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SABEDORIA DOS PROVÉRBIOS POPULARES (1ª parte)

Provérbio é um jeito mágico de transmitir ideias. É tão importante que, no Antigo Testamento, até existe um Livro dos Provérbios atribuído a Salomão (997 a. C.). Por esses provérbios, esse terceiro rei de Israel, ensinava a sua gente regras de justiça, disciplina e boa convivência. Mas se nos textos bíblicos provérbios lembram Salomão, no Nordeste brasileiro evocam, sobretudo, o grande Mario Souto Maior. Estão por toda a vasta obra que deixou. Especialmente Alimentação e Folclore – em que revela como, por força da repetição, esses ditos populares se enraizaram em nossa cultura popular e profunda. Por eles se pode compreender a própria alma generosa do nosso povo. De tanto responder perguntas veio a intenção de fazer uma primeira relação deles. Dada a extensão do texto, dividiremos, esses provérbios, em três grupos: os que pedem informações culinárias; os que necessitam explicações e aqueles que, sem dados históricos, perdem seus sentidos originais. Assim, juntando provérbios espalhados em cordéis e livros de tantos autores, ou citados de memória, aqui vão nesse texto que deve ser visto como gesto explícito de reverência e louvação a Mario Souto Maior.

PROVÉRBIOS COM INFORMAÇÕES CULINÁRIAS: 


“A fome é o melhor tempero” – Tempero é adicionado à comida para lhe dar sabor. Os mais comuns são ervas (orégano, salsinha, cebolinha, manjericão, hortelã, louro); especiarias (cravo, canela, noz-moscada, pimentas); condimentos preparados (mostarda, molho de soja, molho inglês); vinagres (de uva, de maçã, balsâmico); e mais comum de todos, o sal. Apesar disso melhor tempero de comida, toda gente sabe, é mesmo a fome.

“A verdade e o azeite andam em cima” – Como todas as outras gorduras esse azeite, quando misturado a outros líquidos, sempre sobe à superfície. Assim se dá, por exemplo, com a nata no leite. Por isso, por serem mais leves, “andam” (ficam) mesmo por cima. 

“Amizade remendada, café requentado” – O café, depois de pronto, não deve nunca ser reaquecido. Que esse segundo aquecimento provoca a destruição de substâncias responsáveis pelo seu aroma e seu sabor. E o café fica amargo.

“Azeite, vinho e amigo, melhor o antigo” – O provérbio vale para os amigos, sempre. Só quem come trinta quilos de sal (um quilo por ano) é amigo de verdade. Vale para os vinhos, às vezes (que a maioria, com o tempo, vira vinagre). E para os azeites, nunca. Que azeite, qualquer que seja, depois de um ano perde qualidade e sabor. Azeite, pois, sempre melhor o novo. Com certeza.

“Barato que só bolo de goma” – Entre os alimentos, é mesmo dos mais baratos. Goma é o polvilho da mandioca. Com ela se faz tapioca, biscoitos, beijus e bolo de goma. A receita é simples, rende muito e é barata. 

“Cada um puxa a sardinha para sua lata” – Sardinha é peixe pequeno que pode ser consumido fresco (frita) ou em conserva (no óleo ou no molho de tomate). Recebeu esse nome por ter sido descoberta nas proximidades da Sardenha (Itália). Como vive em cardume, são sempre pescados em grupos, cada um dos pescadores tirando a sardinha da água e pondo em sua lata.

 “Casa onde falta pão, todos brigam e ninguém tem razão” – Pão é o principal alimento de todos os povos, desde a pré-história. Símbolo de alimentação, o logotipo da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) traz a frase “Fiat panis” (Faça-se o pão), inspirado no bíblico “Fiat lux” (faça-se a luz – Gênesis 1,3).

“Em briga de marido e mulher, não se mete a colher” – Colher vem do grego kokhlus. O homem primitivo usava conchas de moluscos para mexer os alimentos, durante sua preparação. Ou para servi-los à mesa.  Depois passaram a ser fabricadas com osso e pedra. Mais tarde foram se sofisticando, no material e na forma. Maiores para a sopa, menores para a sobremesa. Câmara Cascudo descreve esses utensílios quase como um jogo de sedução: “Na hierarquia do talher, a faca é presença agressiva; enquanto a colher, para o povo, é a mão com os dedos unidos, assegurando a concavidade receptora e natural”. Pode-se meter a colher em quase tudo. Mas, pensando bem, nessa briga melhor mesmo é deixar a colher de fora.

