- Author, Letícia Mori
- Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
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O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (21/9) invalidar a tese do marco temporal das terras indígenas – que pregava que a demarcação de territórios só poderia ocorrer em comunidades que já ocupavam esses locais quando a Constituição atual foi promulgada, em 5 de outubro de 1988.
A pauta foi uma das mais discutidas e disputadas nos últimos anos, com os indígenas brasileiros considerando o resultado no Supremo como uma vitória, ainda que não definitiva. Mas quantos são e como estão distribuídos os indígenas brasileiros?
O Censo 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), cujos resultados começaram a ser divulgados em julho, trouxe dados atualizados do panorama da população indígena no país. Com o material, a BBC News Brasil produziu quatro gráficos explicativos.
Alta de quase 90% na população indígena
Segundo o IBGE, os indígenas no Brasil são mais de 1,69 milhão de pessoas. Esse total representa 0,83% do total da população brasileira.
Os números mostram um grande aumento em relação aos dados do Censo anterior, de 2010, quando a população indígena era de 896,9 mil e representava 0,47% do total.
O crescimento de 88,8% na população indígena registrada é em parte explicado por uma mudança na metodologia do IBGE. Em 2022, o Censo encontrou mais terras indígenas do que em 2010 e passou a fazer uma pergunta a mais para as pessoas entrevistadas em certas localidades.
A identificação de indígenas no Censo normalmente acontece quando alguém responde “indígena” à pergunta “qual é sua cor?”.
No entanto, o IBGE notou que muitas pessoas com ascendência indígena respondiam que sua cor é “parda”.
Por isso, em 2022, os recenseadores passaram a fazer a pergunta “você se considera indígena?” à lista de perguntas em locais que não são oficialmente terras indígenas, mas onde se sabe que há presença de povos originários.
Isso fez com que o Censo captasse muito mais pessoas que se consideram indígenas, segundo o IBGE.
“Essa diferença acontece porque as pessoas olham muito para a cor da pele quando essa pergunta (qual é sua cor?) é feita. Mas quando você faz a pergunta a mais (se a pessoa se considera indígena), isso abre para uma série de outros critérios de etnia que a pergunta sobre cor não responde”, afirma Tiago Moreira, pesquisador do ISA (Instituto Socioambiental), que ajudou o IBGE na formação da metodologia para o Censo.
Ou seja, muitas pessoas reconhecem sua ancestralidade indígena muito mais através de sua herança cultural do que através da cor da pele.
“A pergunta remete à ascendência indígena, diferente da pergunta sobre a cor, que existe em um contexto mais restrito. Muitas vezes as pessoas são descendentes, até militam no movimento indígena, mas respondem pardo para a cor da pele”, afirma Moreira.
Segundo o pesquisador, a pergunta “qual é sua cor” gera confusão e não é muito boa para captar a etnia das pessoas, mas ela é mantida por um motivo importante — a possibilidade de fazer comparação histórica precisa com censos anteriores, que já a usavam.
Mudanças limitam a possibilidade de comparação de um ano com o outro — a inclusão da pergunta sobre os indígenas em 2022 também limita a comparação com 2010 devido ao aumento na detecção da população indígenas gerado pela mudança de metodologia.
Distribuição pelo país e recuperação da identidade
Para entender detalhadamente o aumento da população indígena são necessários os dados sobre natalidade e mortalidade indígena, que ainda não foram divulgados pelo IBGE.
No entanto, ao menos parte da alta pode ser atribuído a um grande movimento de recuperação da identidade indígena, que tem se fortalecido nos últimos anos.
“A gente tem um movimento antigo de recuperação dessa identidade, dos descendentes dos povos originários voltarem a se reconhecer, a prestar atenção nessa identidade, nessa ancestralidade”, diz Tiago Moreira, do ISA.
“A população indígena é o grupo social que mais cresce, que tem fecundidade alta. E isso está refletido nesse dado (de aumento da população)”, diz ele.
No entanto, dentro das terras indígenas, essa população parece estar crescendo menos do que crescia antes — algo que precisa ser confirmado pelos próximos dados divulgados pelo IBGE.
Uma das hipóteses a ser confrontada com as novas informações é a de que essa aparente redução pode ser resultado dos efeitos devastadores da covid-19 dentro das terras indígenas.
Segundo estudos epidemiológicos feitos pela Fiocruz, os indígenas foram um dos grupos mais vulneráveis durante a pandemia.
36,73% dos indígenas vivem em territórios delimitados
O Censo mostrou que a maior parte dos indígenas do Brasil — cerca de 63% — vive hoje fora dos territórios indígenas oficialmente limitados. Por isso, de acordo com o pesquisador Tiago Moreira, o atendimento específico aos indígenas não pode ficar restrito aos territórios delimitados.
“São dados muito importantes para planejamento de políticas públicas, para se ampliar o atendimento especial que leve em consideração as línguas, os valores e as necessidades de cada povo”, diz o pesquisador.
A terra indígena com maior número de pessoas indígenas hoje é a Terra Indígena Yanomami (AM/RR), com 27 mil pessoas, o equivalente a 4,36% do total de indígenas em terras indígenas no país.
O segundo maior número é na Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR), com 26.176 habitantes indígenas.
Os dados do Censo 2022 mostram ainda que quase metade (49,1%) da população indígena vivendo atualmente em terras demarcadas se encontra na região Norte.
No levantamento, o Censo fez a pesquisa em 573 Terras Indígenas. Só foram consideradas as que tinham processos de regularização concluídos na época.
A expectativa é que a rejeição da tese do marco temporal no Supremo tenha impacto em cerca de 300 processos de demarcação em curso.
Bahia é segundo Estado em população indígena
Outro dado que chama atenção é que, embora cinco Estados (AM, BA, MS, PE, RR) concentrem 61,43% da população indígenas (veja gráfico acima), o IBGE registrou presença indígena na maioria dos municípios do Brasil — em 4.480 dos 5.568 municípios do país.
O município com maior número de pessoas indígenas em 2022 foi Manaus (AM), com 71,7 mil pessoas.
Já a maior proporção ficou em cidades como Uiramutã (RR), onde 96,6% dos habitantes são indígenas; Santa Isabel do Rio Negro (AM), com 96,2%, e São Gabriel da Cachoeira, com 93,17%.
Fonte: BBC
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