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Malígno, o cão bípede que matava bandido

Acordei hoje pensando em fatos e situações que não aconteceram comigo, não presenciei, mas foram voz corrente nos tempos de antigamente. Na época a que me refiro, não havia milícias privadas, mas proliferavam os grupos de extermínio, olhados com muito carinho e simpatia por determinadas cúpulas dos estados.

Havia o crime de quadrilha ou bando, mas não existia diferença entre esse delito plurissubjetivo e o de organização criminosa, que somente foi tipificado na lei como delito de maior complexidade e perniciosidade em época posterior, plural no tocante aos agentes e com organização mais aprimorada, guardando a similitude do intuito de permanência com o delito anterior.

Naquele tempo, que já faz tempo, existiu o cão bípede, Malígno, que matava bandidos, sabia da Bíblia de cor e salteado, e de poesia. Declamava trechos do poema épico de Luís de Camões e citava versos de Castro Alves na sua luta condoreirista contra a escravidão. Fora quase um missionário de Cristo, mas por sadismo, bandeou-se para o grupo de Lúcifer e era aguardado pelo diabo para ser incluso no grupo seleto dos seus assessores na função do RH, para selecionar um exército de maus elementos. Entre os iguais, Malígno adorava gabar-se das façanhas que o distinguiam dos demais como que para fazer inveja e impor respeito.

Era profissional na arte de eliminar os que integravam, no seu dizer, a escória da sociedade: traficantes de drogas proibidas, pistoleiros, estupradores, ladrões de qualquer espécie, principalmente os latrocidas, pústulas que ao desaparecerem não faziam falta. Malígno usava arma de fogo com rapidez e precisão, sem dó, sem piedade e com nenhum remorso. Não diríamos que fosse um cão herói, como era tido, nem um urubu, ave nobre que reduzia a podridão e a carniça do mundo. Seria, sobretudo, um sádico e um cínico, que morreu de velho protegido pela sorte trocando violência com marginais e violentando-os propositadamente.

Às vezes, por erro ou por maldade, incluiu entre seus eliminados pessoas inocentes. Não sei se este escrito é uma crônica, tangenciando uma realidade distante, se é um conto, inteiramente imaginado, pura ficção, se constitui parte da história de uma sociedade enferma, dominada sem consentimento majoritário dos seus componentes, escrava de uma ideologia de terror, manipulada por minoria que mente com eficácia para si e para os outros.

Talvez não passe de estória recreativa e impertinente, ou consista de reportagem jornalística plasmada a destempo. Sei que acordei com impressão de sair de um pesadelo e a sensação de que Malígno morreu encanecido sem um ferimento recebido em confronto com os que elegeu inimigos e, o que é pior, deixou uma legião enorme de jovens seguidores que se miram no seu rude exemplo e até sonham com a política. Deus nos guarde!

José de Siqueira Silva é Coronel da reserva da PMPE

Mestre em Direito pela UFPE e Professor de Direito Penal

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12/06/2024 às 13:55

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