“Macaco, quando não pode comer banana diz que ela está verde” – É que bananas verdes não devem nunca ser consumidas ao natural. Porque travam na boca. As verdes, só quando transformadas em doces. Interessante é que macacos têm uma técnica especial para descascar, sem que fiquem grudados na banana aqueles fiozinhos amargos. O segredo é começar a descascar pela ponta (o bico preto), que não fica grudada no cacho. O contrário do que fazemos, pois. Sugiro ao leitor que tire a prova. Funciona.

“Não há mulher sem graça nem festa sem cachaça” – Índios brasileiros não conheciam essa cachaça.  Usavam garapas à base de frutas ou raízes mastigadas para produzir fermentação.  Depois vieram os primeiros engenhos e o açúcar começou a ser produzido. A espuma da primeira fervura do suco da cana, por não ter serventia, era então colocada em cochos, ao relento, para alimentação dos animais. Esse mosto fermentava com facilidade; e meio por acaso, pouco a pouco, os escravos começaram a apreciar suas qualidades. Ajudava a suportar o frio e dava disposição para o trabalho duro no canavial. E ainda servindo como remédio para quase tudo – reumatismo, sífilis, picada de cobra. Mulher sem graça pode até ter. Mas festa sem cachaça, no Nordeste, é meio difícil.

“Não se faz omelete sem quebrar ovos” – É que omelete se faz com ovos batidos. Melhor quando firme por fora e úmido por dentro. Pode ser servido simples ou recheado com queijo, presunto, galinha, camarão, ervas finas. A França é recordista em receitas de omeletes. São mais de 125. Contam que Balzac (1799-1850), enquanto escrevia suas obras, comia somente omeletes, acompanhados de chá. 

“Não sou colher de pau para mexer mingau” – Qualquer mingau que se preze é sempre feito em fogo brando com colher de pau. Isso toda gente sabe. É assim desde a mais remota antiguidade. Para que a farinha (de trigo, de arroz, de sêmola, de milho, de mandioca), em contato com o leite quente, não forme caroços.

 “Ninguém fica pra semente” – A semente pode guardar suas qualidades por muito tempo, antes de ser lançada à terra e germinar.  Por isso, na linguagem bíblica se diz de quem vive muito além da média. A frase é também usada como metáfora, tendo essa semente o sentido de “descendência”.

“O frango de hoje é preferível ao galo de amanhã” – O provérbio ensina que a carne mais nova do frango é sempre melhor e mais saborosa que a visivelmente mais dura dos galos.

“Para quem ama, catinga de bode é cheiro” – O cheiro forte do bode é causado por glândula que se desenvolve, na sua cabeça, a partir dos 5 meses de vida. Para ganhar em sabor, melhor abater o animal antes dessa idade.

“Pimenta nos olhos dos outros é refresco” – A pimenta arde porque tem capsaicinóides – substância, sem cheiro nem sabor, que estimula as células nervosas da boca produzindo a sensação de ardor. Quanto mais capsaicinóides tiverem as pimentas, mais a boca fica pegando fogo. Outro provérbio bem popular é reprodução deste, apenas trocando olhos por outra parte do corpo.

“Uma azeitona ouro, segunda prata, terceira mata” – Azeitonas são muito calóricas. Cada 100 g de azeitona verde tem 140 kcal. As pretas, 180 kcal. Mas o provérbio é um exagero; que, certamente, uma azeitona a mais não mata ninguém.

“Vinho velho, amigo velho, ouro velho” – Vinho, ouro e amigo, quanto mais bem guardados melhor. Para guardar o vinho, alguns conselhos: somente guarde a garrafa deitada para não ressecar a rolha; o local deve ser fresco e, sobretudo, escuro – pois a luz o deixa turvo, prejudicando seu aroma. Por isso, caso não tenha adega especial, melhor consumir logo. 

(Continua daqui a quinze dias, no próximo artigo).

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Fonte: Folha PE
Autor: Letícia Cavalcante

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