- Author, Dominic Lutyens
- Role, Da BBC Culture
Da Escandinávia aos EUA, as pessoas estão encontrando liberdade e senso de comunidade vivendo em casas flutuantes sobre a água.
Há algo de rebelde e individualista em trocar uma vida vivida dentro de tijolos e argamassa por uma existência mais simples e menos convencional numa casa flutuante. Os moradores de barcos sentem uma sensação de aventura e, se estiverem em um local remoto e rural, estão totalmente em sintonia com a natureza.
A capa do um novo livro de Portland Mitchell, Making Waves: Floating Homes and Life on the Water (Fazendo ondas: casas flutuantes e a vida na água, em tradução livre) captura a liberdade que muitos associam a casas transportadas pela água. Vistos através de uma janela redonda de vidro, dois cisnes deslizam sobre um lago vítreo. Em primeiro plano há um vislumbre menos distinto do interior de uma casa flutuante.
No entanto, viver em barcos nem sempre é fácil. Afinal, as casas flutuantes são frequentemente afetadas pelos elementos e as que são remotas podem estar totalmente desconectadas da rede elétrica – algo que exige um tempo para que a pessoa se acostume.
Mas as casas flutuantes também são frequentemente atracadas uma ao lado da outra nos cais da cidade, dando aos ocupantes um forte senso de comunidade. Em termos de design, as casas flutuantes variam estilisticamente e estruturalmente, e muitos moradores de barcos levam a sério a vida e o design sustentáveis. “Eles estão trazendo de tudo, desde um contêiner resgatado até uma casa flutuante construída com materiais reciclados, para os cursos de água do mundo”, diz Mitchell à BBC Culture.
Agora, com as mudanças climáticas gerando a subida do nível do mar, a conveniência também está a impulsiona a vida na água. “Com base nas previsões climáticas, a habitação em barcos pode revelar-se uma alternativa prudente, e até mesmo necessária, à vida em terra, essencial para a sobrevivência humana”, acrescenta Mitchell.
A BBC Culture analisa oito casas flutuantes fascinantes em todo o mundo – uma delas no Brasil.
Reetainer, Reino Unido
A casa de Max McMurdo é um exemplo da grande variedade de casas flutuantes que surgiram na última década. Cerca de sete anos atrás, ele converteu um contêiner de metal de 12 metros por 2 metros que comprou por US$ 2,5 mil (R$ 12 mil) em uma propriedade industrial de Londres e criou sua nova casa, que agora flutua no rio Ouse, em North Yorkshire, no Reino Unido.
Isso lhe permitiu garantir uma casa sem financiamento. Anteriormente, ele morou em uma casa de campo em Bedford, que renovou – aumentando seu valor – e depois vendeu. Depois que o contêiner danificado, que viajou pelo mundo, foi recondicionado e transformado em sua casa-barco, McMurdo também realizou um antigo sonho.
“Sempre sonhei em viver perto da água em uma casa minúscula”, diz ele.
Ex-designer de automóveis, McMurdo já havia convertido contêineres em estruturas com diferentes usos, incluindo um escritório para o jardim de sua casa. Hoje ele tem uma empresa que recicla contêineres, chamada Reetainer. Sua nova casa fica em uma base de concreto armado e um grande deck que oferece bastante espaço ao ar livre. Uma pérgula de madeira coroa o telhado e se projeta além dele para proporcionar uma área mais sombreada.
Idéias inteligentes para economizar espaço permitiram que ele incorporasse um banheironormal e um chuveiro. Ele também construiu um compartimento de armazenamento no topo do piso do contêiner, que contém banheiro embutido, guarda-roupa, geladeira e uma mesa de jantar que sobe por uma abertura no chão da sala. A malha no chão do chuveiro desliza para revelar a banheira, enquanto a cama se divide ao meio, revelando os degraus do guarda-roupa.
Com o objetivo de reduzir o consumo de energia, McMurdo adicionou painéis solares e planeja instalar aquecimento com eficiência energética no teto da casa-barco.
Le Cid, França
Em 2018, Agnès Combes Bernageau mudou-se do seu “apartamento acolhedor” em Paris para uma barcaça de transporte atracada no rio Sena – entre a Ponte Alexandre 3º e a Ponte de la Concorde. Moram com ela seus dois filhos e um buldogue francês.
