- Author, Jeremy Bowen
- Role, Editor para o Oriente Médio, BBC News
Já Israel é hoje um país profundamente dividido e o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, tenta com dificuldade manter sua promessa de vitória total na guerra.
Os Estados Unidos, principal aliado de Israel, passaram a discordar da forma como este país está tocando a guerra.
Com o Irã jurando vingança pelo assassinato por Israel de um importante general iraniano na Síria, e após meses de tensão na fronteira entre Israel e Líbano, onde o Hezbollah atua com apoio do Irã, o risco de uma guerra generalizada no Oriente Médio está aumentando.
Os números mostram recordes no horror dos últimos seis meses. Mais de 33 mil pessoas foram mortas em Gaza, a maioria delas civis, de acordo com o Ministério da Saúde controlado pelo Hamas.
De acordo com a instituição Save the Children, 13,8 mil crianças palestinas foram mortas em Gaza e mais de 12 mil ficaram feridas. A Unicef relata que mil crianças tiveram uma ou duas pernas amputadas.
Mais de 1,2 mil israelenses, a maioria civis, foram mortos pelo ataque do Hamas em 7 de outubro, e 253 pessoas foram levadas pra Gaza como reféns. Israel diz que 130 reféns ainda estão em cativeiro e ao menos 34 estão mortos.
Uma equipe das Nações Unidas relatou em março ter informações confiáveis de que os reféns foram alvo de violência sexual, incluindo “estupro, tortura sexual e tratamento cruel, desumano e degradante”.
A equipe também disse que há indícios suficientes para acreditar que a violência contra os reféns continua.
Kibutz devastado
O kibutz Nir Oz fica bem na fronteira de Israel com Gaza.
Ele parece uma cápsula do tempo ainda presa aos horrores de 7 de outubro de 2023. Naquela manhã, logo após o amanhecer, o Hamas rompeu os muros e entrou no local.
Até o Exército israelense chegar, no início da tarde, um quarto dos cerca de 400 israelenses que viviam ali foram ou mortos pelo Hamas ou levados como reféns.
Ron Bahat, um homem com cerca de 50 anos que cresceu no Nir Oz, mostra como o local está hoje. Ele e sua família sobreviveram por sorte e por conseguir segurar a porta do quarto do pânico quando o Hamas entrou em sua casa.
A BBC caminhou por fileiras de pequenas casas, com jardins que hoje estão crescendo sem cuidados. Muitas exibem buracos de bala ou estão queimadas.
Outras não foram tocadas desde que os corpos dos mortos foram encontrados e retirados dali.
Ron aponta as casas de amigos e vizinhos que foram mortos e sequestrados. Em uma casa bastante danificada, uma pilha de roupas infantis cuidadosamente passadas havia de alguma forma sobrevivido ao fogo. Já a família que morava ali não sobreviveu.
Uma ironia triste é que o Nir Oz é parte de um movimento de esquerda que historicamente defende a paz com os palestinos.
Seis meses depois do ataque do Hamas, Ron não está disposto a fazer quaisquer concessões ao Hamas.
“Olha, eu desejo que haja um líder que leve alguma prosperidade [a Gaza], porque no fim nós precisamos ter paz”, diz ele.
“Mas qualquer um que apoie o Hamas é um inimigo. No momento em que eles largarem as armas, a guerra acaba. No momento em que Israel largar as armas, nós deixamos de existir. Essa é a diferença.”
Em Nir Oz, cacos de vidro ainda quebram sob os sapatos e casas destruídas têm cheiro de plástico e madeira queimados. Não há ninguém ali para limpar.
Alguns dos moradores que sobreviveram até voltaram para visitas rápidas, mas a maioria se mantém à distância, vivendo em hotéis mais para dentro de Israel.
A jovem Yamit Avital voltou para mostrar o local a um amigo por algumas horas.
Naquela manhã de outubro, ela estava em Tel Aviv. Seu marido estava em casa e conseguir fugir com as crianças. O irmão dele, que morava perto, foi morto.
As mãos de Yamit tremiam levemente enquanto ela falava sobre a possibilidade de voltar a morar em Nir Oz.
“Eu não sei, é muito cedo… Talvez a gente possa começar a pensar sobre isso quando os reféns voltarem. Não conseguimos pensar sobre isso agora”, diz ela.
Não há quem possa mostrar à BBC as ruínas de Khan Younis ou da Cidade de Gaza, ou as barracas dos 1,4 milhão de civis desalojados em Rafah, da mesma forma como Ron Bahat mostrou o kibutz de Nir Oz.
Isso porque jornalistas internacionais não podem entrar em Gaza, já que Israel e o Egito, que têm controle das fronteiras, não o permitem.
