- Author, Gonzalo Cañada
- Role, BBC News Mundo
- Twitter, @gonzalo_cabus
Cai a noite em 16 de abril de 1917. Milhares de pessoas munidas de lanternas aguardam em uma plataforma da Estação Finlândia em Petrogrado (atual São Petersburgo). Em determinado momento, um homem desembarca de um trem e inicia um discurso para a multidão:
“O povo precisa de paz, o povo precisa de pão, o povo precisa de terra…”
O povo ao qual ele se refere é o russo, e o homem em questão é Vladimir Ilyich Ulyanov, mais conhecido como Lênin.
Foi assim que um dos grandes nomes da Europa do século 20 iniciou sua ascensão ao poder, mudando para sempre a história da Rússia, sendo admirado e temido nas mesmas proporções.
Nascido durante o Império Russo czarista, Lênin passou uma parte significativa de sua vida fora do país. Mas seu regresso, naquela noite de 1917, abalou os alicerces de uma nação imersa em um caldeirão de revoluções.
A tal ponto que, cinco anos depois, ele se tornou o primeiro líder da extinta União Soviética.
Mas como ele conseguiu promover uma revolução na Rússia em menos de sete anos? E qual foi seu principal legado?
A seguir, analisamos três pontos-chave para entender a importância histórica deste personagem.
1. Um Estado de partido único
Vladimir Ilyich Ulyanov nasceu em 1870 na então cidade russa de Simbirsk, às margens do Rio Volga.
Mais tarde, a cidade passou a ser chamada Ulyanovsk, em homenagem ao líder soviético.
Embora sua família fosse claramente abastada, Lênin apresentou desde cedo uma personalidade rebelde. Mas um acontecimento em especial acabou despertando sua mentalidade anti-imperialista: a execução do seu irmão mais velho, Aleksandr.
O filho mais velho dos Ulyanov foi executado em 1887, acusado de tentar assassinar o então czar Alexandre 3°.
Naquela época, a vida era bastante difícil para a grande maioria da população do Império Russo, que se dedicava principalmente à agricultura e sofria com a fome e pobreza.
Foi neste contexto que Lênin deu seus primeiros passos revolucionários — e, em 1895, foi preso por distribuir propaganda social-democrata.
Mais de um ano depois, ele foi libertado, mas teve que passar mais três anos exilado na remota Sibéria. Até que, em 1900, ele fugiu para Genebra, na Suíça, onde iniciou seu primeiro grande projeto junto a outros social-democratas: o jornal Iskra.
A publicação, cujo nome pode ser traduzido como “A Centelha”, tinha como objetivo coordenar o movimento social-democrata russo a partir do exterior.
Ele passou os anos de exílio acompanhado da esposa, Nadezhda Krupskaya, que compartilhava suas mesmas ideias revolucionárias. Ambos apoiavam a abordagem marxista desenvolvida pelo alemão Karl Marx.
Mas foi só em 1903 que Lênin começou verdadeiramente a ter alguma influência política. Ele foi o protagonista do 2° Congresso do Partido Operário Social-Democrata Russo, realizado em Londres, onde ele vivia temporariamente na época.
Um congresso que pretendia unir todos os russos que se opunham ao czarismo e ao capitalismo — mas que deixou evidente o surgimento de duas facções.
De um lado, os mencheviques, mais moderados e ligados ao parlamentarismo democrático europeu. E, do outro, os bolcheviques, encabeçados por Lênin, que tinham outra ideia de como chegar ao poder.
“Enquanto a ideia dos mencheviques está mais ligada à sociedade ocidental europeia, a concepção dos bolcheviques era de um partido centralizado, forte, consciente, de vanguarda, que não se preocupa tanto com a conquista do poder por meio do parlamentarismo”, explica o professor de história contemporânea Julián Casanova à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC.
O modelo bolchevique acabou prevalecendo, e eles formaram o Partido Comunista, que governou a União Soviética a partir de sua criação em 30 de dezembro de 1922.
Um modelo de Estado de partido único, e cujo primeiro líder foi justamente Vladimir Lênin.
Mas como é que os bolcheviques conseguiram impor este modelo?
2. Violência e repressão
Para responder a esta pergunta, precisamos voltar ao ano que mudou para sempre a história da Rússia, mencionado no início do texto: 1917.
Naquela época, Lênin ainda estava exilado, e a situação da população russa não tinha melhorado. À fome no campo e à exploração nas indústrias, se somou a participação da Rússia na Primeira Guerra Mundial.
Foi assim que em fevereiro daquele ano, segundo o calendário russo na época, ou já em março, segundo o nosso, aconteceu a primeira grande revolução de 1917.
Uma revolta que provocou a abdicação do czar Nicolau 2°, que já havia perdido grande parte do apoio popular, e pôs fim à monarquia russa.
Isso deu lugar à criação de um governo provisório, que incluía os mencheviques, embora logo tenha havido um contrapeso de poder com o chamado Soviete de Petrogrado.