O barco tem uma história pitoresca: foi construído em 1930 em Mainz, na Alemanha, e depois entregue à França como parte das reparações pós-Primeira Guerra Mundial impostas pelo Tratado de Versalhes de 1919. Durante a ocupação da França por Hitler, atendeu flotilhas de submarinos alemãs e, na década de 1950, foi comprada pela British Petroleum.
Le Cid estava atracado no porto parisiense em 1980. “Eu estava entediada com a vida impessoal da Paris convencional”, diz Combes Bernageau, executiva sênior de uma marca de luxo francesa, que comprou a barcaça seguindo “um pressentimento”.
A mudança teve efeitos psicológicos e físicos positivos sobre ela.
“Ganhei uma mente e um coração mais abertos – bem como uma comunidade com uma mentalidade comum de liberdade. Aprende-se muito em barcos – desde a amarração até todo o material técnico. Eu não sabia nada sobre isso. Ganhei força muscular”, diz ela.
Há uma forte vida comunitária e um comitê portuário do qual Combes Bernageau faz parte.
Combes Bernageau converteu o interior do Le Cid em uma elegante sala de estar em plano aberto, incorporando uma cozinha bem equipada e área para refeições. Há também um banheiro monocromático. O efeito geral, abaixo do convés, é elegante, organizado e espaçoso.
Mini, Argentina
Há 30 anos, Anibal Guiser Gleyzer achava a vida na cidade insatisfatória. “Então comprei um veleiro e explorei o delta dos rios Paraná e Uruguai”, conta.
Mais tarde, ele vendeu o seu apartamento, adquiriu um terreno no delta e, ciente de que esta zona úmida é propensa a inundações, construiu uma casa flutuante.
Em vez de se conformar ao estilo arquitetônico europeu de muitos edifícios locais, optou por criar uma estrutura inspirada em barcaças de casco plano que tradicionalmente transportavam madeira através dos rios.
Ele queria que seu projeto – uma estrutura de dois andares – fosse feito com materiais ecologicamente corretos, por isso fabricou o casco em ferrocimento, que envolve a aplicação de argamassa reforçada ou gesso sobre uma armadura composta por malha metálica, metal expandido ou fibras metálicas. As paredes da casa flutuante são feitas de madeira.
Desde então, ele estabeleceu uma comunidade ecológica de casas semelhantes, baseadas na água, chamada Econáutico Hipocampo, cujos ocupantes são igualmente atraídos por viver perto da natureza.
Zazi Houseboat, Países Baixos
Durante anos, Jeanne de Kroon, que tem uma empresa de roupas vintage chamada Zazi Vintage, viajou pelo mundo, adquirindo tecidos e roupas feitas por artesãs.
Mas recentemente ela criou raízes alugando uma casa-barco num subúrbio de Amsterdã. “Para os viajantes, uma casa flutuante é a melhor maneira de se sentir como se estivesse de férias em casa”, diz a extravagante de Kroon, que se veste com roupas hippies no estilo dos anos 1960.
A casa-barco de madeira data da década de 1970. De Kroon adicionou cor ao seu interior, pintando as paredes de rosa-pink e pendurando vestidos em seus tons favoritos de amarelo açafrão e carmesim nas molduras das portas e nos móveis. “Quando você mora em um barco nos canais de Amsterdã, a cor é importante para aquecer o espaço”, diz ela.
De Kroon, que cresceu em Amsterdã e Nova York, se sente menos isolada aqui do que se morasse em um apartamento. “Eu cresci em cidades onde você nunca conhece seus vizinhos, mas a vida no barco une a comunidade — trocamos presentes e temos um clube de natação”, diz.
Oldenburg, Dinamarca
Quando Lis e Ove Nilsson viram pela primeira vez a sua casa-barco, Oldenburg, construída em 1908, foram conquistados pelo seu tamanho – ideal para receber a família e amigos. A área da cabine, embora totalmente operacional, era pequena, mas o casal a expandiu para criar uma espaçosa área de jantar.
A casa-barco também contém uma cozinha, dois quartos, um banheiro e um guarda-roupa.
O interior do barco, com paredes brancas, piso claro e móveis navais, é minimalista, mas confortável. Há um sofá espaçoso e assentos estofados na área de jantar, enquanto os quartos tem um clima mais quente com madeira envernizada tradicional nas paredes.
“Não perdemos nada ao passar da terra para a água”, dizem eles.
Desde a aquisição de Oldenburg, o casal realizou muitas expedições à vela.