A única exceção são viagens organizadas pelas Forças de Defesa de Israel (FDI) — somente a convite e altamente supervisionadas.
Eu participei de uma dessas viagens, ao norte de Gaza, no início de novembro.
Com apenas cerca de um mês de guerra, o poder de fogo israelense já tinha reduzido a área a um deserto.
Acumulam-se provas de que tanto o Hamas como Israel podem ter cometido crimes de guerra.
O Tribunal Internacional de Justiça de Haia está investigando Israel por alegações “plausíveis” de genocídio contra os palestinos num caso movido pela África do Sul.
Mas o tribunal não pode julgar uma acusação contra o Hamas porque não se trata de um Estado. O grupo é classificado como uma organização terrorista pelos EUA, pelo Reino Unido e por vários outros países.
Israel rejeita a acusação de que é culpado por um genocídio. Para muitos dos seus cidadãos e apoiadores, é grotesco e ofensivo alegar que o Estado criado depois do Holocausto está ele próprio cometendo um genocídio.
Um dos conselheiros jurídicos de Israel, Tal Becker, disse aos juízes do tribunal de Haia que “o terrível sofrimento dos civis, tanto israelenses como palestinos, é antes de mais nada o resultado da estratégia do Hamas”.
Os palestinos veem as acusações por uma lente diferente, moldada por anos de ocupação militar por Israel.
Muitos palestinos acreditam que Israel já criou um estado de apartheid que lhes nega os direitos mais básicos.
Em Jerusalém, na Páscoa, um proeminente ativista cristão palestino, Dimitri Diliani, disse-me que “matar crianças é matar crianças”.
“Não importa quem é a criança que está sendo morta e não importa quem está matando”, defendeu.
“Reconheço o Holocausto, mas isso não significa um sinal verde para Israel cometer genocídio contra o meu povo ou qualquer outro povo.”
Ponto de virada na guerra?
A análise no Tribunal Internacional de Justiça deve levar anos e os acusadores de Israel terão de provar a intencionalidade do país nos atos de guerra para ganhar o caso.
O conflito e as mortes de civis não constituem tecnicamente, por si só, genocídio.
A equipe jurídica da África do Sul argumenta que declarações como a feita pelo ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, em 9 de outubro, mostram intenções genocidas.
“Ordenei um cerco completo à Faixa de Gaza. Não haverá eletricidade, nem comida, nem combustível. Tudo está fechado”, disse ele depois de visitar o Comando Sul das FDI em Beersheba.
“Estamos lutando contra animais humanos e agindo de acordo com isso.”
Israel foi forçado pela pressão internacional, especialmente de Washington, a afrouxar planos do bloqueio que o ministro previa.
A quantidade de assistência chegando a Gaza ainda era claramente inadequada.
Após seis meses de conflito, Gaza enfrenta uma fome iminente, de acordo com a Classificação Integrada das Fases de Segurança Alimentar.
A organização Oxfam calcula que 300 mil pessoas isoladas no norte de Gaza vivem desde janeiro com uma média de 245 calorias por dia — o equivalente a uma lata de feijão.
A catástrofe humanitária de Gaza também foi registrada em detalhe por jornalistas palestinos, por civis nas redes sociais e pelas organizações humanitárias cujos funcionários estão autorizados a entrar no território.
Sete membros da World Central Kitchen (WCK), que fornecia milhões de refeições aos palestinos em Gaza, foram mortos pelo Exército israelense em 1º de abril.
As mortes indignaram o presidente americano Joe Biden e outros líderes de países aliados ferrenhos de Israel. As críticas deixaram Israel ainda mais isolado.
O país não espera simpatia de grande parte do mundo, mas esperava apoio e compreensão de poderosos aliados ocidentais.
Em vez disso, esses aliados estão rejeitando a alegação de Israel de que não impede a entrada e circulação de ajuda humanitária.
Biden conseguiu extrair concessões incomumente rápidas de Israel, que prometeu maior acesso humanitário a Gaza. Talvez a Casa Branca tenha ameaçado impor condições ao uso de armas americanas em Gaza.
As mortes da equipe da WCK parecem ter sido um ponto de virada para o presidente Biden, cujo apoio a Israel tem sido uma constante ao longo da sua carreira política.
Apoiar Israel ainda é o seu princípio firme, mas os EUA já não estão preparados para transformar isso numa rede de proteção para Benjamin Netanyahu e seus parceiros extremistas da coligação.
Os palestinos perguntam, com alguma raiva e frustração, porque foram necessárias as mortes de sete trabalhadores humanitários, incluindo seis ocidentais, para se ver alguma mudança — depois das mortes de milhares de palestinos em Gaza.
