem parte desse universo. E essa matéria é composta por átomos e moléculas.
Então, se a física quântica estuda esse mundo atômico, também estaria descrevendo a biologia, certo?
“Os processos biológicos são na verdade sistemas quânticos porque a física (quântica) descreve o comportamento da matéria no nível microscópico”, explica Mujica à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.
Essa é uma conclusão que parece muito simples. Mas nem sempre foi tão óbvio.
E há uma razão convincente: os processos biológicos são realmente muito complexos. Por outro lado, os sistemas quânticos precisam de “estabilidade”, algo que os cientistas conhecem como coerência de ondas.
A conclusão da comunidade científica é que os processos biológicos eram tão “ruidosos” que não tinham essa estabilidade. Basicamente, eles destruíram a coerência.
Foi por isso que, ao longo do século 20, os cientistas separaram a mecânica quântica da biologia. Eles não deram muito interesse ao tema.
Mas talvez estivesse faltando algo que os cientistas não entendiam bem ou que não se encaixava. Talvez houvesse um método onde tudo isso fosse aplicado dentro de processos biológicos.
‘Não trivial’
Já se sabe que a matéria é composta de partículas. Alguns são prótons e nêutrons, e outros são conhecidos como partículas elementares, como elétrons e fótons.
Essas partículas funcionam no nível biológico. Por exemplo, a fotossíntese nas plantas é impulsionada pela transferência de elétrons nas moléculas.
Mas há um problema aqui: como esse elétron viaja? Se tivéssemos uma lâmpada, o elétron passaria por um fio de cobre que fica muito quente e faz com que a luz “acenda”.
Mas as plantas não têm fio de cobre. Na verdade, a biologia tem condutores “terríveis” de energia, nas palavras de Mujica, e aumentar a temperatura abruptamente faria a célula simplesmente morrer.
Então o elétron precisaria daquela coisa que os cientistas não entendiam. Um processo que era simples e não exigia muita energia para permitir que a partícula viajasse sem matar a célula.
Esse processo realmente existe e é chamado de tunelamento.
Um exemplo: se temos uma bola de tênis de um lado de uma quadra e temos que fazê-la passar para o outro lado, bastaria jogá-la de uma ponta a outra.
Mas se a quadra tivesse um muro muito alto no meio, então a bola teria que ser lançada muito alto e por cima do muro – de modo contrário, bateria na barreira. É assim que a física clássica funciona.
Mas é diferente na física quântica. Se a bola de tênis fosse realmente um elétron, há uma maneira de o elétron passar pela parede e não sobre ela. E isso acontece porque as partículas se movem na forma de ondas.
O efeito túnel é como ” abrir um buraco na parede e passar por ele”. E a vantagem é que esse processo é tão simples e eficaz que é utilizado por sistemas biológicos para usar a menor quantidade de energia possível.
Os cientistas chamam esses tipos de eventos de “não triviais”. É basicamente como a mecânica quântica altera os processos biológicos.
Não é algo novo, porém. Físicos como o austríaco Erwin Schrödinger já haviam abordado esse e outros tópicos da física quântica na primeira metade do século 20, lançando as bases para que outros cientistas fizessem novas descobertas.
Mas o efeito túnel não é o único mecanismo quântico que atua dentro dos processos biológicos.
Existem outros, como a direção em que a partícula gira, algo conhecido como spin. E todos esses efeitos agem de maneiras diferentes em distintos estágios dos processos biológicos.
Por exemplo, a fotossíntese consiste em três etapas. A primeira é a captura do fóton (a partícula portadora da radiação eletromagnética, como a luz solar) pela planta.
A segunda é quando os elétrons absorvem a energia dos fótons e passam para um estado de maior energia, viajando pelas moléculas e com base no efeito túnel.
Finalmente, o elétron é usado para uma reação química que resulta na liberação de oxigênio. E é isso que permite que animais e seres humanos respirem.
Em todas essas etapas, a mecânica quântica está presente.
Mas agora imagine que o elétron esteja girando em seu próprio eixo (spin), e esse movimento pode ser para a direita ou para a esquerda. Dependendo da direção do spin, o elétron passará ou não pelo túnel.
Para simplificar, pense nisso como um parafuso, que quando inserido no buraco só pode ser parafusado na direção certa. Mas se você tentar de outra maneira, isso não acontece ou você o danifica.
Isso é o que se conhece como quiralidade, do grego kheir, que significa mão. Quando um objeto é quiral, tem outro que é o seu reflexo, como a mão direita com a esquerda.
Isso significa que o spin anda de mãos dadas com o quiral.
“Então agora você tem um mecanismo privilegiado que protege o transporte de qualquer ruído externo. Por isso, um efeito que não era para ser importante, agora é”, resume Mujica.
Entender esse processo é muito importante para a ciência. Sabe-se agora que tunelamento, spin e quiralidade estão relacionados não apenas à fotossíntese, mas também à síntese de proteínas, à forma como os organismos respiram ou à conexão entre os neurônios.
Mesmo em mutações, transformações do material genético que ocorrem pela mudança aleatória de uma molécula em nosso corpo.
Diferentes aplicações
Mas para que serve tudo isso? Teria alguma utilidade em aplicações do mundo visível?
Por ora, os cientistas estão apenas tentando entender a verdadeira dimensão da biologia quântica. Afinal, durante muito tempo ela foi considerada sem importância. Há cerca de uma década é que este campo da ciência começou a emergir novamente.
Um ramo que pode se beneficiar é a farmacologia, onde a quiralidade desempenha um papel importante.
Outra é a computação quântica. “No ponto onde estamos, vamos tentar encontrar bons sistemas para fazer o processamento quântico”, diz Mujica. “Já existem computadores quânticos, mas são muito limitados. São brinquedos muito avançados e extremamente caros”, acrescenta.
O que agora é evidente é o papel crucial que a física quântica tem em nos ajudar a entender como funcionam os processos biológicos muito importantes que tornam a vida possível.
Portanto, não se trata tanto de procurar outros planetas, mas também de dar uma olhada profunda em nós mesmos.
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