Este Soviete era liderado pelos bolcheviques, “que não tiveram qualquer relevância na queda prévia do czarismo”, esclarece Casanova.
Seu protagonismo viria meses depois.
Após receber a notícia da revolução de fevereiro, Lênin deixou o exílio na Suíça e embarcou em uma longa viagem de trem, atravessando a Alemanha, a Suécia e a Finlândia, com destino a Petrogrado (atual São Petersburgo).
Vocês já podem adivinhar o objetivo: lançar a sua própria revolução, a bolchevique. É por isso que seu discurso naquela noite de abril terminou assim:
“Devemos lutar pela revolução social, lutar até ao fim, até a vitória completa do proletariado. Vida longa à revolução social internacional.”
Foi assim que em outubro, segundo o calendário russo da época, ou em novembro, para nós, aconteceu a segunda grande revolução. O governo provisório, ainda muito fraco e instável, foi derrubado pelos Sovietes bolcheviques, que assumiram o poder.
E Lênin conseguiu então cumprir o primeiro objetivo do seu famoso discurso, o da paz, retirando a Rússia da Primeira Guerra Mundial, graças ao Tratado de Brest-Litovsk.
Mas a paz da porta para fora foi apenas uma ilusão, já que após a revolução de outubro, começou uma sangrenta guerra civil entre os russos. De um lado, o Exército Vermelho, dos bolcheviques, e do outro, o Movimento Branco, que reunia conservadores, liberais e socialistas mais moderados.
Um embate que deixou milhões de mortos, e no qual os bolcheviques executaram o ex-czar Nicolau 2° e sua família. Para Casanova, foi um conflito especialmente cruel:
“A guerra civil é a brutalização claríssima de um importante setor de bolcheviques e militares que vinham do czarismo com este conceito de uso da violência. E não é apenas uma violência contra dissidentes políticos e ideológicos, mas contra os camponeses cujas colheitas são requisitadas à medida que o Exército Vermelho avança. E, além disso, uma violência contra partes de outras repúblicas soviéticas que não têm uma população russa tão significativa como a que Lênin está buscando”.
O uso da violência e da repressão foi justificado por Lênin como a única forma de alcançar a consolidação do novo Estado. Outros grupos perseguidos foram os intelectuais e a Igreja Ortodoxa Russa.
Finalmente, o Exército Vermelho prevaleceu, e a União Soviética foi fundada em 1922, sob a liderança de Lênin. Mas ele só permaneceu no poder por pouco mais de um ano, já que morreu em janeiro de 1924, vítima de um derrame.
Os especialistas acreditam, no entanto, que ele teve tempo de lançar as bases da máquina repressiva que Joseph Stalin mais tarde aperfeiçoou.
Milhões de pessoas compareceram ao funeral do líder soviético na Praça Vermelha, em Moscou. Seu corpo foi embalsamado e colocado em um mausoléu construído sob os muros do Kremlin, onde permanece até hoje. Nos últimos anos, houve pedidos para que ele fosse enterrado, mas, por enquanto, seu corpo ainda pode ser visitado no mausoléu.
3. Um comunismo ‘internacional’
Para terminar, este terceiro ponto é fundamental para compreender o legado de Lênin: ele queria fazer da revolução socialista uma causa mundial.
Basta prestar atenção no final do seu famoso discurso: “Viva a revolução social internacional.”
Não podemos esquecer que a política de Lênin se baseava nas teorias marxistas. No entanto, quando Marx e Engels pensaram no conceito da “ditadura do proletariado”, estavam imaginando um país desenvolvido, como a Alemanha, e não um país mais atrasado, como a Rússia.
Mas Lênin não via isso como um problema, uma vez que para ele a revolução russa era apenas a primeira revolução socialista no mundo, e seu objetivo era expandir também o socialismo para os países desenvolvidos.
Nesta busca, Lênin e vários marxistas de todo o mundo lançaram em 1919 a Terceira Internacional, também conhecida como Internacional Comunista. Por isso, a partir deste momento, seus membros começaram a ser conhecidos como comunistas.
Mas o projeto de expansão do socialismo não foi bem-sucedido.
“No processo de internacionalização que aconteceu nos anos 1918, 1919, até 1920, houve tentativas de insurreições na Alemanha, na Áustria e na Hungria. E este último é o único país em que, durante alguns meses, Bla Kun chega ao poder ao estilo bolchevique”, explica Casanova.
“Mas todas essas tentativas de revoluções acabaram banhadas em sangue porque o poder não só tinha os mecanismos de coerção, de ordem, do capitalismo, como também em todos esses países havia grupos paramilitares poderosíssimos que eram antibolcheviques, antissocialistas e antidemocráticos.”
Lênin não conseguiu a desejada expansão do socialismo na época, mas lançou as bases do que viria a ser a União Soviética: uma superpotência que chegou a disputar a hegemonia mundial e ampliou sua influência ao longo dos 70 anos seguintes.
Fonte: BBC
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