As agências humanitárias atuando em Gaza afirmam que o ataque aos trabalhadores da WCK não foi um incidente isolado, mas o resultado de um desrespeito enraizado pelas vidas dos civis palestinos.
A indignação do presidente Biden pode ter demorado a chegar, mas poderia criar um ponto de virada na guerra.
No próximo mês, uma forma de avaliar a possível mudança é simplesmente contabilizar se Israel está matando menos civis palestinos ou se o aumento do fluxo de assistência alimentar e médica pode resgatar Gaza da fome.
Outro teste será observar se Netanyahu vai desafiar as críticas americanas e avançar com um ataque terrestre a Rafah, onde Israel afirma que unidades restantes do Hamas devem ser destruídas.
Os EUA dizem que isso não deve acontecer até que Israel consiga encontrar uma forma de proteger as vidas de quase 1,5 milhão de palestinos que estão refugiados lá.
Pressão interna em Israel
Benjamin Netanyahu entregou a “poderosa vingança” que prometeu aos israelenses em 7 de outubro.
As suas outras promessas, de vitória total, destruição do Hamas e volta dos reféns, não foram cumpridas.
Dentro de Israel, Netanyahu enfrenta forte pressão política. Seus índices de aprovação nas pesquisas de opinião despencaram.
Na semana passada, milhares de manifestantes agitando bandeiras israelenses bloquearam as ruas ao redor do Parlamento em Jerusalém, exigindo a demissão do primeiro-ministro e novas eleições.
“Netanyahu tem interesse em prolongar a guerra tanto quanto puder, porque enquanto a guerra continuar, ele pode dizer que agora não é o momento para novas eleições”, afirmou Nava Rosalio, uma das líderes do movimento contra Netanyahu.
Seu grupo se chama Busha em hebraico, que se traduz como “Vergonha”.
“Ele diz que agora não é hora de procurar quem é o responsável, que é ele. Ele prefere manter os reféns em Gaza e prolongar a guerra”.
Quando o Hamas atacou, Israel estava profundamente dividido em relação às políticas de direita do governo e às guerras culturais entre israelenses seculares e religiosos.
Desde então, os reservistas que haviam suspendido em protesto seu alistamento militar voltaram a vestir o uniforme.
As manifestações foram interrompidas em prol da unidade nacional.
Seis meses depois, já não é mais considerado antipatriótico protestar contra o fracasso do governo em pôr fim à guerra e em resgatar os reféns.
As divisões em Israel estão mais uma vez escancaradas.
Netanyahu enfrenta acusações contundentes de que a sua prioridade é a própria sobrevivência política.
Para permanecer no poder, ele deve preservar a sua coligação, que é construída com o apoio de partidos judeus ultranacionalistas.
Eles não se opõem apenas à libertação em massa de prisioneiros palestinos em troca da libertação de reféns israelenses, sem a qual um cessar-fogo não acontecerá.
Os dois principais aliados ultranacionalistas de Netanyahu, o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, e o ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, vão mais longe. Ambos querem que os palestinos deixem Gaza para que os judeus possam estabelecer-se lá.
O primeiro-ministro, conhecido pelas suas competências nas artes obscuras da política, está tentanto se equilibrar para manter essa ala da coligação feliz, ao mesmo tempo que nega que as opiniões de Smotrich e Ben-Gvir reflitam a política do governo.
Antes de outubro, as divisões de Israel devem ter feito com que o país parecesse vulnerável ao Hamas.
Seis meses depois, as mesmas rupturas dentro de Israel estão dificultando a vitória na guerra.
Futuro palestino
Capturar ou matar Yahya Sinwar, o líder do Hamas em Gaza e mentor dos ataques de 7 de outubro, daria a Israel a oportunidade de declarar vitória.
Mas ele ainda está vivo, enviando de onde quer que esteja posicionamentos em sucessivas etapas de negociação de um cessar-fogo.
Acredita-se que ele esteja em algum ponto da rede de túneis subterrâneos do Hamas, protegido por guarda-costas e por um escudo humano de reféns israelenses.
Yahya Sinwar deve estar decepcionado pelo fato de os palestinos na Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, não terem demonstrado apoio massivo a Gaza.
Alguns devem estar pensando a longo prazo, esperando para ver como os acontecimentos se desenrolam em Gaza e no Oriente Médio em geral.
Outros estão lutando para alimentar as suas famílias agora que milhares de palestinos foram impedidos de trabalhar em Israel.
Israel lançou muitos ataques mortais contra grupos armados na Cisjordânia, matando inocentes no processo e prendendo milhares de pessoas que estão detidas sem julgamento.
