Utopia é palavra de origem grega – “ou” (não) e “topos” (lugar). Um “não-lugar” ou “lugar que não existe”, portanto. E acabou como representação de uma civilização ideal. Um país imaginário onde todos vivem felizes. Tudo começou com Thomas Morus, em 1516. Segundo historiadores, inspirado nas narrações de Américo Vespúcio (em 1503), em seu Mundus Novus – primeiro grande best seller do planeta, com mais de 40 edições, no início do século XVI. É que Vespúcio narra uma feitoria, em Cabo Frio, em que se encontravam 21 homens, mulheres e crianças que seriam degredados para uma ilha ainda inabitada. A mesma que depois foi batizada com o nome de um italiano que tinha contrato de exploração do pau brasil em todo o Nordeste, Fernando di Norogna. Seja como for, a utopia de Morus é uma ilha onde todos os cidadãos vivem em condições iguais, têm trabalho, recebem alimentos e roupas, e em seu tempo livre se dedicam à leitura e à arte. Cada um de nós tem sua própria utopia. Para Manuel Bandeira esse lugar era Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei.
Já para o poeta popular paraibano Manoel Camilo dos Santos (1905-1987), sua utopia era São Saruê – com rios de leite, lagoa de mel de abelha, açude de vinho, cacimbas de café. Tudo como se vê nesse poema memorável (Viagem a São Saruê), onde brilham os alimentos, que peço licença para transcrever:
Lá eu vi rios de leite
barreira de carne assada
lagoa de mel de abelha
atoleiros de coalhada
açudes de vinho quinado
montes de carne guisada.
As pedras em São Saruê
são de queijo e rapadura
as cacimbas são café
já coado e com quentura
de tudo assim por diante
existe grande fartura.
Feijão lá nasce no mato
já maduro e cozinhado
o arroz nasce nas várzeas
já prontinho e despolpado
peru nasce de escova
sem comer vive cevado.
Galinha põe todo dia
em vez de ovos é capão
o trigo em vez de sementes
bota cachadas de pão
manteiga lá cai das nuvens
fazendo ruma no chão.
Os peixes lá são tão mansos
com o povo acostumados
saem do mar vêm pras casas
são grandes, gordos e cevados
é só pegar e comer
pois todos vivem guisados.
Tudo lá é bom e fácil
não precisa se comprar
não há fome e nem doença
o povo vive a gozar
tem tudo e não falta nada
sem precisar trabalhar.
Maniva lá não se planta
nasce e em vez de mandioca
bota cachos de beiju
e palmas de tapioca
milho, a espiga é pamonha
e o pendão é pipoca.
As canas em São Saruê
em vez de bagaço é caldo
umas são canos de mel
outras açúcar refinado
as folhas são cinturão
de pelica e bem cromado.
…
Vou terminar avisando a qualquer um amiguinho
que quiser ir para lá
posso ensinar o caminho,
porém só ensino a quem
me comprar um folhetinho.
Dando-se por findo esse artigo com um convite, ao leitor amigo, para que descubra qual a sua utopia. Que talvez esteja tão perto. Talvez, sem que nos demos conta disso, é aqui mesmo – a família, os amigos, o trabalho. E uma boa mesa, claro.
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Autor: Letícia Cavalcante
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