Soggybottom Shanty, EUA
Uma experiência formativa para Siva Aiken, dona de uma casa-barco excentricamente chamada Soggybottom Shanty] , foi sua fixação pelo passeio temático dos Piratas do Caribe na Disneylândia, que sua família frequentava durante sua infância.
“Havia um boneco de um homem fumando cachimbo e balançando-se em uma cadeira na varanda da frente de uma cabana no pântano”, lembra ela. “Senti uma vontade de pular do barco e me mudar para aquela pequena cabana.”
Mais tarde, ela se mudou para o sul dos EUA e ficou intrigada com a “rica história dos ribeirinhos na América”.
Como canais para o transporte de toras e carvão, os rios ali na virada do século 20 tornaram-se indesejáveis e poluídos, povoados por uma comunidade empobrecida. “Eles construíram cabanas e barracos com sobras de madeira”, diz Aiken, que divide a casa barco com vários cães.
Seu navio de 7 metros de comprimento foi feito com materiais reciclados e de demolição, com a ajuda de amigos, em 2019. As janelas foram recuperadas de uma casa que estava sendo reformada, enquanto seu motor de popa usado tem 30 anos.
Aiken atraca o barco amarrando-o a um cais. Ela embarca e desembarca usando uma prancha inclinada e, à noite, relaxa tocando banjo na varanda de sua casa, num eco do passeio Piratas do Caribe que a cativou quando criança.
Altar, Brasil
Para Rodrigo Martins, sua família e dois amigos, sua casa-barco de veraneio ancorada em uma bóia no reservatório de Jaguariúna, duas horas ao norte de São Paulo, é um refúgio de sonho.
A casa é compacta, mas espaçosa, ecológica e isolada. A estrutura quadrada e minimalista de 38 m² foi feita de materiais 100% recicláveis de um sistema de habitação pré-fabricado chamado LilliHaus, do estúdio brasileiro de design sustentável sysHaus. Ele fica em um deck amplo e envolvente – apoiado por um catamarã – que adiciona mais 26 m² de espaço. Nele há espreguiçadeiras, onde após o pôr do sol a turma pode assistir a filmes projetados em uma parede externa que funciona como tela de cinema.
Usada para estadias de fim de semana e feriados, e alcançada por um bote, a casa-barco parece enganosamente pequena. No entanto, contém uma área de estar com área para refeições e cozinha, um quarto duplo e um banheiro bem equipado. Um interior simples e chique, com paredes de madeira clara e móveis discretos, faz com que o espaço pareça maior. A luz natural inunda o espaço através de janelas e claraboias do chão ao teto.
As características ecológicas da LilliHaus incluem painéis solares no telhado que geram eletricidade e iluminação com eficiência energética, aberturas na estrutura que proporcionam ventilação natural e sistemas de tratamento de água de última geração.
Martins admite que sua família e amigos inicialmente experimentaram sintomas de abstinência quando privados de wi-fi – mas logo ficaram felizes em socializar mais, nadar e remar em canoas.
De Walvisch, Reino Unido
O De Walvisch é um veleiro holandês agora atracado em Wapping, no leste de Londres. Possui paredes de madeira em tons de mogno e uma infinidade de objetos navais, todos provenientes de seus ocupantes – os artistas Zatorski e Zatorski (um casal conhecido como Thomas e Angel pelos amigos).
Em 2000, a dupla comprou um barco estreito, o que os fez desenvolver o gosto por viver “um pouco fora do radar”.
A decisão de comprar o De Walvisch foi reforçada pelo interesse na cidade de Wapping. “A história está em cada esquina nesta parte da cidade”, dizem eles.
O casal restaurou o barco, equipando-o com peças recuperadas, incluindo uma pia de submarino. Uma janela com moldura de latão – resgatada do SS Transilvânia, o navio de passageiros britânico afundado por um submarino alemão em 1917 – agora enfeita o quarto (antiga cabine do capitão).
O barco está atracado na Hermitage Moorings, uma cooperativa que os artistas ajudaram a criar e que é partilhada com outros 17 barcos. Este ambiente inspira os artistas, que se interessam pelo potencial dos navios para simbolizar a descoberta e a aventura. Eles documentam sua vida a bordo do barco e o utilizam para encenar obras de arte e performances, além de hospedar eventos nos quais pessoas de diversas áreas são convidadas para discutir suas ideias.
Fonte: BBC
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