Alguns agricultores palestinos foram expulsos das suas terras após intimidação violenta — e por vezes mortal — por parte de colonos judeus extremistas.
As pesquisas de opinião mostram um forte apoio dos palestinos aos ataques de 7 de outubro, embora muitos rejeitem as evidências de que o Hamas tenha cometido atrocidades.
Numa manifestação barulhenta contra os israelenses em Ramallah, na Cisjordânia, perguntei a Joharah Baker, uma ativista palestina, se os ataques do Hamas tinham aproximado os palestinos da libertação do poder israelense.
Ela respondeu que esse não era o ponto.
“O que aconteceu em 7 de outubro é apenas uma coisa que aconteceu em muitos anos de opressão… A nossa luta continuará até sermos livres. Isso é o que qualquer povo sob ocupação, sob opressão, sob colonos faria”, argumentou Baker.
De acordo com o pesquisador palestino Khalil Shikaki, especialista em pesquisas de opinião, mesmo aqueles que não gostam do Hamas aprovam que os ataques tenham recolocado o desejo palestino de independência no mapa político do Oriente Médio.
E as mais recentes pesquisas indicam que os jovens palestinos não acreditam que a solução de dois Estados — com uma Palestina independente ao lado de Israel —algum dia acontecerá.
Em vez disso, diz ele, vários jovens com menos de 30 anos querem um Estado único entre o Mar Mediterrâneo e o rio Jordão, no qual acreditam que poderiam batalhar e conquistar direitos democráticos.
Esses jovens comparam a sua luta com aquela contra o Apartheid na África do Sul e acreditam que há um Nelson Mandela palestino em uma prisão israelense.
Trata-se de Marwan Barghouti, preso desde 2002 e cumprindo cinco penas de prisão perpétua por homicídio.
Se ele concorresse à presidência, as estimativas mostram que ele venceria facilmente.
Embora ele seja líder da facção palestina rival, Fatah, o Hamas colocou o nome de Marwan Barghouti na lista de prisioneiros palestinos que pretende libertar em troca de reféns israelenses.
É impossível imaginar judeus israelenses desistindo da natureza judaica do seu Estado.
O fato de os palestinos verem isso como uma possibilidade é outro sinal da distância entre eles.
Após seis meses de guerra, não há sinais imediatos de que ela esteja terminando.
Benjamin Netanyahu evitou expor quaisquer detalhes sobre seus planos para o controle de Gaza após a guerra, exceto quando defendeu que Israel deveria estar no poder — em outras palavras, com uma ocupação.
Ele rejeitou a proposta dos EUA de substituir as tropas israelenses por uma força da Autoridade Palestina (AP), que administra partes da Cisjordânia.
Os americanos querem uma AP revitalizada, que eventualmente governe Gaza.
Isso provavelmente exigiria uma nova liderança. O atual presidente palestino, Mahmoud Abbas, é idoso e extremamente impopular.
Os palestinos dizem que ele não conseguiu combater a corrupção, não demonstrou empatia por Gaza e não conseguiu que a polícia palestina protegesse a população dos agressivos colonos judeus, enquanto ele mantém uma cooperação com Israel na segurança.
Benjamin Netanyahu também rejeitou a proposta de Joe Biden de um grande acordo que transformaria o Oriente Médio.
Em troca de permitir a independência palestina, Israel seria reconhecido pela Arábia Saudita, e os sauditas obteriam um acordo de defesa ao estilo da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) com os EUA.
Em vez disso, o primeiro-ministro diz aos israelenses que ele é o único homem capaz de salvá-los do perigo mortal de um Estado palestino.
Isto é música para os ouvidos dos ultranacionalistas do seu governo, que estão muito mais interessados em manter a Cisjordânia e toda Jerusalém do que em fazer um acordo com a Arábia Saudita.
Longe das salas de conferências onde os líderes discutem o futuro, a guerra criou outro enorme obstáculo à paz.
Palestinos e israelenses nunca estiveram tão desconfiados uns dos outros desde as décadas turbulentas de assassinatos, sequestros e guerras de 1950 e 1960.
O pesquisador Khalil Shikaki identifica um processo mútuo e acelerado de desumanização desde 7 de outubro.
“Os palestinos não são vistos como parceiros para a paz. Eles não são vistos como pessoas que merecem igualdade, por conta do que fizeram em 7 de outubro. Portanto, eles [israelenses] questionam a sua humanidade. Infelizmente, vemos consequências semelhantes também entre os palestinos, que vêem o que está acontecendo em Gaza.”
“Esta desumanização é absolutamente desastrosa para o futuro.”
*Com reportagem adicional de Oren Rosenfeld, Fred Scott e Kathy Long
Fonte: BBC
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