Algumas pessoas que buscam asilo no Reino Unido serão transferidas para Ruanda — a mais de 6,5 mil km de distância — segundo os novos planos do governo britânico.
O polêmico programa faz parte de um conjunto de medidas mais duras do governo para reduzir o número de requerentes de asilo que chegam ao país em pequenos barcos por meio do Canal da Mancha.
A ministra do Interior, Priti Patel, está no país africano para assinar o acordo de US$ 150 milhões que envolve testar o esquema com homens solteiros que chegam ao Reino Unido.
Em um discurso na quinta-feira, o primeiro-ministro britânico Boris Johnson confirmou o programa, dizendo que era necessário “salvar inúmeras vidas” e impedir que “traficantes de seres humanos” transformassem o oceano em um “cemitério aquático”.
Ele disse que, sob o novo esquema, qualquer pessoa que chegue ao Reino Unido ilegalmente pode ser “realocada” para Ruanda.
“Esta política não tem limites”, disse Johnson. Ele acrescentou que Ruanda aumentou sua capacidade de receber imigrantes nos últimos anos em “dezenas de milhares de pessoas”.
“Não podemos manter um sistema ilegal paralelo”, disse Johnson. “Nossa compaixão pode ser infinita, mas a capacidade de ajudar as pessoas não é.”
Estatísticas oficiais apontam que, no ano passado, 28.526 indivíduos atravessaram o Canal da Mancha em pequenas embarcações, ante 8.404 pessoas em 2020.
Só na última quarta-feira (13/4), cerca de 600 requerentes de asilo cruzaram o Canal e, segundo Johnson, o número pode chegar a mil por dia nas próximas semanas.
A BBC viu o alojamento em que esses indivíduos serão colocados, que se acredita ter espaço para cerca de 100 pessoas por vez e processar até 500 imigrantes por ano.
‘Impraticável e antiético’
O novo programa foi amplamente criticado tanto por grupos humanitários, que chamaram os planos de cruéis, quanto por partidos da oposição, que dizem que será “impraticável, antiético, perdulário e ineficaz”.
Os partidos da oposição também entendem que o custo anual de todo o plano seria muito maior do que o pagamento inicial de US$ 150 milhões e levantaram preocupações sobre o histórico de direitos humanos de Ruanda.
Direto de Ruanda, o editor de assuntos nacionais da BBC, Mark Easton, explicou que o governo enfrenta obstáculos legais e custos substanciais no lançamento do plano.
Detalhes precisos do projeto ainda não foram confirmados, mas há informações de que o programa de testes será limitado principalmente a homens solteiros.
Pela proposta, Ruanda assumiria a responsabilidade pelas pessoas que fizerem a viagem de mais de 6,5 mil km, as colocaria em um processo de asilo e, ao final, se obtiverem sucesso, esses indivíduos teriam acomodação de longo prazo no país.
O governo ruandês indicou que os imigrantes terão “direito à proteção total sob a lei ruandesa, igualdade de acesso a emprego e inscrição em serviços de saúde e assistência social”.
O Ministério do Interior do Reino Unido acredita que a lei de asilo existente será suficiente para implementar o esquema, mas permanecem dúvidas sobre a legalidade da decisão.
Também foram levantadas questões sobre o histórico de direitos humanos do governo ruandês e de seu presidente, Paul Kagame.
Vários dos seus críticos morreram ou foram vítimas de tentativas de assassinato, mas a Ruanda sempre rejeitou sugestões de que o governo estivesse envolvido nesses episódios.
Também há preocupações sobre a condenação por terrorismo de Paul Rusesabagina, que foi retratado no filme Hotel Ruanda por seu papel em salvar mais de mil pessoas durante o genocídio de 1994 naquele país.
No ano passado, o próprio governo do Reino Unido expressou preocupação nas Nações Unidas (ONU) sobre as “restrições contínuas aos direitos civis e políticos e à liberdade de imprensa” em Ruanda, pedindo investigações independentes sobre “alegações de execuções extrajudiciais, mortes sob custódia, desaparecimentos forçados e tortura”.
Um plano extremamente controverso
Análise de Mark Easton, editor de Assuntos Nacionais da BBC
A parceria com Ruanda é a peça central de uma campanha política mais ampla para abordar o que tem sido uma humilhação para os ministros que prometeram que o Brexit significaria o controle das fronteiras do Reino Unido.
Em vez disso, um número recorde de requerentes de asilo tem aparecido em barcos nas falésias brancas de Dover, na costa do país.
Este ano foram 4.578 chegadas e tudo indica que isso representará um novo recorde.
No entanto, enviar requerentes de asilo para Ruanda provavelmente será altamente controverso e legalmente difícil.
Os críticos apontam para o fraco histórico de direitos humanos de Ruanda. No ano passado, o Reino Unido exigiu na ONU que os supostos assassinatos, desaparecimentos e torturas fossem investigados.
Os ministros terão que explicar por que Ruanda é o lugar certo para confiar a proteção dos direitos humanos de requerentes de asilo vulneráveis que esperavam que o Reino Unido os protegesse.
Ativistas destacam o impacto negativo sobre os direitos humanos dos refugiados, o custo do esquema e questionam se o plano será capaz de atingir os objetivos propostos.
Enver Solomon, diretor executivo do Conselho de Refugiados, disse que a proposta não aborda as razões pelas quais as pessoas desesperadas viajam para o Reino Unido.
A Anistia Internacional do Reino Unido descreveu o plano como uma “ideia surpreendentemente mal concebida”, que desperdiçaria dinheiro público.
Lucy Powell, secretária de cultura do Partido Trabalhista, de oposição, disse que seu partido defende “medidas incômodas”, como restrições a traficantes de pessoas que promovem negócios online.
O Partido Liberal Democrata declarou que o governo estava “fechando a porta” aos refugiados, enquanto Ian Blackford, do Partido Nacional Escocês, descreveu o plano como “absolutamente assustador”.
É legal enviar requerentes de asilo para Ruanda?
O governo britânico quer introduzir novas leis com o objetivo de tornar mais fácil para o Reino Unido enviar refugiados para outro país, de modo que o pedido de asilo seja processado em outro lugar.
O país também é signatário de dois importantes tratados internacionais que garantem os direitos dos refugiados e requerentes de asilo:
- A Convenção das Nações Unidas para os Refugiados, que protege as pessoas de serem enviadas para um país onde se enfrenta sérias ameaças à vida ou à liberdade.
- A Convenção Europeia de Direitos Humanos, que estabelece que ninguém será submetido a tortura, penas ou tratamentos desumanos e degradantes.
Portanto, se existir o risco de uma pessoa ser maltratada em Ruanda, ela não poderá ser enviada para lá.
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